Noveleiros
"Fina Estampa": Teodora é vilã ou vítima do machismo?
Quase dez anos depois, é possível analisar a personagem de outra forma
Em 2011, Fina Estampa, novela de Aguinaldo Silva, fazia sucesso no horário nobre ao contar a história de Griselda (Lilia Cabral), vulgo "Pereirão", sua família, seus amigos e inimigos. Entre os enredos de maior destaque, estava a conturbada relação de Quinzé (Malvino Salvador) com sua ex-esposa, Teodora (Carolina Dieckmann), que ele acusava de tê-lo abandonado com um filho bebê para morar com outro homem. À época, não havia dúvidas de que o rapaz era a grande vítima, enquanto a loira, considerada leviana e irresponsável, não merecia perdão.
Porém, quase uma década depois, com o retorno da trama à telinha e diante de uma mudança de postura da sociedade em relação às mulheres, é inevitável analisar a conduta de Teodora a partir de outros pontos de vista.
Cena impactante
Corta para 2020. Em meio à pandemia de coronavírus, Fina Estampa volta ao ar em edição especial durante a quarentena. Ao parar diante da TV, o telespectador assiste a uma cena forte.
Quinzé, descontrolado, invade o salão de beleza onde Teodora estava, xinga a ex com palavras de baixo calão e ameaça:
— Vou fazer da tua vida um inferno!
Quase 10 anos depois de ter sido escrita, a cena pode ser vista por outro ângulo.
É assustador ver a forma como Quinzé trata a moça, inclusive com violência física, isso sem contar a agressão verbal e psicológica. Seria enquadrado na Lei Maria da Penha, sem dúvidas. Aqui, já não cabem as justificativas do ex-marido "abandonado", mas, sim, o abuso contra uma mulher. Ficam de fora os julgamentos a respeito do caráter da moça. Afinal, a vítima, neste caso, é ela.
Novos tempos
A própria Teodora explica, durante a discussão, que não abandonou seu filho,já que deixou o menino com o pai. E se, durante o casamento, Quinzé agia da mesma forma, com truculência e grosserias, Teodora tinha motivos de sobra para buscar a felicidade em outro lugar. Percebam como a mesma história pode ser vista com outros olhos depois de poucos anos. O mundo mudou, ainda bem.
O mais curioso é o fato de Quinzé vir de uma família matriarcal. Griselda, depois da "morte" do marido, assumiu o sustento da casa e encarou um trabalho que era considerado "masculino", como de faz-tudo (ou marido de aluguel). Apesar do exemplo de força feminina em casa, Quinzé mostrou-se extremamente machista. Essa postura, felizmente, não tem mais vez nas telenovelas atuais. É comum vermos, hoje em dia, mocinhos cada vez mais sensíveis e mocinhas empoderadas.
Sem perdão
Quase uma década depois de viver Teodora, Carolina Dieckmann voltou a interpretar uma personagem que convivia com um marido machista, em outra trama do autor Aguinaldo Silva.
Em O Sétimo Guardião, ela foi Afrodite, casada com Nicolau (Marcelo Serrado). A moça sofria com a insistência do marido em ter um filho homem, era obrigada a fazer sexo quando não tinha a menor vontade e chegou a apanhar do chapeiro. Porém, desta vez, o machão não foi perdoado.
Afrodite assumiu os negócios da família e o comando da própria vida, separada e feliz. A convivência entre os dois permaneceu, mas nada de "o amor tudo perdoa", como se acreditava antigamente. Novos tempos, novos desfechos.
Vale lembrar que, na mesma trama, o autor inovou ao dar um final solo para a protagonista, Luz (Marina Ruy Barbosa). Depois da morte de Gabriel (Bruno Gagliasso), a ruiva decidiu estudar e focar na carreira. Afinal, um par romântico não é mais indispensável em pleno século 21.