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Por que rever "O Bem-Amado", novela de 1973 com sátira de problemas ainda atuais
Primeira trama transmitida a cores no Brasil é estrelada por Paulo Gracindo e Lima Duarte
As posturas de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), político que protagoniza O Bem-Amado, poderiam se encaixar perfeitamente em 2021. A novela de 1973, a primeira a cores da TV brasileira, pode ser revista na íntegra a partir desta segunda-feira (15) no Globoplay. O texto é de Dias Gomes, em adaptação de sua peça Odorico, O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte, lançada originalmente em 1962.
Paraguaçu é daqueles personagens que fazem qualquer brasileiro lembrar da política nacional — e, por isso, vale a pena rever no streaming. Candidato a prefeito de Sucupira, ele é adorado por boa parte da população e se baseia no slogan "vote em um homem sério e ganhe um cemitério" para conquistar seus votos.
Após vencer as eleições, Paraguaçu permite o retorno do matador Zeca Diabo (Lima Duarte) à cidade para que ele mate alguém e possa inaugurar o primeiro cemitério. O problema é que Diabo quer, mais do que tudo, tornar-se um homem correto — contrariando os projetos corruptos do novo prefeito. Pensando somente no dinheiro que acumula em seu bolso, Paraguaçu até questiona os efeitos de uma epidemia de tifo que está matando alguns populares em um dos momentos da trama.
— E daí? — desdenha ele, ao saber da informação por meio da imprensa.
Além de questionar a veracidade da imprensa, personificada no jornalista Neco Pedreira (Carlos Eduardo Dolabella), Paraguaçu tem outros opositores à sua administração: a delegada Donana (Zilka Sallaberry), que assume o cargo após seu marido Joca Medrado (Ferreira Leite) ficar paraplégico; o médico Juarez Leão (Jardel Filho) e o dentista Lulu Gouveia (Lutero Luiz). Todos eles têm a função de questionar os investimentos básicos em saúde e segurança, tão necessários à pequena Sucupira.
— O autor, Dias Gomes, era um crítico profundo e inteligente. A novela tinha personagens maravilhosos, tipos profundos, muito bem compostos e o povo se apaixonou — recorda o ator Lima Duarte, que fez sua estreia em novelas da Globo interpretando Zeca Diabo.
Censura
A história de O Bem-Amado é reconhecida, até hoje, como uma crítica ao regime militar. Ao satirizar o esquema de uma pequena cidade administrada por um coronel, a trama de Dias Gomes foi alvo de censura em diversas partes.
Em julho de 1973, seis meses depois da estreia na Globo, a novela teve a palavra "coronel" censurada do roteiro. A preocupação dos militares era que o cargo estaria sendo usado para descrever um coronel militar, enquanto Dias Gomes defendia que eram os coronéis do sertão baiano — até mesmo porque Sucupira era uma cidade fictícia. A palavra, por fim, acabou cortada em diversos capítulos.
A equipe de produção teve outras palavras censuradas ao longo dos 178 capítulos, como "capitão", "ódio" e "vingança". Mesmo recorrendo, os censores não aceitaram as reclamações e os áudios de vários capítulos precisaram ser apagados.