Elas estão no controle
Veja quem são os mulherões das novelas que dão um chega pra lá no machismo
Personagens da telinha estão dando uma lição de empoderamento
Não é exagero dizer que a teledramaturgia é o espelho da sociedade. Enquanto o mundo e o comportamento das pessoas evoluem, as produções da telinha acompanham este desenvolvimento.
Um exemplo clássico é o seriado Malu Mulher, exibido entre 1979 e 1980. Os dramas de Malu (Regina Duarte) retratavam bem a repressão vivida pelas mulheres na sociedade da época. Mas que época era esta? Naqueles tempos, o divórcio só tinha sido permitido no Brasil há dois anos, homens que matavam suas parceiras eram absolvidos por alegarem "legítima defesa da honra", enfim, era difícil mostrar as conquistas femininas. Imaginem, então, exibir na TV uma mulher divorciada, que trabalhava fora e criava a filha sozinha?
Corta para 2018. Felizmente, muita coisa mudou, mas caminhamos a passos lentos em busca dos direitos das mulheres. Não à toa, algumas personagens da ficção levantam bandeiras importantes neste aspecto. Apesar de terem nascido e crescido em um ambiente dominado pelos homens, as mulheres maduras também provam que são independentes, autoconfiantes e capazes de enfrentar o machismo arraigado na sociedade.
Conflito de séculos
O Tempo Não Para traz o confronto de dois mundos bem diferentes. De um lado, os "congelados", ainda com a mentalidade, hábitos e crenças de 1886. De outro, a modernidade em todas as suas melhores e piores facetas.
Carmen (Christiane Torloni), mãe do mocinho Samuca (Nicolas Prattes), é uma mulher arrojada, chique e dona do próprio nariz. Enche a boca para dizer que criou o filho sozinha, sem depender do "traste" de seu ex-marido. Tanta modernidade foi demais para dona Agustina (Rosi Campos) e seu pensamento de 132 anos atrás. A mulher de Dom Sabino (Edson Celulari) ficou chocada com o comportamento de Carmen e logo a qualificou como uma "devassa", "messalina", entre outros impropérios. A dama de época chegou a proibir o relacionamento de Samuca e Marocas (Juliana Paiva), tudo porque o rapaz é filho de uma "perdida", "mulher largada, sem marido".
Enquanto as duas mães se digladiam, Dom Sabino está nas nuvens com a "mulher admirável" que é a Senhora Dona Carmen.
Coronelismo, só na ficção
Ainda na novela das sete, outra mulher empoderadíssima rouba a cena. Coronela (Solange Couto) comanda a pensão com mãos de ferro, não à toa, recebeu a alcunha _ referência ao Coronel, seu falecido marido. Sem papas na língua e cheia de sensualidade, ela joga charme para os hóspedes sem se preocupar com o que os outros irão pensar. Nem mesmo a filha, a tenente linha-dura Waleska (Carol Castro), é capaz de frear os exageros da mãe.
Já Solange Couto, intérprete de Coronela, prefere manter uma linha moderada entre o machismo e o feminismo.
— Não lido bem com nenhuma posição radical, tenha ela a idade que tiver. Machismo ou feminismo ditador não funcionam comigo, sigo e faço o que acho bom — contou ela, por e-mail.
Casada há quase uma década com Jamerson Andrade, a atriz acredita que, em uma relação, o fundamental é a parceria.
— Sou casada há nove anos e, mesmo tendo posição sobre o que fazer, consulto e divido com meu marido a finalização de tudo. Assim, participamos e dividimos a vida no total — diz Solange.
Grito de liberdade
Em Segundo Sol, Agenor (Roberto Bonfim) não nasceu em 1886, mas tem uma mentalidade típica do século retrasado. "Mulher minha não trabalha fora", "Não sou pai de aberração" (referindo-se à filha lésbica, Maura, vivida por Nanda Costa), "Quem manda nessa casa sou eu", entre outros absurdos, já foram proferidos pelo personagem. Até outro dia, Nice (Kelzy Ecard) se submetia aos desmandos do marido e baixava a cabeça para as ordens dele. Mas esta situação começou a mudar.
Desde que conseguiu emprego no restaurante de Cacau (Fabiula Nascimento), Nice experimenta o gostinho de se sentir útil e, de quebra, ganhar seu próprio dinheiro. Assim, empoderada e corajosa como nunca, ela encheu a boca para responder aos desaforos do marido brutamontes:
— Tô me sentindo gente, sim! Tô me sentindo útil! Tô feliz que os clientes gostam de minha comida, que eu ganho bem — mais que você, por sinal!
A cena, que foi ao ar no dia 18 de agosto, provocou uma repercussão enorme nas redes sociais. O público comemorou o momento "Nice afrontosa".
O jogo virou
O grande tombo de Agenor ainda estaria por vir. No capítulo de quarta-feira, Cacau flagrou o malandro tentando sabotar a própria esposa. O resultado: olho da rua. Restou ao machão, cabisbaixo e submisso, pedir uma nova chance à mulher que tanto humilhou. Nice cedeu, mas deixou bem claro quem dá as cartas a partir de agora. Ela ainda tem muitos degraus a galgar em sua luta pela independência, mas já deu os primeiros passos contra a tirania.
O caso de Nice e Agenor, infelizmente, não é mera obra de ficção. Na vida real, muitas mulheres vivem este tipo de relacionamento tóxico, do qual não conseguem se livrar.
— A subordinação acaba sendo um modo de acomodação, que não faz as pessoas pensarem sobre si mesmas e sua relação com o outro — explica a psicóloga Denise Quaresma, da Feevale.
Dona Naná e seus dois amores
E por falar em confusão, esta é a palavra que melhor rima com a família Falcão. Além das armações envolvendo a falsa morte de Beto (Emilio Dantas), as falcatruas de Remy (Vladimir Brichta) e os dilemas amorosos de Ionan (Armando Babaioff) e Clóvis (Luis Lobianco), é a matriarca desse clã quem tem dado o que falar.
Naná (Arlete Salles) sofreu calada durante anos com as traições de Dodô (José de Abreu). Mas o caso com Gorete (Thalita Carauta) e a existência de um filho fora do casamento foram a gota d'água. Naná chutou o balde e resolveu propor uma solução inusitada para o imbróglio amoroso. Já que Nestor (Francisco Cuoco) nunca escondeu que era apaixonado por ela, formou-se um "trisal" — casal de três —, uma espécie de Dona Flor e Seus Dois Maridos em versão madura.
No começo, os pretendentes relutaram em aceitar o inusitado arranjo. Nestor, que ficou anos no "banco de reservas", preferia exclusividade. Dodô foi ainda mais enfático, negou-se a dividir a esposa com aquele "curandeiro subversivo", mas no fim das contas, ambos acabaram entrando no jogo de Naná. Afinal, quem rege esta orquestra amorosa é ela.
Batalha externa e interna contra o machismo
A nova geração de feministas já nasce com um discurso pronto para lutar contra as desigualdades entre os sexos. As meninas se mostram empoderadas desde cedo e brigam por seus direitos com mais naturalidade, têm na ponta da língua expressões como "empoderamento", "sororidade" (união entre as mulheres) e "feminicídio".
Mas, para as gerações anteriores, esta luta é um pouco mais complicada. Nossas mães e avós batalham não apenas contra o machismo, mas contra sua própria maneira de pensar e agir, incutida desde cedo pela família e pela sociedade. Para elas, casamento era para sempre, ainda que a infelicidade fosse a maior companheira, o homem era o provedor, o grande patriarca que tomava qualquer decisão.
Referência
Para Denise Quaresma, professora da faculdade de Psicologia da Feevale, este comportamento submisso (e omisso) pode passar de mãe para filha:
– Percebemos a subordinação em acontecimentos simples, como decidir se podem visitar uma amiga, se podem comprar um artigo de uso pessoal, ou se podem deixar de fazer o almoço por alguma indisposição. Ao agirem desta forma, não percebem que ensinam as filhas a copiarem este modelo e repetirem ele em seus casamentos. Por isso, dizemos que o machismo também é ensinado pelas mulheres.
E será que estas empoderadas das novelas inspiram telespectadoras?
– Podem influenciar no empoderamento feminino. Quando vemos uma cena, revivemos as emoções que sentimos quando passamos por algo semelhante. Vamos percebendo que podemos agir diferente diante da opressão, que há outras possibilidades para sermos mulheres para além do que vemos na família ou na nossa sociedade – diz Denise.
Vamos juntas
O comportamento das mulheres mudou muito nos últimos anos, mas há uma longa batalha pela frente. O feminismo volta com força no século 21, repaginado e com o reforço de uma arma poderosa: a tecnologia. Se nossas antepassadas queimavam sutiãs, a luta, agora, é com um teclado ou celular na mão. Nas redes sociais, é possível compartilhar novas diretrizes desse movimento crescente, denunciar atitudes abusivas e apoiar a quem precisa.
— Nesta troca, cria-se uma rede de solidariedade que no passado não havia. Ou seja, o feminismo se fortalece dia a dia, o que é bom para as mulheres e para os homens, pois, na medida em que uma mulher se sente melhor, é mais feliz e menos oprimida, toda a família de beneficia — ressalta Denise.