Estrelas da Periferia
Artista de Eldorado do Sul transforma suas dores em combustível para criar
Dafonte teve a casa afetada pela enchente, mas nem por isso deixou de produzir
“Parece uma novela mexicana”. É assim que Luiz Henrique Rodrigues dos Santos, o Dafonte, define sua vida. Aos 31 anos, ele conta que sua carreira na música começou há cerca de cinco anos, mas foi ainda criança, quando ganhou um gravador cassete de mão da irmã, que deu os primeiros passos no que hoje é uma carreira promissora.
– Foi onde eu senti o primeiro estalo criativo. Foi um negócio simples, mas que já começou a mudar para mim a realidade, naquele momento ali – diz.
A irmã, Liliane, faleceu há 10 anos, uma das grandes perdas na vida do artista. Pouco depois, perdeu o primo Christian, também músico, que sofreu um acidente de skate ao descer uma ladeira em Gramado. Dafonte decidiu que a dor não o paralisaria, pelo contrário, seria um impulso para a criação:
– Comecei a transformar toda a dor que eu tinha em combustível para criar. Escrevia sem parar, jogava tudo no papel, letra, poema, música. Era a única forma que eu tinha de lidar com aquilo que estava acontecendo.
Trabalhando como motoboy, ele juntou dinheiro para construir seu próprio estúdio. Comprou equipamentos e aparelhou o local que considera um refúgio, onde transforma as lembranças e dores em música. Foi ali que produziu trabalhos de artistas como Manu Itha DNC e Max Nobre Guerreiro, fortalecendo a cena do hip hop gaúcho. É complicado alternar a carreira de rapper e produtor musical, relata:
– Não é fácil, mas pelo amor à música, a situação se torna um pouco mais agradável. Eu penso que se o Eminem, o Dr. Dre, os caras da gringa lá conseguem, eu também consigo. Se a pessoa arremangar as mangas e botar amor no que está fazendo, não tem por que não conseguir.
Enchente
Em maio de 2024, mais perdas se somaram às dores do artista. Morador de Eldorado do Sul, cidade mais afetada pela enchente que assolou o Estado, Luiz viu tudo ser levado pela força das águas. Da casa, só sobrou o teto.
– Quando vi a água saindo no bueiro, eu já vi que o rio ia vir para dentro. Passou da altura da janela, quase bateu no teto na minha casa. Eu também ajudei o SOS Sans Souci, onde vinham doações do jogador Marcelo Moreno. Dei uma força, ajudei a levar as coisas e tudo o mais. Foi triste o negócio – relata.
Dafonte conta que, passados oito meses da tragédia, conseguiu recuperar algumas coisas, mas ainda falta muito. No entanto, ele se mantém firme diante das dificuldades:
– Apesar da gente perder tudo, o que importa é que a gente tenha a nossa vida. Tem força para poder buscar, poder correr atrás de novo. Acho que isso aí é o principal.
As adversidades viraram música nas mãos do artista. Como sempre fez com suas dores e perdas, Dafonte transformou a tragédia em poesia. O EP O Brilho que Engana, lançado no primeiro dia do ano, é definido por ele como “um testemunho de fé, força e determinação, mostrando que a arte pode ser um farol em tempos difíceis”.
– É uma obra que reflete os contrastes intensos da nossa vida, do cotidiano real. A luta pela sobrevivência em meio às adversidades, as ilusões que ofuscam a realidade. Tudo isso inspirado na minha correria em cima da moto. É um símbolo da busca incessante por sustento e propósito também. É o dia a dia real da gente – explica o rapper, que completa:
– Acho que meu EP se torna um retrato cru e emocional da resiliência diante da perda. O “brilho” simboliza tudo aquilo que parece grandioso e valioso, mas que não resiste às águas que a gente enfrentou, as águas da realidade.
O projeto foi finalizado enquanto Luiz Henrique tentava reconstruir sua vida destruída pela enchente, e isso tornou tudo ainda mais desafiador. Tentar esquecer os traumas e focar no trabalho foi complicado, desabafa ele, contando o que ajudou a seguir adiante com seu propósito:
– Foi o foco, foco no objetivo, em passar uma mensagem verdadeira e, ao mesmo tempo, um som atual e real do que acontece foi o que me moveu.
Planos
Em clima de recomeço, Dafonte está cheio de planos para 2025. Além de projetos de fomentar a cultura hip hop em Eldorado do Sul, pretende lançar alguns clipes e colorir a cidade com grafites, uma forma de manter a cultura viva depois de tantas perdas.
O artista considera a cultura hip hop em expansão no Rio Grande do Sul, mas acredita que ainda falta um pouco de união para que o movimento se consolide.
– É por isso que eu resolvi botar a cara, para mostrar que a união faz a força – destaca Dafonte, que tem sonhos ainda mais ousados:
– Meu objetivo é fazer o Estado ser referência do rap nacional. Eu quero que nos vejam com respeito e estima maior.