Mistério
Caso Nicolle: mulher abordada por policiais em São Paulo se identificou como a modelo desaparecida
Episódio ocorreu em fevereiro deste ano. Para a Polícia Civil gaúcha, jovem está morta e outra pessoa teria se passado por ela
Em 28 de fevereiro deste ano, uma mulher foi abordada em São Vicente, município no litoral de São Paulo (SP) a 70 quilômetros da capital paulista. De posse de uma porção de maconha, apresentou-se aos policiais civis como Nicolle Brito Castilho da Silva, a moradora de Cachoeirinha, na Grande Porto Alegre, desaparecida desde junho de 2017. O caso foi descoberto pela reportagem de GaúchaZH e comunicado à Polícia Civil do Rio Grande do Sul, que solicitou diligências e documentos aos agentes paulistas. Apesar de o corpo da modelo nunca ter sido localizado, para os investigadores gaúchos a jovem está morta e outra pessoa teria usado o nome dela.
No início deste ano, policiais de São Vicente faziam buscas de rotina pelo município quando flagraram uma mulher com uma porção de droga. A jovem abordada identificou-se com o mesmo nome e sobrenome de Nicolle. Natural de Campinas (SP) a modelo tem duas carteiras de identidade: uma no RS e outra em SP. A mulher flagrada pelos agentes não apresentou documentos de identificação. Ainda assim, um termo circunstanciado por posse de drogas, já que ela seria usuária, foi registrado em nome de Nicolle. A jovem assinou o termo e foi liberada na sequência.
Ao ser informado pela reportagem sobre o processo que consta no Tribunal de Justiça de São Paulo em nome de Nicolle, o delegado Leonel Baldasso, de Cachoeirinha, fez contato com a polícia paulista. Em ofício encaminhado à polícia gaúcha, o delegado Luis Carlos Cunha, de São Vicente, confirmou que uma mulher portando drogas para consumo pessoal se identificou à polícia como sendo a modelo. No entanto, os agentes não desconfiaram da fotografia do sistema porque a imagem registrada era antiga. Também não foi realizada coleta de impressões digitais — o que permitiria comparar com as da jovem desaparecida.
Os policiais encaminharam à polícia de Cachoeirinha o documento assinado pela mulher flagrada com drogas. A assinatura, que se limita ao primeiro nome, é diferente da registrada no documento de identidade e no título de eleitor da modelo, apresentados pela família.
Esse registro de fevereiro não é o único em nome de Nicolle na mesma cidade. Em 23 de fevereiro de 2017, quando a modelo ainda não havia desaparecido, uma mulher foi flagrada no mesmo município e se identificou como sendo a jovem. Ela também estava sem documentos, não foi feito registro fotográfico nem coleta de impressões. Naquela data, segundo a família de Nicolle, a jovem estava em Belo Horizonte (MG). O pai, Sidnei Castilho da Silva, apresentou à Polícia Civil cópia das passagens aéreas, que indicam que a jovem viajou de Minas Gerais para Porto Alegre às 15h15min de 23 de fevereiro de 2017.
— Foi exatamente no mesmo dia. Eu comprei a passagem. Ela havia feito uma cirurgia e estava em Belo Horizonte há alguns dias. Eu busquei ela no aeroporto. Infelizmente, seria uma esperança para a gente, mas não era ela — lamenta o pai nesta quarta-feira (2) a GaúchaZH.
Documentos
Para o delegado Baldasso, o fato de alguém utilizar o nome da jovem pode ser explicado por um registro feito por Nicolle em 12 de agosto de 2016. Enquanto residia na Vila Formosa, na capital paulista, a modelo teve furtados a carteira de identidade, um cartão bancário e R$ 600. No ofício encaminhado à polícia gaúcha, o delegado Cunha cita esse caso e afirma ter concluído que "a abordada fez-se passar por Nicolle Brito Castilho da Silva, possivelmente por ter tido acesso ao documento de identidade", furtado há três anos.
"Cumpre esclarecer que Nicolle Brito Castilho da Silva não consta como morta em nossos registros de identificação civil até a data de hoje (27 de setembro de 2019), portanto, não houve, em princípio, qualquer suspeita quanto aos dados fornecidos pela abordada, a qual não titubeou em momento algum quanto ao fornecimento de sua qualificação", escreveu o delegado Cunha no ofício. Ainda conforme Baldasso, não há registro em SP de pessoa com nome idêntico ao da jovem.
— Isso tudo serve para mostrar que realmente era outra pessoa se passando por ela. A investigação não cabe à polícia de Cachoeirinha. A suposta falsidade ideológica aconteceu em São Paulo e eles devem investigar lá para saber quem está se passando por ela. O sistema nacional não é integrado. Por isso, os agentes que fizeram a abordagem não sabiam que ela está morta. Agora, pedi que haja essa inserção no sistema. Se alguém se apresentar em nome dela, será preso — afirmou Baldasso.
No mesmo documento encaminhado pela polícia paulista, o delegado Cunha também relata que foram realizadas buscas no endereço indicado pela jovem no registro. Mas a mulher havia fornecido endereço falso e não foi localizada. Os registros policiais e as assinaturas apresentadas nos registros, para possível comparação pericial, estão sendo reunidos pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul. O expediente será encaminhado ao Ministério Público, já que o caso está em fase de processo. Três pessoas respondem pela morte da modelo.
O desaparecimento
O sumiço de Nicolle completa dois anos e quatro meses nesta quarta-feira (2). A jovem foi vista com vida pela última vez na noite de 2 de junho de 2017. A modelo tinha se mudado para Cachoeirinha havia apenas quatro meses, para morar com o pai.
Antes, viveu com a mãe em Miami, nos Estados Unidos, e em São Paulo, com uma amiga. Em imagens gravadas por uma câmera de segurança, Nicolle é vista entrando em um Peugeot 208 prata, em frente à casa onde morava com o pai, no bairro Vale do Sol. O pai dela havia saído para comprar um lanche.
Ao longo da investigação, três pessoas foram indiciadas e denunciadas. Os três se tornaram réus pelo assassinato da modelo e por ocultar o corpo. Para a Polícia Civil e o Ministério Público, um apenado do Presídio Central determinou a morte da jovem por vingança. Ele estaria convencido de que ela havia delatado para rivais o endereço de um comparsa de sua facção, que acabou sendo morto junto da companheira alguns dias antes de Nicolle desaparecer. Um áudio obtido durante a investigação da Polícia Civil indica que a jovem teria sido vítima de um crime brutal:
— Ela já era, ela foi cortada, foi botada dentro dos pneus e foi "tacado" fogo. Depois foi "tacada" dentro do Guaíba — disse um presidiário indiciado.
O caso
Na noite de 2 de junho de 2017, Nicolle Brito Castilho da Silva, 20 anos, desaparece de casa enquanto seu pai buscava um lanche nas proximidades. Entre o fim de julho e início de agosto do mesmo ano, registros de atividades no Facebook da jovem levaram a polícia a crer que ela pudesse estar viva.
O inquérito da Polícia Civil é finalizado no dia 1º de junho, após quase um ano de investigação, quebra de sigilos telefônicos, de redes sociais, cumprimento de 15 mandados judiciais e depoimentos de 26 testemunhas. Três pessoas são indiciados por homicídio e outras duas por crimes relacionados.
No dia 29 de junho de 2018, o Ministério Público (MP) denuncia dois homens e uma mulher por homicídio triplamente qualificado — com motivo torpe, mediante dissimulação e com emprego de tortura. Em 10 de julho de 2018, a Justiça aceita a denúncia e torna três pessoas rés pelo crime.
Após quase um ano e meio do desaparecimento da modelo, em 26 de novembro de 2018, é realizada a primeira audiência do caso para ouvir testemunhas. A Vara Criminal de Cachoeirinha determinou sigilo sobre o processo, por haver testemunhas que poderiam ser ameaçadas pelos criminosos. O nome dos réus também não foi informado, sob essa mesma alegação. Dois deles estão presos e uma mulher responde em liberdade.