Elite da tropa
Com sessão especial na RBS TV, série "Arcanjo Renegado" mostra dilemas de um sargento do Bope
Marcello Melo Jr. lidera elenco que conta também com policiais da vida real e ex-detentos

Um grupo de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) invadindo uma favela, liderados por um agente incorruptível e em crise. A cena, que remete a Tropa de Elite, é de Arcanjo Renegado, nova série do Globoplay lançada no fim de semana, que terá exibição de seus dois primeiros capítulos na Tela Quente, nesta noite, na RBS TV.
As diferenças entre a obra dirigida por José Padilha e esta, criada por José Junior (também da série policial A Divisão, lançada em julho do ano passado pela mesma plataforma de streaming), evidenciam-se aos poucos. Desta vez, o público irá acompanhar os trabalhos da Arcanjo, equipe considerada a melhor treinada e mais letal do Bope, sob o ponto de vista de Mikhael (Marcello Melo Jr.), sargento e comandante de uma unidade do grupo.
A direção fica a cargo de um nome de peso do cinema nacional, Heitor Dhalia, diretor que se dedicou a trabalhos de escopo e temática variados, como o satírico O Cheiro do Ralo (2006), o épico histórico com pintas de faroeste Serra Pelada (2013) e obras de um lirismo direto e comovente, como À Deriva (2009) e a adaptação de quadrinhos Tungstênio (2018).
Para José Junior, é uma honra ter sua obra comparada ao sucesso estrelado por Wagner Moura, mesmo que os enredos se passem em épocas diferentes.
– O Capitão Nascimento, pelo que entendi, é uma compilação de três ou cinco caras. Já no Arcanjo Renegado, Mikhael nunca existiu – pontua Junior, em entrevista por e-mail à Zero Hora. – Nossa história tem um conceito real, porém nunca aconteceu. Mas carrega uma verossimilhança no aspecto conceitual muito grande.
Ao longo dos 10 capítulos desta temporada, a faceta violenta de Mikhael entra em choque com o trabalho de investigação do jornalista Ronaldo Leitão (Álamo Facó), que vai denunciar os abusos da tropa.
Após comandar uma invasão que acaba em chacina, o sargento será preso e transferido para o interior, para ficar fora de circulação. A bomba na carreira do protagonista agrava a crise de sua vida pessoal mal-resolvida: ele perdeu muito cedo o pai (também policial militar, morto em ação) e a mãe (por conta de um câncer). Cresce com um olhar equivocado sobre a própria polícia e toda a sociedade.
– Tudo isso faz com que ele tenha reações explosivas. Você entende que, pelo simples fato de o policial botar uma arma na mão, não está protegido, que um colete não o protege, que os policiais também têm medo, mas dentro do possível. E, quando vão para uma operação, não têm muito essa questão (do medo) na cabeça – reflete Melo Junior, que também atuou em Última Parada 174 e Cidade de Deus.
Realidade
Nos bastidores do seriado, há um detalhe curioso: dos 16 personagens policiais membros da Equipe Arcanjo, 14 são integrantes reais do Bope, e os papéis de traficantes foram desempenhados por 40 egressos do sistema penal. As cenas foram gravadas em locação no Complexo da Maré. Por essa mistura com a realidade, Mello Jr. acredita que a principal mensagem do seriado é de fato mostrar a situação do Estado e como é preciso ficar atento ao ser humano:
– O policial deveria ter o mesmo ponto de vista humano, de ser mais responsável com o morador da favela que invade. E a série faz um retrato desse nosso filme diário, tão assustador, e de como é urgente que se busque uma solução – mesmo que eu não a veja a curto prazo. Essas pessoas que estão na política não me representam, porque não se colocam no nosso lugar.
José Junior concorda com o ator, destacando que o problema da violência atinge todos os cantos do país. Ele recorda que, em 2012, gravou cenas de outro seriado no Presídio Central de Porto Alegre, quando pôde perceber que o preso do eixo Rio-São Paulo acaba trazendo tecnologia para cá. Mesmo assim, reitera que culpar somente os governantes não é uma saída apropriada:
– Nós, como sociedade, temos que refletir, propor também. Segurança pública não é só mais policiamento na rua. Segurança pública passa por educação, saúde, pelos núcleos familiares – nesse caso, é o nosso principal papel perante nossos filhos, nossa família. É uma reflexão muito mais profunda.