Literalmente
Após ter casa atingida pela enchente, autora de Canoas lança livro infantil: "Perdi tudo"
Taís Fagundes acaba de publicar "Papel Amassado", com ilustrações que homenageiam a cultura gaúcha


Como falar com as crianças a respeito de perdas, pertencimento e sentimentos que nem nós, adultos, compreendemos? Taís Fagundes faz isso de forma lúdica e delicada em Papel Amassado (Labrador, R$ 36,84), livro infantil que emociona a todas as idades. A própria autora teve seu momento desafiador no ano passado, quando estava finalizando a obra. Moradora de Canoas, teve sua casa submersa por três semanas. Em entrevista, ela fala sobre isso e sobre seu processo de criação.
O livro pode ser importante para ajudar as crianças a lidarem com as adversidades. Como tu achas que os pequenos perceberão a obra?
As crianças têm olhos de perceber, como diria minha protagonista Albinha. Elas enxergam os detalhes, as sutilezas. O texto tem metáforas da vida e pode ser trabalhado com todas as idades. Com menores de seis anos, é indicada uma mediação e contação adaptada. E a partir dessa idade, quando a visão de "eu no mundo" começa a tomar mais forma, a experiência fica ainda melhor. Inclusive, o livro deixa um exercício de sete afetos no final. Para fazer o leitor resgatar sua cultura e entender mais sobre o que passa ao redor.
Papel Amassado foi produzido em um período complicado para ti e para nosso Estado. De que forma a enchente influenciou no teu trabalho?
O livro estava em edição quando eu perdi tudo e tive que esperar mais de 70 dias para retornar para casa. O texto permaneceu igual. As mudanças foram nas ilustrações. Foram incluídas referências diretas do estado do Rio Grande do Sul. A cuia de chimarrão, o vaso de barro, a gaita, o bastidor com a costura e o livro. Bem como, o quadro das cachorrinhas na parede. Elas são de uma história real. Uma delas ficou três semanas no forro da casa do meu pai aguardando resgate e a encontramos com vida. Já a outra, infelizmente, não. Ela se foi e nós tivemos que lidar com a sua perda. Porém, eu fiz uma escolha: a de honrá-la pelos seus 10 anos junto de nossa família. Inclusive, ela acompanha Albinha no meu segundo livro, Bergamota, a ser lançado em maio de 2025, cuja narrativa costura a enchente e a decisão por um novo começo.
Achas mais difícil escrever para o público infantil?
Não. É natural. Lembro de quando eu era menina e ficava conhecendo mundos distintos aos meus por meio da literatura. Ao me conectar com minha essência, consigo resgatar essa memória e projetar narrativas que conversem com as crianças. Também sou formada como professora de Educação Infantil e séries iniciais, o que contribui como mais uma base para a mensagem ser assertiva.
Como funciona teu processo criativo? Tens a ideia pronta ao começar a escrever ou a história vai se desenhando naturalmente?
As ideias vão surgindo em diversos momentos. Eu as anoto e incluo na minha lista de repertório. Vou processando as palavras e ajustando o texto. Com o passar dos dias, se refinam. Isso acontece na maior parte do tempo, pois tudo que absorvo vira arte na minha cabeça.