De todas as querências
Contatos, localização e clima: por que Goiânia virou o lar de artistas gaúchos do sertanejo?
A indústria do gênero musical na capital de Goiás, que começou a tomar forma entre o final dos anos 1980 e o início dos 1990, hoje conta com um ecossistema criativo completo
Com uma população estimada em 1,4 milhão de pessoas, segundo dados de 2022 do IBGE, Goiânia concentra artistas, compositores, eventos, produtoras e empresários do ramo sertanejo, gênero que domina os streamings do Brasil. Tanto que, em 2022, a prefeitura sancionou um projeto de lei que atribui à cidade o título de "Capital Nacional do Sertanejo".
Seja para fixar residência, seja para ao menos gravar um disco, a cidade tem recebido artistas sertanejos do Rio Grande do Sul desde a década de 2010: Mali, Jennifer Scheffer, Deise Veiga, a dupla Eder & Emerson, Gabriel (da dupla João Bosco & Gabriel), Matheus Comassetto (da dupla Bison & Comassetto), entre outros. Nomes como Sandro & Cícero, Roger & Gustavo e Bibiana Bolacell também já produziram registros na cidade.
Essa indústria começou a tomar forma entre o final dos anos 1980 e o começo dos 1990, como aponta o jornalista André Piunti, autor do livro Bem Sertanejo: A História da Música que Conquistou o Brasil (editora Planeta). Ele observa que, nesse período, começaram a despontar as megaduplas de Goiás, como Chrystian & Ralf, Leandro & Leonardo e Zezé Di Camargo & Luciano, que elevaram o status da cidade com o gênero.
Piunti acrescenta que outros nomes de peso surgiram em Goiás nas décadas posteriores e estabeleceram a importância da capital, como Bruno & Marrone, Jorge & Mateus, Marília Mendonça e até o mineiro Gusttavo Lima, que foi crescer artisticamente em Goiânia. Para o jornalista, por lá se concentra todo tipo de profissional da música sertaneja: produtor musical, cantor, dupla, empresário, aspirante a empresário, editora de música, grupo de composição, compositor famoso, compositor iniciante etc.
— Você tem ali tudo que precisa para entender como funciona o negócio. É muito difícil ser de uma cidade que não é sertaneja, que não tem uma cena pelo menos nos bares, e virar alguém — explica Piunti. — Goiânia é como se fosse um intensivo, um curso de especialização.
A música certa
A comunicadora do Grupo RBS e da TV Anhanguera (afiliada da TV Globo) Mari Araújo corrobora. Ela, que vive em Goiânia desde o ano passado, ressalta que os artistas que ainda buscam projeção nacional querem ir para lá para ter a experiência de gravar com um produtor que tenha feito trabalhos para esses grandes nomes.
Outro ponto levantado por Mari é o networking: em Goiânia, quem quer trabalhar com sertanejo pode estabelecer contato com pessoas que são da área, como produtores musicais que fizeram parte de projetos importantes. Ela frisa que por lá há compositores em abundância, que são são respeitados no meio, criando músicas que logo viram hits na boca do povo.
— Muitos artistas que estão começando esperam encontrar a música certa para ter dentro de seu projeto e conseguir realizar esse sonho. Para se ter acesso à música certa, é importante ter contato com essas pessoas, e isso funciona muito bem aqui com o olho no olho. Não é no online, é vir aqui, sentir as pessoas se conhecerem — sublinha Mari.
Régua mais alta
Eduardo Henrique Vargas Valim concorda. Natural de Arroio do Sal, ele se projetou ao formar uma dupla sertaneja com o irmão — Edu & Renan. Aos 33 anos, ele vive em Goiânia desde 2022, focado na composição. Já trabalhou em canções como Com ou Sem Mim e Anti-Amor, de Gustavo Mioto; Inevitavelmente, de Daniel; e Se o Amor Tiver Lugar, de Jorge & Mateus.
Para Edu, a capital é o Vale do Silício da música sertaneja. Além da já mencionada frente artística, o que faz com que os autores queiram ficar perto dos artistas, ele cita a localização da capital, próxima ao Nordeste e ao Sudeste — e, especialmente, a facilidade para a produção de eventos.
— É muito previsível realizar evento em Goiânia, pois você sabe que não vai chover, e as pessoas gostam de sair à noite. Aqui tem shows lotados no final de mês em uma terça-feira — destaca Edu.
Quanto ao mercado de composição, ele pondera que o ritmo é frenético em Goiânia: a régua é mais alta. É difícil um novo autor conseguir se infiltrar sem ter um talento muito acima da média. Mas há também outro fator, como salienta Edu:
— Já vi muitos autores talentosos chegarem aqui e não conseguirem (se firmar). Acho que até tem a ver com carisma mesmo. Todo o meio artístico aqui é todo voltado para a resenha, a alegria, a colaboração. Ou ele chega junto ou fica deslocado mesmo. Tem que respirar esse ar e viver a cultura daqui para entrar nesse meio.