Marcou época
Mais de 30 anos depois, remake de "Pantanal" estreia com história atualizada
Trama foi adaptada por Bruno Luperi, neto de Benedito Ruy Barbosa
Desde que os primeiros burburinhos sobre uma nova versão de Pantanal começaram a pipocar, a nação noveleira ficou em polvorosa. Clássico dos anos 1990, o folhetim é marcante até mesmo para quem sequer o assistiu — afinal, entre os mais jovens, raro é aquele que nunca escutou um "Pantanal é que era novela boa". Já quem acompanhou a primeira versão precisou controlar a ansiedade por assistir à trama repaginada. Ela acaba hoje, com a estreia do remake na RBS TV, logo após o Jornal Nacional.
Pantanal fez história na televisão. E não foi à toa. Escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Jayme Monjardim, a novela inovou ao fazer da natureza um personagem tão ou mais importante do que os vividos pelo elenco, apostou em jovens atores ao lado de velhos conhecidos do público, fugiu do urbano para mergulhar nas profundezas de um Brasil pouco explorado na dramaturgia, abandonou a fórmula de um enredo centrado apenas nos protagonistas — todos os núcleos têm tramas individuais tão interessantes quanto —, introduziu com naturalidade cenas de nudez e, é claro, usou e abusou da música para ajudar a fisgar o espectador.
Toda essa receita de sucesso, garante o autor Bruno Luperi, neto de Benedito, estará presente na nova versão. O desafio para ele não foi reescrever a história, mas adaptá-la para o Brasil de 30 anos depois.
— Sei que não estou criando a história, mas, sim, trazendo para um novo contexto. A novela inteira está pronta, tivemos a oportunidade de fazê-la como uma obra fechada — avalia o autor, revelando que recebeu o aval do avô. — Ele me deu a bênção dele, é um grande desafio. A novela foi um divisor de águas da carreira dele. Tudo tem sido feito com muito respeito, ele me deu total confiança. Ele vai fazer 91 anos, está lúcido e tem muito zelo por essa novela. Tenho intimidade com a obra e acho que isso o deixa mais tranquilo.
Se para Luperi a responsabilidade foi grande, para o elenco, também. Reviver alguns dos personagens mais emblemáticos da dramaturgia brasileira, dando seu toque pessoal ao mesmo tempo em que respeitando as características já construídas, traz um peso difícil de carregar, mas também prazeroso.
É o sentimento de Alanis Guillen e Jesuíta Barbosa, intérpretes do casal de protagonistas Juma e Jove, vividos anteriormente por Cristiana Oliveira e Marcos Winter. Os dois sabem que as comparações com a trama original serão inevitáveis, mas, contam, têm encarado de peito aberto o desafio de construírem suas próprias versões para os personagens.
— Tínhamos referências do que deveria ser a Juma, essa coisa clássica de ser uma onça, e o Jove, mais delicado. Acho que eu e Alanis nos encontramos em sala de ensaio uma ou duas vezes e a gente realmente se propôs a criar alguma coisa, quisemos entender o outro a partir de uma energia mais elevada — relembra Jesuíta.
— Eu não era nascida na época (da primeira versão), não fazia ideia do que foi esta novela. Foi inevitável revisitar e entender. É uma novela diferente, em uma época diferente, um Brasil diferente. Não se manter apegado ao que foi é a melhor maneira de encontrar na gente como contar esta história. Focar no aqui e agora, nestes novos corpos — pontua a nova Juma Marruá. — Aos poucos esta personagem veio ao meu corpo, à minha voz, aos meus gestos.
Divisão
Assim como a original, a nova trama também está dividida em duas fases. A primeira acompanha o nascimento do casal de protagonistas, que se dá no mesmo período, com enredo mais focado nos progenitores: o peão José Leôncio (Renato Goés/Marcos Palmeira) e a patricinha da cidade grande Madeleine (Bruna Linzmeyer/Karine Telles), pais de Jove — que é criado longe do pai pantaneiro —, e os retirantes Maria Marruá (Juliana Paes) e Gil (Enrique Diaz), pais de Juma.
Já a segunda fase se dá cerca de 20 anos mais tarde. É quando o filho de José Leôncio decide ir atrás do pai no Pantanal e acaba conhecendo Juma — e encantando-se pela jovem "faca na bota" da qual todos na região sentem medo. Conforme Jesuíta, a própria relação dele com Alanis, em cena, foi se construindo de forma semelhante a de Jove com a amada:
— Só muito depois entendi a melhor forma de encontro dos dois (Jove e Juma), porque a Alanis também tem uma coisa particular dela, que é uma intensidade muito silenciosa. Só depois entendi que essa ideia do bicho, desse predador, desse ser instintivo, é muito mais sobre o que ela (Juma) não mostrava de primeira. Hoje, talvez, entenda que a paixão do Jove é muito mais por aquilo que não é entendido de primeira.
Enquanto entender Pantanal foi desafio para alguns, para outros foi questão de rememorar. Marcos Palmeira, que vive José Leôncio no remake, já havia atuado na trama original como Tadeu. O personagem é filho bastardo de Leôncio, papel que ele vive agora, com Filó (Letícia Salles/Dira Paes), e nesta versão será interpretado por José Loreto.
Já na trama original, o pantaneiro era vivido por Claudio Marzo. Palmeira pôde ver de perto a construção do personagem original, assim como tem acompanhado a nova versão daquele que outrora foi seu. Mas, garante o veterano, eles serão todos diferentes:
— Por mais que dedique (o personagem) ao Claudio Marzo, o meu José Leôncio não tem ligação nenhuma com o José do Claudio. Assim como o Tadeu do José Loreto não tem nenhuma relação com o meu Tadeu. A relação com o Loreto é de liberdade total.
Marzo, aliás, viveu outros dois papéis concomitantemente na novela: Joventino, o pai de José Leôncio, agora interpretado por Irandhir Santos, e o Velho do Rio, vivido no remake por Osmar Prado. A versão atual optou por não repetir o feito.
— Na época, Claudio Marzo assumiu os três papéis por obra do acaso, tiveram problema com um dos atores. Depois, estudando, vi que não havia essa necessidade no texto. O texto não pedia um ator defendendo três personagens. O trabalho que o Claudio Marzo fez é brutal — explica o autor.
O que não deve mudar, porém, são as grandes missões da novela: alertar para a necessidade de preservação natureza — diante de um bioma pantaneiro muito mais devastado que há 30 anos — e, ao mesmo tempo, narrar a história de um romance improvável, genuíno e intenso.
Como adianta o slogan da novela, o público deve entender a cada capítulo que "a maior força da natureza é o amor".