Entrevista
"Servir de inspiração já é o suficiente": Clara Moneke fala sobre representatividade no mundo artístico, família e sua nova personagem
Artista, que está no ar com sua primeira protagonista, Leona, em "Dona de Mim", vive o teatro desde criança
Do teatro comunitário para os holofotes da Globo! Clara Moneke é aquele tipo de artista que conquista logo de cara – seja pelo talento, pela simpatia ou pelo jeito firme de falar sobre o que acredita. Muitos conheceram a atriz em Vai na Fé, sucesso de 2023, em que ela deu vida à carismática Kate, personagem que caiu nas graças do público e virou referência de representatividade. Mas a caminhada começou bem antes disso. Ainda menina, aos sete anos, a atriz entrou para uma oficina de teatro em uma lona cultural na zona oeste do Rio de Janeiro, incentivada pela mãe e por um amigo da família. A partir dali, nunca mais parou.
Hoje, protagonizando a novela das sete, Dona de Mim – que estreou na última segunda-feira (28) –, Clara vive um momento de virada. E mesmo com a fama em alta e os seguidores bombando nas redes sociais, ela segue com os pés no chão, valorizando suas raízes, sua ancestralidade e tudo o que construiu até aqui.
Em entrevista ao Diário Gaúcho, Clara fala sobre sua trajetória, a viagem marcante que fez à Nigéria com a família e a importância de inspirar outras meninas negras a acreditarem nos próprios sonhos.
Confira a entrevista com Clara Moneke
Como foi o processo para você se tornar atriz? O que te motivou a começar nesse mundo artístico?
O processo para me tornar atriz foi muito orgânico. Eu nunca tinha pensado sobre o que eu queria ser da vida. Tinha sete anos de idade, fui ver uma peça de teatro com a minha mãe, eu morava em Campo Grande, e ali eu me apaixonei pelo teatro, me apaixonei por aquela arte e já saí do teatro matriculada. Já tinha aula de teatro lá na Lona Cultural em Campo Grande, a Lona Cultural Elza Osborne, que é ativa até hoje. E ali eu comecei minha aula de teatro aos sete anos. Fiquei até praticamente os 17 anos. O que me motivou nesse mundo foi minha mãe mesmo, minha família. Eurípedes era o nome desse amigo da minha mãe (que também a incentivou), e até hoje a gente se fala. Enfim, o início da história foi mais ou menos esse.
Na novela Vai na Fé, vimos a sua personagem Kate conquistar o público com seu jeito único. Qual a importância desse papel para a sua carreira e como foi a construção para essa personagem?
A Kate vai estar para sempre na minha vida, eu sou muito grata por essa personagem, por essa novela. Não só pelo que ela foi para mim, mas pelo que ela representou para milhares de brasileiros e brasileiras.
Foi uma novela onde, por muito tempo, o brasileiro conseguiu se enxergar numa totalidade, sem estereótipos. Para a população negra também foi um grande marco de ver a sua ancestralidade, sua fé de todos os modos, tanto a cristã quanto a afro-brasileira, os nossos cabelos, os nossos assuntos e a nossa forma de falar e de dançar. Então foi um marco, eu acho, para a televisão brasileira.
Para minha carreira, um marco também. Foi minha primeira novela, meu primeiro sucesso, meu primeiro reconhecimento. Tenho muito orgulho de ter essa personagem na minha carreira, de ser o pontapé inicial e de ter sido tão grandiosa. A construção foi feita de uma forma muito orgânica, porque eu me identifico muito com a personagem. Era uma novela que conversava muito com a minha vida, com a minha família, com os meus amigos. Então, foi uma construção muito de dentro para fora, mas também de fora para dentro, trazendo referências de tudo que eu já tinha vivido e de tudo que eu via ao meu redor. Era uma novela muito realista, então o mundo me trazia base para a construção. Todas as jovens, todas as histórias que eu vivi, todas as histórias das minhas amigas, serviam de construção para a Kate. E ainda assim, com um texto tão bom da Rosane e de todos os nossos colaboradores. Durante a novela, muita coisa foi sendo descoberta, então foi um processo muito bonito.
O que podemos esperar, agora, da personagem Leona, em Dona de Mim?
Leona é uma mulher muito à frente do tempo dela. Ela é uma ex-estudante de Publicidade que carrega muitos traumas, mas tem uma força imensa para seguir em frente e acredita muito no seu potencial. A Leona é o retrato do brasileiro, com todos os erros, acertos e essa vontade de mudar o mundo. Aos 30 anos, ela quer transformar a realidade ao seu redor e acredita que pode fazer isso. As pessoas vão se identificar com a sua batalha, sua inteligência, seu sonho e, principalmente, com sua visão de um mundo melhor.
Acompanhando pelas redes sociais, vemos o quão vaidosa e estilosa você é. Para você, quais são as semelhanças entre Clara e Leona?
Muito obrigada. Vaidosa, estilosa, sou mesmo! (risos) Eu gosto muito de moda, de expressão. Eu acho que a moda é expressão, é como eu vejo o mundo, como o mundo me vê, então, tudo isso permeia a sua roupa e a sua imagem. Eu tento muito passar isso no que eu visto e na forma como eu me comunico, e a Leona é essa pessoa também. Ela é uma mulher inteligente, como eu já disse, ex-estudante de Publicidade, e não essa publicidade que a gente está acostumada, monótona e pautada em padrões. Assim como eu, a Leona é uma mulher que pensa fora dos padrões, então, eu acho que vai colocar muito a sociedade para pensar mesmo, e para rir e para chorar.
Qual foi o papel mais desafiador até agora para você? Como você lida com essa situação?
Todos os papéis, para mim, são desafiadores. Vestir a pele de um personagem, de uma pessoa que é tão real, é sempre um desafio. Todos os personagens que eu fiz na minha vida até agora são muito reais, são pessoas que eu poderia conhecer, que poderiam ser eu. Para mim, todas as personagens que eu fiz são desafiadoras porque estão à margem da verdade com a arte, com a dramaturgia, com a ficção. Agora, fazer a Leona está sendo muito desafiador por ser minha primeira protagonista. É uma personagem grande, com volume de texto, de trabalho, de enredo.
Para mim é muito desafiador lidar com a realidade, lidar com a verdade. Acho que fazer super-heróis, ficção científica, talvez seja diferente, mas fazer novela, fazer séries que lidam com a realidade, com a minha realidade, com a realidade do Brasil, é muito desafiador e eu adoro. Eu adoro porque acredito que o poder da arte é transformador, acredito que a vida imita a arte. Então, poder mostrar um mundo onde, apesar das dores, a gente ainda consegue vencer é muito gostoso. Eu adoro essa loucura desafiadora que é o meu trabalho.
Como você lida atualmente com a exposição na internet e toda essa “fama” que existe no mundo artístico?
Eu lido com a fama na internet, essa exposição toda, de uma forma que seja sempre positiva para mim. Sou muito feliz com a minha vida, com o meu trabalho, com a minha família, com o meu relacionamento. Tudo isso é real para mim. Na internet, tudo que me traz benefícios é real para mim, até as críticas. Eu lido muito bem com críticas. Quando são construtivas, eu adoro ler e trazer para mim, para melhorar. Até porque são críticas que normalmente eu também tenho sobre mim. Então, não tenho problema nenhum com críticas na internet. Mas esses haters e fake news que as pessoas montam para falar mal de você, criar algum enredo, eu realmente não ligo porque para mim isso não é real. Todas as pessoas que estão na internet tentando fazer o mal, tentando propagar o ódio em relação à minha vida, não são reais. Então, realmente não tem importância.
Acho muito perigoso quando a internet toma um poder de conseguir, como já aconteceu muitas vezes, mudar o curso da nossa sociedade, da nossa política, de atingir verdadeiramente alguém ou alguma situação. A internet infelizmente tem esse poder, e isso é muito preocupante. Eu não sou influencer, não sou criadora de conteúdo, sou uma pessoa influente que está na internet e consigo, graças a Deus, trabalhar e ter uma fonte de renda também com marcas e publicidade. Mas enquanto atriz, para mim, é só sobre estar perto do público que gosta de mim e que me acompanha. Todo o resto que vem negativamente tentando depreciar ou criar um enredo que não é verdadeiro sobre a minha vida, eu entendo que não é real e eu só ignoro. Acho que é o que nós, atores, deveríamos conseguir fazer mais, ter um discernimento de que nem tudo que está na internet é real. As pessoas que falam mal da gente não estão na rua falando da gente. Todas as vezes que eu saio na rua, as pessoas falam bem de mim. Se eu termino uma cena e o diretor gosta, isso para mim é real.
Ano passado, você foi para a Nigéria, onde pôde ter contato com a cultura nigeriana, por meio da cidadania por parte de seu pai. Como foi esse processo para você e o que sentiu no momento que visitou o país?
Eu fui para a Nigéria para comemorar os 20 anos da morte do meu avô. A gente teve uma festa lá. É muito comum comemorar aniversários de morte para celebrar a vida da pessoa, o que a pessoa foi em vida. Meu avô era um homem de muitas posses, muito conhecido, que ajudava muitas pessoas. Então, ir à África para essa celebração foi ter a certeza da minha ancestralidade, do meu caminho, de que quem veio antes de mim é tão grandioso. E então, ter a certeza de que o meu futuro também é grandioso. Conhecer de onde você veio, saber de onde você veio, traz um aporte tanto físico quanto mental, espiritual, de reafirmação do que você é. Foi mais do que uma viagem, foi uma missão espiritual poder levar meu pai e viver tudo aquilo, apesar de todos os perrengues.
Eu estou escrevendo um documentário sobre essa viagem. Fui com uma amiga minha, diretora de cinema, Ju Almeida, para ela conseguir registrar tudo. Eu pude me preocupar somente em viver aquilo sem ter que registrar tudo. E a Ju estava nesse papel de ser os olhos dessa viagem. Eu quero contar para as pessoas muito mais sobre o que foi esse encontro, o que foi estar na África. Realmente foi um encontro. Foram 20 anos também que meu pai não ia à Nigéria. A última vez foi para o enterro do meu avô em 2004. Então, poder ir, levar meu irmão e meu pai, e a gente poder viver isso enquanto família, juntos, é uma experiência que eu nunca vou esquecer. Realmente inesquecível.
Atualmente, vemos que cada vez mais a presença de atrizes negras está crescendo em novelas. Como você se sente sabendo que se tornou uma inspiração para os novos talentos que estão surgindo?
Servir de inspiração para mim é a certeza de que faço parte de uma construção que vem sendo pavimentada muito antes de mim, por diversas atrizes, atores e artistas negros, que vêm tentando incessantemente um espaço de valor e reconhecimento. Finalmente, agora, aos poucos, estamos conseguindo alcançar esse lugar de reconhecimento. Não acredito que estamos no final da linha. Acho que não é o final da batalha, ainda temos muito o que ganhar, muito o que melhorar, muito o que aprender. Todo esse espaço que estamos tendo mostra o nosso talento e que já deveríamos estar ocupando esse lugar há muito tempo.
Realmente, ser inspiração é a certeza de um progresso. Pessoas vão vir depois de mim com muito mais força também, conseguindo construir essa ponte para um ideal que temos enquanto arte, enquanto mundo. Acho que temos que estar sempre atentos a contar nossas histórias e contar outras histórias também, que não são vistas. Tenho muita vontade de ver uma protagonista negra rica, por exemplo. Tenho muita vontade de ver um protagonista negro que vive dentro de um cenário empresarial onde ele é muito rico e a família também é muito rica. E ele ser negro não seja uma questão, seja só uma família rica e o protagonista negro. Acho que estamos em um lugar muito bonito, tenho muito orgulho e tenho certeza que ainda temos muito a avançar e que vamos avançar cada vez mais. Servir de inspiração é a certeza de que não é o fim. Não quero ser a melhor nem a maior. Só quero poder servir de inspiração, já é o suficiente para mim. Tenho certeza de que isso está acontecendo e é uma das coisas mais lindas na minha carreira, poder servir de força para os que estão chegando.
Produção: Ana Júlia Santos