De volta ao Estado
Thiago Lacerda grava filme no Lami e em São José dos Ausentes; assista a vídeo dos bastidores
Produção gaúcha que deve estrear em festivais no ano que vem, "Coexistência" mistura drama, fantasia e thriller
Depois de cinco diárias em São Jose dos Ausentes, a produção de Coexistência foi para Porto Alegre filmar as nove faltantes. E o local escolhido para isso nem parece que está dentro da Capital. A quase uma hora de carro do Centro, a casa, no meio de uma zona rural, no Lami, foi encontrada pela equipe do filme em um site de hospedagem, quase sem querer. E serviu perfeitamente para a proposta de isolamento que o longa quer passar.
Quase sem querer também foi como Thiago Lacerda chegou ao projeto. Enquanto o diretor Thiago Wodarski e o produtor Lucas Cassales conversavam sobre quem seria o ator que eles gostariam que interpretasse o único papel que ainda não estava fechado – o do doutor Fernando, figura central da história –, o cineasta disse na hora o nome do ator, meio que de brincadeira. O que era sério, porém, era que ele enxergava que o artista se encaixava como uma luva no personagem.
E assim como a locação principal do filme foi encontrada pela internet, os dois decidiram, quase no modo "a tenteada é livre", mandar uma mensagem para o artista em suas redes sociais. Para a felicidade da dupla, Lacerda se encantou pelo roteiro e topou participar do projeto. Assim, mais uma vez, o ator carioca – que muita gente jura que é gaúcho, por sua proximidade com o Estado – pegou as suas coisas e veio novamente filmar no Sul.
— Eu tenho muito orgulho dessa relação que foi construída com as minhas vindas, as amizades, o respeito, o carinho, o acolhimento mútuo. Porque não foi só eu que me interessei pelo Rio Grande do Sul, o Rio Grande do Sul também se interessou por mim. E depois do Garibaldi e do capitão Rodrigo, era meio inevitável que as pessoas se identificassem — afirma o ator.
Escrito durante a pandemia por Wodarski e por Priscilla Konat Zorzi, o longa Coexistência, que está sendo produzido apenas com recursos privados, trata da história de duas irmãs, vividas por Maria Galant e Martha Brito, que retornam para a casa da infância delas depois de anos. Nesta volta, elas encontram a mãe morta e decidem enterrá-la nos arredores da propriedade, conforme era o seu desejo. A partir disso, um evento fantástico se inicia, e elas passam a reviver experiências do passado, nas quais o misterioso personagem de Lacerda se destaca.
Assista a vídeo dos bastidores (o texto continua na sequência):
Magia
O Lami e São José dos Ausentes, apesar de parecerem distantes geograficamente, serão o mesmo lugar em Coexistência. Com recursos insuficientes para manter a equipe no município que integra os Campos de Cima da Serra por todo o período das filmagens, que era a ideia original, o diretor vai contar com a equipe de montagem para conseguir unir as duas locações e transformá-las em apenas uma, trazendo os bosques e as florestas para a Capital. Ou vice-versa. Mas sempre mantendo a atmosfera fantástica.
Durante uma diária que ocorreu das 18h às 8h, acompanhada pela reportagem de GZH, os membros da produção capricharam nos recursos, que foram instalados rapidamente, mas com muito cuidado. Luzes foram milimetricamente posicionadas fora da residência para criar uma iluminação digna da mais clara das luas cheias dentro do local, onde Thiago Lacerda contracenava no meio de uma sala levemente enfumaçada, criando um ar fantasmagórico. Muito cinematográfico. As suas falas, claro, serão conhecidas apenas quando o longa estrear – nos festivais, isso deve ocorrer no ano que vem. Para o grande público, o lançamento deve se dar em 2024.
Coexistência será um filme de gênero, mesclando drama, fantasia e thriller. Apesar de não ser comum este tipo de empreitada no país, muito menos no Rio Grande do Sul, o diretor Thiago Wodarski não tem medo de encarar o desafio de filmar um longa que tende a ser um ponto de fora da curva.
— É o que eu gosto. Não optei por isso. Se eu decidi fazer cinema, foi para fazer o cinema em que eu acredito. Acho que o cinema de horror, no mundo, está vivendo uma era de ouro, com o Jordan Peele, o Ari Aster e o Robert Eggers. E espero que isso se transmita para o cinema nacional. Coexistência bebe um pouco desse tipo de cinema. E eu acho que é uma questão de tempo para a gente começar a acertar e ter uma indústria boa de filme de gênero por aqui — diz.
Lacerda também acredita na visão de Wodarski e, inclusive, foi esta sensação de estar contribuindo para impulsionar algo diferente e "corajoso" que atraiu o ator:
— Me encantou essa ideia de fazer um roteiro que não fosse óbvio, que não é exatamente padrão do cinema brasileiro. E eu acho que todo movimento corajoso merece apoio.
Pelo cinema
Wodarski, que é formado em Administração, até chegou a atuar no ramo, mas a sua paixão, de fato, era o cinema. Tanto é que, dos seus 35 anos de idade, há nove ele se dedica a escrever roteiros. Já emplacou um longa e uma série, mas a sua estreia na direção está ocorrendo neste momento, enquanto trabalha em Coexistência. E, apesar de já começar dirigindo um ator de renome nacional e crianças, ele, que transparece uma tranquilidade ímpar, consegue emanar essa energia para o seu set, que funciona sem estresse. Talvez seja pela devoção à causa.
— Acho que ninguém conseguiu prosperar muito nesses últimos anos, mas acho que é uma questão passageira. É questão de resistir. Mas a gente segue pelo amor, né? É pelo amor. Não tem muito argumento para dar — enfatiza o cineasta. — Esse foi um dos setores mais afetados, talvez o mais, não somente pelo fator da pandemia, já que o cinema é uma área em que não tem como deixar as pessoas isoladas, elas têm que estar próximas, mas também pelo descrédito, não só do governo, mas da população, que começou a ver os artistas quase como inimigos. Uma coisa muito estranha.
Lacerda, ao aceitar integrar o elenco do filme, fez isso também pensando em alavancar o setor:
— Temos essa necessidade de resistir à censura, à repressão, ao autoritarismo, à violência, à ignorância, à estupidez, ao genocídio. E resistir de cena. Resistir realizando. Então, eu me senti não só interessado no roteiro e no convite, mas também me senti convocado pela minha profissão para voltar a trabalhar, tentar encontrar uma maneira de fazer isso. Acho que neste momento é muito importante a gente estar junto, de mãos dadas, contando história.