Capítulos decisivos
"Amor de Mãe": retrato da pandemia na reta final reforça a realidade da trama
Novela mostra dramas da vida cotidiana e se torna registro de tempos difíceis no país
Na última segunda-feira, o espectador do Jornal Nacional viu o balanço de mais um dia de pandemia de coronavírus no Brasil. Logo na sequência, Amor de Mãe começou o seu capítulo com os filhos de Lurdes (Regina Casé) tentando não acreditar que a diarista morreu, e Sandro (Humberto Carrão) querendo invadir a UTI para ver a mulher Betina (Isis Valverde), internada por conta da covid-19.
No lugar de uma trama fantasiosa, como a reprise de A Força do Querer, que ocupou a faixa das nove anteriormente, o brasileiro tem visto semelhanças entre a mesma tragédia da realidade e o folhetim ficcional escrito por Manuela Dias. Para esta fase final, a autora reescreveu os capítulos e incluiu a pandemia nas cenas, com personagens vestindo máscaras e lidando com o combate ao vírus.
— A história já retratava uma realidade com trevas (busca por filho desaparecido, crimes ambientais), e agora foi uma mera e infeliz coincidência de ter o Brasil neste momento tão difícil da doença. Amor de Mãe retrata esse mundo cão, cheio de mortes e assassinatos, em uma tentativa de mudar o padrão de telenovela que todos conhecíamos — define Claudino Mayer, especialista em teledramaturgia e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.
A adição da pandemia no roteiro é vista de forma positiva por especialistas. Assim como Mayer, o pesquisador e doutor em teledramaturgia pela PUC-Rio Valmir Moratelli acredita que a novela, por ser uma releitura da realidade, ajuda a frisar o discurso de que é preciso combater a doença ao lado da ciência e seguindo protocolos sanitários. Os dois pesquisadores identificam que o sofrimento de Betina, que retomou seu trabalho como enfermeira, e a internação de personagens como Nuno (Rodolfo Vaz) servem para enaltecer o trabalho de médicos e enfermeiros.
— A novela traz um discurso de realidade necessário e sensato de defesa da ciência. Mesmo em tom ficcional, a trama mostra a importância de discursos de autoridades que realmente combateram a pandemia, e aí temos a Betina simbolizando essa luta — reflete Moratelli.
Cadê a Lurdes?
O sequestro de Lurdes deixou o espectador ainda mais apreensivo. Entre o capítulo de sexta-feira (26), e o final da última segunda (29), a personagem de Regina Casé apareceu apenas uma vez em cena, no seu cativeiro. Ao mesmo tempo, os filhos choraram a suposta morte dela, em plano tramado por Thelma (Adriana Esteves). Para Mayer, este sofrimento de Lurdes vai ao encontro da imagem de proteção da figura materna:
— O único amor presente é o dos filhos chorando por ela, está faltando romance ali na história como um todo. Com o sumiço da Lurdes, a imagem da mãe forte desapareceu, e a gente sente isso com intensidade, porque lembra cada uma de nossas mães.
Com a pandemia e as medidas de distanciamento social passando de um ano e sem data para uma retomada da normalidade, muitos espectadores aguardam um final feliz ao menos para Lurdes. Moratelli acredita que esta acaba sendo uma dose de esperança no meio do caos. Apesar dos capítulos já terem sido gravados, Mayer torce para que ela retorne com ainda mais força.
— A Lurdes tem que voltar a aparecer mais e ser explorada na narrativa. Apesar da Thelma estar sendo vilã, ela tem muitas pontas soltas e precisa de alguém lutando contra. A Lurdes alimenta a imagem divina de mãe, aquele conceito que não se mexe em dramaturgia nenhuma — completa Mayer.
Mesmo sentindo falta do glamour e da fantasia, tão bem-vindos em novelas, o retrato fiel do país representado por Amor de Mãe lembra outro marco da dramaturgia, segundo Moratelli: o sucesso Avenida Brasil, de 2012.
— Amor de Mãe não é um conto de fadas, nunca foi, já que ela bebe o tempo todo da realidade e traz isso para a ficção, como fez com a ocupação das escolas na primeira fase. Daqui uns anos, vamos rever a novela e reconhecer como um registro importante desse tempo tão difícil. É um marco na televisão brasileira — finaliza Moratelli.