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Arte inclusiva e acessível

Festival Palco Giratório Sesc chega à 19ª edição com foco na acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência

Pensados para todos, os espetáculos contam com audiodescrição, intérprete de Libras

23/05/2025 - 16h54min

Atualizada em: 23/05/2025 - 16h55min


Michele Vaz Pradella
Michele Vaz Pradella
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Ana Viana/Divulgação
Em "CorpoMundo", maior parte do elenco é de pessoas com deficiência

Além dos direitos básicos como saúde e educação, a cultura também deve estar ao alcance de todos. Nos últimos anos, é cada vez maior a preocupação em tornar a arte acessível e democrática como deve ser. Não à toa, o Festival Palco Giratório Sesc, em Porto Alegre, chega a sua 19ª edição com um olhar sensível à diversidade e à acessibilidade. 

– Mais do que assistir a um espetáculo, queremos que todas as pessoas possam vivenciar a arte. A acessibilidade está no centro desta edição porque acreditamos que a cultura deve ser um direito de todos – destaca a coordenadora de Artes Cênicas, Visuais e de Arte Educação do Sesc/RS e curadora do Circuito Nacional do Palco Giratório, Jane Schoninger, que ressalta a importância de pensar a inclusão desde a escolha dos espaços onde os espetáculos serão apresentados:

– Todos os espetáculos estão em ambientes que possibilitam o acesso também de pessoas com mobilidade reduzida ou cadeirantes. Há o compromisso e um olhar atento neste processo, que seguirá se aperfeiçoando nas próximas edições. 

Pela primeira vez, o evento terá visitas táteis aos espetáculos com audiodescrição. É a chance para que pessoas com deficiência visual ou baixa visão explorem cenários e figurinos por meio do tato, com o apoio de profissionais especializados. Os grupos terão a chance de acessar os espaços culturais uma hora antes de cada apresentação, sem necessidade de agendamento prévio.

– As visitas táteis passam a somar com a presença de Libras e da audiodescrição em um passo importante para tornar o Festival cada vez mais inclusivo e sensível às diferentes formas de percepção do mundo – completa Jane.

Pessoas com deficiência auditiva também poderão ter a experiência completa em 13 espetáculos, já que as apresentações também contarão com tradução simultânea em Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Entre eles, está a peça Ao vivo [dentro da cabeça de alguém], com Renata Sorrah. Na encenação, inspirada na clássica peça A Gaivota, de Anton Tchékhov, a atriz contracena com Rodrigo Bolzan, Rafael Bacelar, Cássia Damasceno e Bianca Manicongo.

Adriana Marchiori/Divulgação
Intérpretes de Libras estarão em 13 espetáculos


Diversidade no palco

Um Festival Palco Giratório inovador, feito para pessoas com deficiência e por pessoas com deficiência. A inclusão é um dos grandes destaques, com a presença de PCDs em alguns espetáculos.

Villa Real/Divulgação
Victor Di Marco é criador e ator de "Azul Marítimo"

Azul Marítimo transforma o palco em um espaço plural e acessível. Criado e estrelado por Victor Di Marco, ator com paralisia cerebral, o solo autoral enfoca os medos e fascínio do artista pelo mar. As ondas se mesclam com tropeços, tremores e desequilíbrios, em uma narrativa que desafia a rigidez e celebra o delírio.

– O Azul Marítimo surgiu a partir de uma vontade e uma pesquisa minha de entender como que o meu corpo funcionaria em cena no teatro. A gente propõe uma dramaturgia em que as ondas involuntárias do mar se colidem com os movimentos involuntários do meu corpo – relata o artista, que acredita que a arte deveria ser um ambiente mais acolhedor mas, na prática, não é isso que acontece: 

– Ainda que tenha melhorado nos últimos anos, foi muito pouco. Acho que a questão de diversidade de inclusão na cultura, ela não existe um ponto de chegada. Existe um caminho que a gente está indo. Nunca vai estar cem por centro, porque sempre vai ter algum corpo e alguma pessoa chegando, e esse sistema tem que se atualizar. Isso talvez seja o mais bonito e desafiador da vida como um todo: de sempre ter que ficar se atualizando para a gente se entender, e entender e se aprimorar no outro também.

Beto Raskin/Divulgação
"CorpoMundo" tem atores com e sem deficiência dividindo o palco

Em CorpoMundo, a diversidade é celebrada por meio da dança-teatro, em uma montagem criada por artistas com e sem deficiência. A dramaturgia visual e sensorial parte da pergunta “O que pode um corpo?” e se constrói com coreografias de Bianca Bueno, direção de Paula Carvalho, uso expressivo da Língua Brasileira de Sinais, projeções e trilha sonora. A obra propõe uma poética da criação a partir do encontro entre diferenças, destacando a beleza e a potência transformadora da convivência com a pluralidade dos corpos.

Beto Raskin/Divulgação
Em um elenco de 20 pessoas, 14 são artistas com deficiência

Pedro De Camillis, produtor do espetáculo CorpoMundo, salienta que desenvolver as habilidades dos artistas com deficiência é o mais importante:

– Procuramos descobrir e estimular as habilidades das pessoas antes de compreender diagnósticos. A identificação da deficiência vem a serviço de podermos oferecer suporte ou recurso específico a alguma pessoa. Os artistas da Fábrica de Sonhos, em sua maioria, são pessoas com alguma deficiência intelectual, estão no espectro autista ou têm trissomia do cromossomo 21 (síndrome de down).

Pedro conta que no grupo Fábrica de Sonhos, 14 dos 20 artistas têm algum tipo de deficiência. Ele explica que o grande prazer, e também o maior desafio, é criar soluções e metodologias de ensaio pertinentes aos artistas com deficiência, garantindo acesso à fruição e criação artísticas, sempre mantendo o comprometimento profissional:

– Compreendemos como um dos principais desafios ampliar o debate sobre acessibilidade e inclusão nos centros culturais, nas salas de ensaio e nos teatros por onde circulamos. É possível perceber que, ao longo da trajetória da Fábrica de Sonhos, os lugares vêm criando políticas e medidas para se tornarem mais acessíveis.

É inegável que a arte pode servir como ferramenta de inclusão e diversidade. Se, no dia a dia, as pessoas com deficiência esbarram em transtornos arquitetônicos, dilemas sociais e preconceitos, perceber o palco como um espaço inclusivo e diverso é um respiro de esperança.

– A arte não é apenas o que se vê. É, também, o que se sente. O toque, as texturas, os sons e os cheiros compõem experiências que podem, e devem, estar ao alcance de todos – finaliza Jane Schoninger.


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