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Música

"É o Marenco que todo mundo conhece, cantando Nenhum de Nós", afirma o cantor, sobre aproximação com outros gêneros 

Músico é um dos adeptos da troca de experiências entre nomes do pop e do nativismo, como conta essa reportagem especial

24/03/2018 - 12h00min

Atualizada em: 25/03/2018 - 09h29min


José Augusto Barros
José Augusto Barros
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Com o surgimento de jovens talentos, a troca entre rock, pop e nativismo ficou mais frequente. Gaudérios mesclam sonoridades, sem abrir mão do seu estilo, mas pregam a universalidade da música sem gênero. 

Cesar Cattani / Divulgação

Neste domingo, em Florianópolis, Santa Catarina, Luiz Marenco e Thedy Corrêa apresentam o espetáculo A Cidade Encontra o Campo, definido pela dupla como "a convergência de ideias baseada na influência musical de um no trabalho de outro: a cidade de Thedy, influenciada pelo campo de Marenco e vice-versa." Em 25 de abril, o show é no Theatro São Pedro. 

Nele, mesclam canções de Marenco na voz de Thedy e sucessos do Nenhum de Nós interpretados por Marenco, além de faixas compostas para o projeto, como a que dá nome ao show. 

Admiração

Começou em 2006 essa parceria entre um dos principais poetas, compositores e músicos do nativismo, autor de clássicos como Batendo Água, e um dos expoentes do pop e do rock daqui, responsável por hits como Camila, Camila. Naquele ano, Marenco, 53 anos, gravou o álbum Querência, Tempo e Ausência. E convidou o vocalista do Nenhum de Nós, 54 anos, para uma participação. 

— Minha esposa (Marlize) é fã do Nenhum. Falei: "Tchê, vamos produzir um disco juntos". E cantamos a faixa-título juntos. Rapaz, não deu um mês, e eles lançaram um disco novo em Porto Alegre e também me chamaram — lembra Marenco. 

Resistência não durou

No início, o gaudério até ouviu restrições ao seu projeto, principalmente dos fãs mais tradicionalistas Porém, a resistência diminuiu dois anos depois, quando a dupla lançou A Cidade Encontra o Campo. 

— No momento que começamos o projeto, o público absorveu a ideia. Era uma questão natural de aproximação. Há dois tipos de música: a boa e a ruim, independentemente de gênero — sentencia o nativista.

No show, ele garante que nenhum dos dois foge às suas características, o que deixa a troca ainda mais rica. Marenco, de bombacha, chapéu e pala, canta sucessos como Diga a Ela. Thedy, ao estilo pop e rock, interpreta Batendo Água. 

— É o Marenco que todo mundo conhece cantando Nenhum de Nós. E o Thedy que todo mundo conhece cantando Marenco. Vejo uma gurizada de bombacha, outros com piercing, um povo do rock. Esse projeto ajuda a juventude a se encontrar com a cultura — sustenta o nativista.  

Integração total

Felipe Campal / Divulgação

Na terça-feira passada, no palco do Theatro São Pedro, Aluisio Rockembach, xxx anos, promoveu uma grande integração da música feita no Rio Grande do Sul, independente do gênero. Ao lançar o disco Dona Maria, ele reuniu nomes tão diferentes Thedy Corrêa, Duca Leindecker, Pirisca Grecco e Luiz Marenco para celebrar o que define como universalização da música. A integração do pelotense Aluisio com outros gêneros começou há cerca de dois anos, quando Duca o convidou para participar de um de seus shows, no Theatro Guarany, em Pelotas.

Marcelo Martins / Divulgação
Thedy, Duca, Marenco e Aluisio, no palco do São Pedro

— Parto sempre do princípio que a música te mostra um caminho, de que tudo tem que aparecer ao natural. E acho que foi isso que vem acontecendo. No passado, fiz dois ou três shows com o Thedy, que ouve música regional em casa. O Marenco adora ouvir rock, country — revela Aluisio, para completar:

— Estava todo mundo discreto, parece que faltava aquele convite, todo mundo esperando a oportunidade de ampliar isso, sabe? Esse tipo de encontro é feito há muito tempo na Argentina, por exemplo.

Música acima de tudo

Na concepção de Aluisio, a música tem que estar acima de tudo, inclusive de gênero. Ele defende, ainda, que um músico não tirará o lugar do outro, pois eles não mudam seus estilos, apenas estão abrindo horizontes diferentes. 

— Quando o Marenco cantou a primeira vez com o Thedy, ele foi lá e cantou do jeito dele, que ele canta, o que é muito melhor. Ele não virou roqueiro. E me inspirei muito nele — _ afirma o pelotense, que completa:

— "Tá" todo mundo querendo sair de casa, quebrar preconceitos, começar uma história nova, mantendo o que é bom e nossas tradições, claro — afirma.

"A música é universal"

Presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), Nairo Antunes Callegari defende essa aproximação dos gêneros que está acontecendo. Porém, ressalta que a tradição dos CTGs deve ser respeitada. Para ele, rock e nativismo têm de preservar as suas identidades. Mas podem abrir as portas, sim. 

Como o senhor vê essa aproximação de gêneros dentro da música feita no Rio Grande do Sul?

Nairo Antunes Callegari — Eu entendo que a música é universal, é cultural, de toda a sociedade. Vejo como uma coisa boa, maravilhosa, pois consegue levar os artistas a outros públicos, por mais que ele esteja em outros gêneros. Ele não perderá as suas características. Por exemplo: o Borghettinho leva a gaita-ponto dele para todos os lugares do mundo e leva, por consequência, a nossa cultura, sendo o mesmo Borghettinho.  

Essa mistura se adaptaria em um cenário como um CTG, por exemplo?

Nairo — Acredito que não tenha como colocar um show assim em um CTG, ou em uma entidade oficial. Acho que não se enquadra. Pode acontecer, eventualmente, mas não que seja uma coisa tradicional. Não dá para confundir as pessoas. Existe a tradicionalidade que os CTGs fazem, que tem que ser mantida. Juntas, essas coisas podem ser boas, é claro. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Não podemos deixar de abrir as portas, mas também não podemos perder a identidade.

Quem ganha com essas parcerias e com essas misturas musicais?

Nairo — Todos ganham. Os músicos tem que exercer a sua profissão na plenitude, porque é uma forma de atingir novos públicos com essa mescla. E uma forma muito inteligente, aliás. 

Alma visionária e com propósito

Eduardo Rocha / Divulgação
Borghetti já gravou com nomes como Nenhum de Nós e Engenheiros do Hawaii

Nos anos 80, em um cenário que a música nativista era bem mais fechada para outros gêneros, um dos maiores gênios da gaita-ponto do país já dava seus passos rumo à integração musical. Renato Borghetti desfilou a sua gaita na faixa Fuga, do disco Cardume - segundo da trajetória do Nenhum de Nós, lançado em 1989.

E foi um dos hits do álbum. Visionário, seguiu aceitando convites de artistas de outros gêneros, como quando participou do Rock in Rio, em 2001, com os Engenheiros do Hawaii.  

— Eu acho que essa aproximação soma muito. Mas vejo dessas misturas 

o seguinte: o que é legal é tu dares o teu jeito de tocar em uma praia que não é a tua. Se os Engenheiros me convidam para tocar uma gaita em um disco deles, eles querem uma gaita mais regional. Senão, chamariam outro cara, que tivesse linguagem roqueira, não é? — afirma o gaiteiro.

Tem que fazer sentido

Borghetti defende, ainda, que o movimento não pode ser somente no sentido de gerar algo "inusitado". Tem que mostrar algo a mais para o público. 

— Quando tu vais tocar com uma orquestra, o encontro mais importante é o das músicas. O que justifica essas fusões é um resultado sonoro interessante. Só pelo inusitado não se justifica. O experimento é válido se acaba tendo um resultado bonito — finaliza o acordeonista. 

 Olhar de fora

Felipe Goldenberg / RBS TV
Shana foi dirigida por Duca, em seu mais mais recente DVD

Shana Müller, 38 anos,  não só já dividiu o palco com nomes como Tavares, ex-Fresno, Gisele de Santi e Hique Gomez, como convidou Duca Leindecker para dirigir o seu mais recente DVD, Canto de Interior, lançado em 2016. 

— Foi muito bom ter alguém de outro gênero olhando para a música que tu fazes. O mais legal é que o Duca buscou tirar da gente o ritmo mais regional possível, por mais rock ou pop que ele seja — avalia a cantora e apresentadora do Galpão Crioulo, da RBS TV. 

E reconhece que o músico teve um papel fundamental no desempenho vocal dela durante a gravação.

— A gente tem cacoetes, e ele me ajudou a cantar melhor, tendo uma visão do todo, sendo de fora — comenta a artista, que também participou da faixa Toda Verdade, do novo disco de Duca, Baixar Armas. 

Na música, ela divide os vocais com ele, com Aluisio Rockembach na gaita. O trabalho será lançado no fim do mês.

Precisa de movimento

Sobre o movimento de integração entre os gêneros, Shana o define como extremamente necessário. E sustenta que a música regional precisa desse movimento para dar um respiro e ser uma grande troca. Shana lembra de uma situação envolvendo Mercedes Sosa (1935 - 2009), uma de suas referências profissionais:

— Ela levou Charly Garcia pela primeira vez ao palco de Cosquin (festival argentino, em 1997), e foi muito criticada na época. Antes de qualquer coisa de estilo, eles tinham a arte como forma de expressão, de transformação. A arte tem a necessidade de que a pessoa se identifique com alguma mensagem.

Uma conversa boa tem um quê de cosmopolita

 

Edu Defferrari / Divulgação
Duca: requisitado por vários gêneros

Como já deu para perceber, Duca Leindecker é nome requisitado em vários gêneros e, principalmente, no nativismo. O músico, 47 anos, se diz fã de ritmos regionais, elogia a experiência de dirigir o DVD de Shana Müller, mas afirma que o gaúcho tem uma certa dificuldade de encontrar a sua identidade tanto no rock quanto no nativismo:

— O rock daqui pega muita coisa emprestada da Inglaterra. Já o nativismo pega emprestado do Uruguai, da Argentina. Não são originários do Rio Grande do Sul. Então, estamos sempre buscando a nossa identidade, o que já é suficiente para buscar uma conversa entre esses dois ritmos. 

Pensar diferente sempre

Duca elogia as aproximações que estão sendo feitas e diz que pensar diferente é "pré-requisito da arte". Ele ainda defende a necessidade de que se busque misturas distintas. 

— Na gravação de Pinhal (um dos grandes sucessos da Cidadão Quem, banda da qual Duca foi vocalista até a morte de seu irmão, Luciano, em 2014) estava lá o Borghetti com a sua  gaita-ponto. Eu acho que vale a identificação com pessoas que têm talento, como ele, que está acima do regionalismo. Existe rock ruim e nativismo ruim. E vice-versa — finaliza.  

 





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