Crimes e castigos
"Um Lugar ao Sol": Confira o que deu certo e o que poderia ter sido melhor na trama
Novela de Lícia Manzo chega ao fim nesta sexta-feira
Último capítulo de novela é o momento em que torcemos para o final feliz do protagonista. Porém, não é o que acontece com Christian (Cauã Reymond) de Um Lugar ao Sol. É difícil torcer para o farsante, tamanha bola de neve que se formou com suas mentiras, enganações e trapaças. Lícia Manzo construiu um anti-herói pendendo mais para a vilania do que para a bondade, a ponto de torcermos não por uma redenção, mas pelo castigo que está reservado a ele nos minutos finais da trama. A controvérsia é tanta que vários finais foram gravados, e neste último capítulo, tudo pode acontecer.
Sem termos como prever o destino dos principais personagens, resta um balanço do que funcionou – ou não – na novela.
BRILHANTE COMO O SOL
/// Cauã Reymond foi muito bem como os gêmeos Christian e Renato – principalmente nas poucas interações entre os dois no início da trama – mas o grande herói da história foi Ravi. Aos 24 anos, Juan Paiva mostrou seu talento nas sutilezas do personagem, que teve uma trajetória típica de mocinho do horário nobre, com altos e baixos, dilemas amorosos e muito sofrimento. Muito mais do que o "grilo falante" de Christian, Ravi era o ponto de equilíbrio de um protagonista dúbio e incoerente. Não duvido que o rapaz tenha o final feliz que seria reservado a Chris, com direito ao amor de Lara (Andréia Horta). Ele sim, merece!
/// Lícia Manzo molda suas personagens femininas com perfeição, criando assim uma gama de mulheres fortes e apaixonantes. Até mesmo aquelas que poderiam ser consideradas vilãs, como Bárbara (Alinne Moraes), têm suas fragilidades e um carisma ímpar. São humanas, passíveis de erros e tropeços, mas é fácil se identificar um pouco com cada uma delas.
/// Um Lugar ao Sol trouxe de volta artistas que faziam falta na telinha. Foi um bálsamo rever em cena as incríveis Regina Braga (Ana Virgínia), Natália Lage (Gabriela), Inez Viana (Avany) e Denise Fraga (Júlia). Outra cereja do bolo foi Débora Duarte, como Eva, mãe de Rebeca, que emocionou em poucas cenas e quase nenhuma fala.
/// Importantes discussões foram levantadas durante a trama. Uma das personagens mais complexas e envolta em dilemas foi Rebeca (Andréa Beltrão), às voltas com um casamento falido, o medo de envelhecer, a carreira em declínio, a atração por um rapaz bem mais jovem, entre outros conflitos. Rebeca levou ao divã e às casas de milhões de brasileiros questões pertinentes, que rondam o universo de todas nós.
FICARAM NA SOMBRA
/// A autora prometeu muito, mas entregou menos do que o público esperava. Não por conta do texto, sempre ótimo, mas a trama foi prejudicada por alguns motivos. Primeiro, por ter sido totalmente gravada durante a pandemia, sem chance de se reverter o que não ia bem, como costuma acontecer com a chamada "obra aberta". Além disso, com o surto de covid-19 nos bastidores de Pantanal, sua antecessora precisou ser esticada em duas semanas. Assim, a famosa “barriga” (período em que quase nada acontece) acabou aparecendo. É uma pena que o ritmo eletrizante, quase em formato de série, das primeiras semanas, não tenha sido mantido.
/// Se as personagens femininas foram um show à parte, o mesmo não se pode dizer dos homens da novela. Lícia costuma criar tipos masculinos imaturos, machistas e abusivos, e a trama atual não fugiu à regra. A não ser Ravi, poucos homens se salvaram, e muitos já tiveram seus merecidos castigos, como Túlio (Daniel Dantas) e Roney (Danilo Grangheia). Outros, ao que parecem, evoluíram um pouco, como Breno (Marco Ricca). Resta saber se Christian aprenderá alguma coisa após alguns anos na prisão (spoiler, mas nem tão surpreendente).
/// Com tantas abordagens polêmicas ao mesmo tempo, é natural que algumas coisas tenham ficado pelo caminho. Um bom (ou mau, no caso) exemplo foi a violência doméstica vivenciada por Stephany (Renata Gaspar). O caráter duvidoso da manicure fez com que a morte trágica tenha parecido mais um castigo do que um crime hediondo.
A síndrome de down, com as questões de Mel (Samanta Quadrado), teve pouco destaque. A independência da menina foi sutilmente abordada, mas merecia espaço e discussões mais profundas.
/// Um personagem merece ser destacado: a fofoca. Nenhum segredo se mantinha por mais de um capítulo, principalmente na família de Santiago (José de Abreu). Ao abusar desse recurso repetitivamente, Lícia Manzo perdeu a chance de aprofundar mais alguns conflitos, como, por exemplo, a gordofobia envolvendo Nicole (Ana Baird).