Bate-papo
No ar em "Volta por Cima", Jacqueline Sato fala sobre raízes no RS: "Falava que eu era gaúcha de coração"
Atriz tem familiares em Porto Alegre e sempre que possível, vem visitar
A história de Yuki é uma das mais complexas de Volta por Cima, e ganhou destaque nos últimos capítulos da trama de Claudia Souto. A personagem vivida por Jacqueline Sato tenta se livrar de um relacionamento abusivo com Gerson Barros (Enrique Diaz), que chegou a mantê-la em cárcere privado. Em bate-papo com Retratos da Fama, a atriz celebra a representatividade asiática na novela, comenta os dramas de sua personagem e revela sua forte ligação com o Rio Grande do Sul.
Volta por Cima traz uma representatividade asiática poucas vezes vista na TV. Inclusive, já tivemos uma cena explicando as diferenças entre descendentes de japoneses, chineses e coreanos. Para você, qual é a importância disso na teledramaturgia?
É a primeira vez na história das novelas brasileiras em que há uma concentração de tantos talentos com diferentes ascendências asiáticas, tendo suas identidades valorizadas, e cada um com sua narrativa de forma tão boa dentro da trama. Isso não tinha acontecido antes. É um orgulho e uma conquista para essas comunidades e seus descendentes isso que está acontecendo em Volta por Cima! Ter eu, de ascendência japonesa, o Chao Chen (Alberto), de ascendência chinesa, e Allan Jeon (Jin), Gabi Yoon (Min-Ji) e Sharon Cho (Seo Hana) de ascendência coreana, todos numa mesma novela, e cada um com sua história independente, interessante, não estereotipada, é um marco. Eu amei que teve aquela cena, bem didática mesmo (risos). Porque, infelizmente, ainda tem muita gente que não compreende e respeita as diferenças. Ainda há muita gente que segue nos lendo como estrangeiros, mesmo que muitos de nós tenhamos nascido no Brasil, como é o nosso caso. Ainda há muito o que se ampliar na conscientização a respeito desses recortes da diáspora e seus descendentes. Tem muita gente que ainda mistura tudo, afirma que é a mesma coisa, e perpetua preconceitos. É importante demais que não só nossos corpos estejam presentes em cena, como também que essas cenas corroborem para a construção de uma imagem mais real, respeitosa, e que leve em conta nossas individualidades, repovoando o imaginário coletivo, que foi por tanto tempo alimentado com referências e personagens estereotipados, com novos personagens e histórias que nos representem da forma como a gente merece, e que gerem identificação de verdade com milhões de brasileiros. Isso colabora para a desconstrução de muitos preconceitos.
Ainda sobre representatividade, as meninas que assistem a produções audiovisuais têm várias atrizes em quem se inspirar, como você, Danni Suzuki, Ana Hikari. Para você, como foi crescer sem essa referência?
Ahhh... Eu me emociono só de pensar que essa realidade de hoje já é infinitamente melhor do que a realidade na qual eu cresci. Saber que eu faço parte dessa transformação enche meu coração de esperança e mais gana ainda de seguir em frente, pois, apesar dessa melhora, ainda tem muito mais que ser feito. Sinto que estamos num momento de abertura para o reconhecimento genuíno dessa falta, e o quanto ela está ligada a preconceitos. É impressionante perceber o quanto ainda tem muita gente recém abrindo os olhos para isso. Ouvi muitas vezes: "Nossa, verdade. Quase não tem, né? Nunca tinha parado para pensar nisso". E muita gente me pergunta o porquê. Aí vou elencando todos os fatores que eu acredito, e que daria pra escrever um livro (risos). Acho que é um momento em que não só nós estamos falando cada vez mais sobre o tema, como também muitas pessoas estão abertas a escutar. E escutar de verdade. Para mim, o melhor caminho para mudanças dessa magnitude está ligado a muita conversa e empatia. Coisa que não havia na minha época. Nem referências e nem diálogo sobre o tema; seja em casa, na rua, muito menos na mídia. Esse assunto circulando em todas essas esferas tem um poder enorme de transformação positiva. Para muitos de nós, essa falta de referência, essa construção confusa de uma identidade que era imersa numa sensação de não pertencimento, os preconceitos e piadas que vinham a qualquer momento, e a baixa autoestima que era alimentada por fatores como esses, foi vivido de forma muito solitária. Eu mesma demorei para começar a conversar sobre isso com amigas, e descobri que muitas delas também tinham vivências e dores parecidas, mas que nunca tinham se aberto com ninguém a respeito disso, por acharem que era uma experiência individual. Mas não, ela é coletiva, e quando é coletiva ganha uma dimensão ainda maior. Fica escancarado o quanto o problema está instaurado na sociedade. O programa que criei, Mulheres Asiáticas (disponível na Universal+), traz muitos desses relatos e fez muita gente chorar na frente e atrás das câmeras (as lideranças criativas eram ocupadas por mulheres de ascendência asiática). Para muitas que participaram, era a primeira vez em que se abriam a respeito, ou que constataram que o que uma convidada estava relatando era muito similar a algo que ela própria tinha vivido. São conversas que ficaram estancadas por muito tempo. Eu mesma divido algumas situações minhas, e o fato de ter crescido sem referências fez com que o sonho de ser atriz, que é por si só algo difícil, parecesse ser impossível. Então, ter produtos em que nossos corpos e essas discussões passem a ser cada vez mais presentes, e que de alguma forma fomentem que o diálogo se expanda para fora das telas também, é maravilhoso. Nesse sentido, eu acredito que a presença de artistas como nós, de produtos como a nossa novela e programas como o que mencionei têm criado um solo mais fértil para que as gerações mais novas cresçam com referências e uma relação mais saudável e amorosa com a sua identidade. E que quem não pertence a esse recorte, também, desenvolva um olhar mais sensível, respeitoso e amoroso.
Yuki começou com pouco espaço, mas foi crescendo com a revelação do passado com Gerson Barros. Você já sabia que sua personagem teria essa importância na trama ou foi surpreendida?
Sabia que ela se desenvolveria e teria esse passado terrível ligado a um ex-namorado contraventor e abusivo, mas não sabia detalhes. Mesmo sabendo que em algum momento trataríamos disso na trama, a forma como as cenas foram construídas foi me surpreendendo a cada entrega de capítulo. Tem muita coisa da relação desses dois que fica nas entrelinhas, e isso é muito interessante. Saber que conseguimos reverberar essa confusão interna que acontece no íntimo deles, fazendo a audiência ficar em dúvida do que a Yuki sente por ele, foi um êxito. Pois dentro de relações como essas existe mesmo essa enorme confusão e dependência emocional, até que se quebre o ciclo do abuso. E, posteriormente, ainda há um enorme processo até se curar de algo tão grave como é ter amado alguém abusivo. Agradeço imensamente à Claudia Souto (autora) e toda sua equipe de roteiro e pesquisa, por construírem algo tão interessante e com esse papel social tão relevante, posto que, infelizmente, milhares de mulheres vivem ou viveram situações análogas; ao André Câmara e equipe de direção por tanta sensibilidade e respeito nos ensaios e gravações; e aos meus queridos colegas Enrique Diaz (Gerson), José de Abreu (Rodolfo) e Guilherme Weber (Marco), por toda a troca e generosidade em cena.
Ao interpretar uma vítima de relacionamento abusivo, você deve ter recebido vários relatos de outras mulheres que passaram por isso. Como tem sido o retorno do público?
Nossa, recebi sim. Teve muita gente que relembrou de um passado tão difícil como o da Yuki. Muitas que se identificaram, tanto com a dor, quanto com a força delas e da Yuki. Enquanto atriz, fiquei feliz em saber que consegui trazer com verdade essa realidade que é presente na vida de tantas mulheres, e ler delas próprias que, em muitos momentos, elas sentiam exatamente como a Yuki. Por outro lado, é terrível saber que os números de casos assim são altíssimos, que ainda tem muita gente que não consegue sair do ciclo do abuso, e que há pessoas que banalizam ou fazem vista grossa diante de situações tão graves como essas.
Em quem você se inspirou para dar vida ao drama de Yuki? Já teve um relacionamento parecido ou teve alguém próximo que tenha passado por isso?
Não, nunca vivi nada parecido. Busquei referências na realidade, em matérias, documentários, e em filmes. Fui entender um pouco mais da Síndrome de Estocolmo (estado psicológico em que a vítima de um crime se relaciona com o agressor de forma afetiva) também. E depois fui buscar dentro de mim os caminhos de trazer isso tudo para o meu corpo para viver essa circunstância imaginária da forma mais real o possível.
Depois de tudo o que enfrentou e vem enfrentando, sua personagem merece ser feliz no amor. Tem algum spoiler para nos dar sobre isso?
Ah, eu concordo que a Yuki merece muito ser feliz também no amor! Poxa vida, uma mulher tão incrível como ela. Obviamente, para ela, amar de novo não será algo tão fácil assim. Quem já sofreu a dor de um coração partido sabe o quão difícil é, depois do trauma, abrir o coração verdadeiramente para alguém de novo. E no caso dela, mais ainda. Mas a novela se chama Volta Por Cima, então acho que ela vai dar a volta por cima, sim, e viver um grande amor. Mas é apenas uma torcida; não tenho nada concreto, nem spoiler. Espero, em breve, ter!
Você tem familiares em Porto Alegre, né? Como é sua relação com o Rio Grande do Sul?
Tenho sim. A família por parte de mãe é toda de lá. Convivi com bisavós, avós, tias e primos. Visitava sempre nas férias. Ia muito para o sítio dos meus bisavós e avós que fica próximo a Montenegro e para a Ilha da Pintada, onde mora uma das minhas tias. Muitos passeios pelo Guaíba. Amo demais o Sul. Quando pequena falava que eu era gaúcha de coração. Lembro que eu voltava das férias com sotaque forte do Sul, e até hoje misturo umas palavras e expressões de lá. E hoje em dia, continuo indo sempre que tenho uma brecha. Fui agora no início do ano, foi uma delícia.