Entrevista!
"Para muita gente, ídolo tem que morrer cedo", desabafa Xuxa sobre os críticos
A eterna Rainha dos Baixinhos conta como o livro “Memórias” funcionou como uma terapia, compartilhando com o público as dores e delícias da vida antes e depois da fama
Senta lá, leitora! Quem identificou a frase, meme nacional criado a partir de uma gravação recuperada dos áureos tempos de programas infantis de auditório, vai entender a senha da apresentadora para mais um direto e franco bate-papo. Assim como Claudia, a menina que ela mandou sentar, o público terá acesso a mais um show de honestidade de Xuxa Meneghel.
Nas 272 páginas de sua autobiografia Memórias, recém-lançada pela Globo Livros e com edição de Guilherme Samora, ela conta sua trajetória.
De quando quase se chamou Morgana Sayonara à chegada ao Rio de Janeiro, do início da carreira ao sucesso sem escalas, chegando aos dias de hoje, em que sua imagem é “praticamente uma bandeira”. Um momento de terapia, como descreve na primeira página.
Nesta nova fase escritora – ela tem mais dois títulos infantis prontos para serem lançados e assina uma coluna em uma revista feminina –, Xuxa descreve o prazer de poder ajudar. Seus livros terão os royalties doados para a Aldeia Nissi, na Angola, e para santuários de animais resgatados de maus-tratos.
Para os fãs que acompanham seu trabalho e suas entrevistas, muito do que está nas páginas de Memórias não é exatamente uma novidade. Bastante já foi dito, postado e até mal-interpretado e alvo de fake news (este talvez seja o trunfo, ler a versão completa nas palavras da própria estrela). Mas o poder de comunicação e encantamento de Xuxa está lá, nos convidando a “ouvir” tudo de novo e rir de seu jeito “ariano”. Veja a seguir a entrevista que ela concedeu por e-mail à Revista Donna.
Como foi o processo do livro?
Então... Foi leve. Como escrevo sempre para minha coluna na Vogue, por tópicos, já tenho assuntos importantes na cabeça e que gosto de abordar. Mas existem coisas que ficariam melhores em um livro. Li o livro da Brigitte Bardot (Lágrimas de Combate) e fiquei encantada. Em um mês, já estava pronto o primeiro esboço do meu. Também foi assim com o livro da Maya e do Betinho (dois infantis que serão lançados neste ano pela Globo Livros), que nasceram primeiro.
Ao finalizar os textos, sentiu que foi mesmo uma sessão de terapia?
Revivi muitas lembranças incríveis, mas foi estranho reviver pessoas me usando, me roubando, mentindo pra mim. Lembrei de muita coisa boa, mas também desta parte, que é feia.
Foi surpreendida por alguma lembrança que estava guardada e, de repente, surgiu?
Ju (o cantor Junno Andrade, seu namorado) me ajudou, dizia: “Conta aquela história". Sasha também falava: “Não se esquece de contar isso da vovó...” Tem até uma parte com fãs argentinos contando um pouco do que viveram comigo. Minha vontade era de ouvir todos os fãs e colocar as histórias deles também, de tão lindas. Quem sabe em um próximo livro?
Como será daqui para frente com as vendas? Já decidiram esta etapa do trabalho?
Trabalho não, prazer, êxtase de poder ajudar a Aldeia Nissi e os Santuários de animais na pandemia. Vi os santuários se desesperando, ouvi o povo da aldeia dizendo que a coisa ia ficar muito difícil. Tenho um pensamento antes de dormir que é pedir a Deus para que possa ajudar as pessoas. Fiquei numa alegria só quando vi a possibilidade de isso acontecer. Sou pura gratidão às pessoas que comprarem o livro. Os livros (os infantis também terão os royalties doados), pois os bichos agradecem e as crianças da aldeia com certeza ficarão mais do que felizes.
Este é o primeiro de uma série de livros que devem vir. Você já tem um cronograma?
Depois do Memórias vão sair os livros da Maya e do Betinho, e, logo depois, da vaquinha Mimi (que aborda de forma lúdica o veganismo) e da Vovó Passarinha.
Você cita no livro toda a preparação para o projeto do Xuxa Só para Baixinhos, os anos de estudos, pesquisas e leituras. Para entrar nesta nova fase dos livros, como se preparou?
No XSPB, me preparei assistindo a mais de 10 mil VHS, foi um belo trabalho de pesquisa. Buscava no mundo todo, pois as pesquisas não eram tão fáceis como hoje. Me preparei ouvindo neurocientistas, educadores, professores, pedagogos. Sempre busquei os melhores profissionais para fazer o cenário, a luz, a edição. Tudo era o que tinha de melhor. Já o livro foi algo mais comigo mesma, abrir a caixinha das minhas experiências.
Você recebeu ataques na época da entrevista ao Fantástico quando relatou os abusos sexuais que sofreu na infância. Como uma mulher que sobreviveu, o que diria para quem ainda tem medo e se cala?
É normal não querer falar. Senti vontade de falar por querer que o mundo fosse melhor para a minha filha, para os meus netos... mas é normal se calar, se sentir culpada. É o que digo sempre: você não está sozinha, infelizmente não é a única, e, mais, você não é a culpada. Como queria ter ouvido isso na infância. O que ouço hoje de coisas ruins vem de cabeças doentes. Quem fala algo desagradável para alguém que sofreu abuso desperta um sentimento ruim, de pena, não só em mim, mas em muitas pessoas. Sinto pena de quem não consegue se colocar no lugar do outro.
O aumento de denúncias após o seu relato comprovam a importância da sua fala. Quais as ações que você ainda está participando no combate ao abuso sexual e à pedofilia?
Sempre empresto minha imagem, meu nome e minha voz para campanhas em que acredito. Participo de muitas. Recentemente ajudei a divulgar a campanha #nãosecale, do instituto Liberta, e sempre reforço a importância do Disque 100, uma iniciativa para as pessoas denunciarem em sigilo total.
Fora a juventude e a inexperiência, você apontaria o bullying e a autoestima em constante montanha-russa para ter vivido relacionamentos hoje considerados abusivos? O que a Xuxa de hoje enxerga daquele momento de vida?Tudo o que vivi me fez ser a pessoa que sou hoje. Acredito que o mais importante sempre foi ter a minha mãe por perto. Mesmo sofrendo o que sofri no trabalho, como modelo e como apresentadora, sabia que tinha um colo cheiroso me esperando a qualquer hora. Sem dúvida, a família, no caso a minha mãe, foi e é muito importante para me sentir bem hoje.
Você conta que foi orientada a não escolher paquitas muito bonitas para não apagar o seu brilho (e agiu fazendo exatamente o contrário). Percebe uma mudança nos últimos anos? Ou a empatia e a sororidade ainda estão muito no discurso?Palavra bonita essa, né? Não gosto de levantar bandeiras, mas acabo sendo quase uma. O machismo e a desvalorização da mulher ganham força quando nossos representantes dizem que tem mulher que não merece nem ser estuprada ou que fraquejou e teve uma menina. Pior que tem baba-ovo que ri disso. Existem pessoas, homens e mulheres, que, ao invés de criticarem essas palavras machistas, dizem que eu não tenho moral para protestar, ao invés de me dizerem: “não se cale”. E assim nosso Brasil se enche de machismo, de homens que se acham no direito de bater em mulheres. Estes só querem agredir física ou verbalmente alguém que eles tenham certeza que não vai responder com o mesmo tipo de violência. São covardes e se acham, mas... um dia a mesa vira e irei aplaudir de pé esta virada.
Sasha já é adulta. Como é ter mais tempo para viver uma vida pessoal plena, sem correria de filhos pequenos e etc?
Ela morou fora por quatro anos e, hoje, na pandemia, está no Brasil. Já está com 22 anos e eu sabia que ia voar muito cedo do ninho. Mas sempre que posso tenho a Luluka, de 16 anos, por perto (filha de Junno Andrade). E quando não as tenho, tenho o Ju para me dar colo e o abraço de família que preciso.
Atriz de filme “polêmico”, acusada por ministro de ser "mãe solteira" e agora cometendo o pecado de envelhecer. O que você acha que atrai tanto as pessoas a destilarem esses comentários?
O fato de estar viva. Acho que para muita gente, ídolo tem que morrer cedo: Marilyn, Michael, Elvis... Não aceitam ver o ídolo engordar, ficar velho. Mas eu não os culpo, também me pego fazendo o mesmo. Isso é do ser humano.
Como pretende dar mais voz ao veganismo? Há algum projeto novo?
Com certeza. Vou dublar um documentário vegano, fiz um livro para crianças sobre o tema, quero participar de projetos sérios para divulgar cada vez mais e, se possível, quem sabe, abrir algo com alguém que acredite que o veganismo é a comida do futuro. Quem sabe encontro alguém que queira uma jovem senhora vegana para dar o coração, a alma e esse corpinho sem colágeno para divulgar mais a comida sem sofrimento, sem morte.
Você sempre foi direta. E credita a esse jeito o sucesso com as crianças, sem ser “tatibitati”. Acha que esse temperamento também ajuda a sobreviver há tantos anos sob os holofotes e o ônus de haters?
Não sei, pois nunca fui de outra maneira. Teria que perguntar para a galera que foi uma personagem. No meu caso, sou eu mesma, ou seja, se não tem verdade, não sou eu.