Viralizou nas redes
Xuxa alimenta morcegos em casa: especialista explica se prática é segura e quais cuidados tomar
Apresentadora instalou bebedouros com água e açúcar no jardim; biólogo tira dúvidas sobre o comportamento dos animais

Um vídeo em que a apresentadora Xuxa Meneghel, 62 anos, aparece cercada por morcegos, enquanto instala bebedouros com água e açúcar no jardim de casa, causou surpresa — e dúvidas — nas redes sociais. Especialista nessa ordem de mamíferos explica que, embora não tenha o hábito de atacar humanos, a prática de alimentá-los deve ser feita com cautela.
Compartilhado pelo marido, o cantor Junno Andrade, a cena mostra os animais sobrevoando a apresentadora e se aproximando da varanda da casa, ao anoitecer.
— Olha os amigos da minha mulher! De noite é essa festa aqui. Xu Batgirl. Eles já conhecem o cheiro da Xu — comenta Junno, em tom de brincadeira.
A espécie que aparece no vídeo é a Glossophaga soricina, conhecida como morcego-beija-flor. Enquanto alguns elogiaram o gesto e o contato com os bichos, outros levantaram preocupações sobre a segurança de alimentar os mamíferos. Veja o vídeo abaixo.
Morcegos não atacam humanos e evitam o contato
Apesar do imaginário popular, os morcegos que habitam centros urbanos, em sua maioria, não representam risco à população.
Segundo o biólogo e quiropterólogo Izidoro do Amaral, doutor especializado em morcegos, o medo generalizado é fruto de desinformação:
— Existem no mundo mais de 1,4 mil espécies de morcegos. Destas, apenas três se alimentam de sangue, e só uma busca sangue de mamíferos. Essa exceção faz com que todas as outras tenham uma fama injusta. A grande maioria das espécies se alimenta de insetos, néctar, pólen ou frutos, como o morcego beija-flor — explica.
O biólogo destaca que esses animais possuem um sistema de orientação por eco (semelhante a um radar), que os permite desviar com precisão de obstáculos e evitar qualquer colisão com humanos:
— Eles não atacam. Um morcego só morde uma pessoa se for manipulado com a mão. Os acidentes, em mais de 90% dos casos, envolvem pessoas que tentaram pegar o animal — afirma.
É seguro alimentar morcegos com água e açúcar?
A prática de oferecer água adoçada, como fez Xuxa, é comum e pode até auxiliar algumas espécies em ambientes urbanos, mas exige cuidados específicos para não provocar problemas.
— Essa água pode fermentar com o calor, com a saliva dos animais ou a ação de insetos. Isso pode causar mal tanto para os beija-flores quanto para os morcegos — alerta Izidoro.
O ideal é usar açúcar cristal, que é menos processado, e higienizar o bebedouro com sabão neutro a cada dois ou três dias, especialmente no verão. Segundo ele, existem até lavouras que usam bebedouros como estratégia ecológica.
— Muitos produtores de pitaia fazem isso: deixam bebedouros com água adoçada próximos à plantação para manter os morcegos por perto, porque são eles que fazem a polinização noturna das flores — conta. Mesmo assim, ele ressalta que a "prática doméstica" deve ser sempre cautelosa.
Como agir ao encontrar morcegos em casa ou no quintal

Ao contrário do que muitos imaginam, a presença de morcegos no perímetro urbano é comum e, geralmente, benéfica.
Espécies que vivem em telhados e forros de casas, por exemplo, se alimentam de insetos, ajudando a controlar pragas urbanas como mosquitos — inclusive o Aedes aegypti, transmissor da dengue e outras doenças.
Porém, em caso de encontro com o animal, a recomendação é observar e não intervir:
— Se o morcego estiver voando dentro de casa, apague as luzes, feche as portas internas e abra as janelas. Ele vai sair sozinho. Se estiver pendurado num muro ou numa árvore, não se deve mexer. Deixe que ele saia por conta própria ao anoitecer — orienta.
E se o morcego estiver caído ou apresentar comportamento estranho?
— Aí, sim, é um sinal de alerta. Nesses casos, o ideal é acionar a Vigilância Sanitária do município (veja abaixo as principais recomendações). Nunca toque diretamente. Se for absolutamente necessário remover o animal, apenas com luvas grossas, como luvas de ferreiro — afirma o especialista.
Todo morcego transmite raiva?
Nem todo morcego está contaminado com o vírus da raiva — e, geralmente, o animal evita o contato com humanos. A transmissão só ocorre quando há mordida, arranhão ou contato direto da saliva de um morcego infectado com mucosas, ou feridas abertas.
— A mordida só acontece se o animal se sentir ameaçado — explica o biólogo.
Em caso de acidente, a orientação é procurar uma unidade de saúde para avaliação médica imediata. Quando indicado, o atendimento pode incluir aplicação da vacina antirrábica e, em casos específicos, o soro.
O mesmo cuidado se aplica aos animais de estimação. Cães e gatos podem ser contaminados ao morder ou brincar com morcegos caídos, especialmente se o animal estiver doente.
Por isso, manter a vacinação antirrábica dos pets em dia é uma medida fundamental de prevenção.
— O problema acontece quando morcegos caem no chão, e cães e gatos brincam ou mordem esses animais. É assim que podem contrair a raiva. Mas isso também vale para ratos, gambás e qualquer mamífero silvestre — alerta Amaral.
Como diferenciar as espécies de morcegos?
Nem todos os morcegos são iguais — e saber identificar as diferenças pode ajudar a lidar com situações de forma mais segura.
No Rio Grande do Sul, existem ao menos cinco famílias de espécies. Dentro delas, é possível encontrar morcegos com os mais variados hábitos de alimentação: insetívoros, frugívoros, nectarívoros, onívoros, piscívoros e hematófagos.
— Os morcegos que vivem em forros de casas e telhados geralmente são insetívoros, pequenos, com cerca de 10 a 12 cm e um rabinho fino, como o de rato. Eles são importantes no controle de pragas — explica.
Outras espécies possuem uma membrana parecida com uma folha na ponta do nariz. São os chamados filostomídeos, como é o caso do morcego beija-flor.
— Entre eles, estão também os hematófagos, os que se alimentam de sangue, são maiores, sem cauda e com focinho achatado, parecido com o de um porco. Mas mesmo eles evitam ao máximo o contato com pessoas. Preferem animais de grande porte, como bois e cavalos, em áreas rurais — complementa o biólogo.
Animal tem papel vital na natureza
Além de alguns serem polinizadores, morcegos urbanos também ajudam no controle de pragas agrícolas e urbanas. Isso por que eles se alimentam de insetos nocivos e auxiliam na dispersão de sementes.
A espécie mostrada no vídeo de Xuxa, por exemplo, tem papel na polinização de frutos como banana, mamão e pitaia.
— A natureza depende desses bichos. E eles são protegidos por lei. É crime matar, perseguir ou perturbar morcegos, assim como acontece com capivaras e outras espécies silvestres — diz Izidoro.
Vale ressaltar ainda que morcegos são espécies nativas e não podem ser mortos ou feridos, conforme determina a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).
Por fim, o biólogo também alerta para o viés sensacionalista que costuma envolver o tema:
— O medo das pessoas vem da infância, de filmes, de lendas. A verdade é que os morcegos prestam serviços ambientais valiosos, tanto na agricultura quanto na saúde pública. Por isso, precisamos aprender a conviver com eles — conclui.
Como identificar os cinco grupos principais de morcegos no RS
Molossídeos
- Pequenos (até 12 cm), pelagem acinzentada;
- Cauda fina semelhante à de rato;
- Vivem em forros e telhados;
- Alimentam-se de insetos urbanos (ex: mosquitos).
Filostomídeos
- Têm uma "folha" ou membrana no nariz;
- Alimentam-se de néctar, pólen, frutas e pequenos animais;
- Importantes polinizadores de plantas como pitaia, mamão e banana.
Vespertilionídeos
- Pequenos, com asas largas;
- Cauda envolvida por membrana;
- Voo lembra o de borboleta;
- Também se alimentam de insetos.
Hematófagos
- Tamanho maior, focinho achatado semelhante ao de porco;
- Sem cauda visível;
- Alimentam-se de sangue;
- Preferem animais grandes (bois, cavalos) em áreas rurais;
- Raramente vistos em ambientes urbanos.
Piscívoros (morcegos-pescadores)
- Grandes, com pelagem ruiva;
- Têm garras alongadas nos pés traseiros;
- Caçam peixes ao sobrevoar rios e lagos;
- Encontrados em áreas tropicais
O que fazer em caso de morcegos em casa ou na rua em Porto Alegre
- A presença de morcegos na cidade é comum nos meses mais quentes, já que eles buscam alimentos como insetos e mariposas na zona urbana;
- A transmissão ocorre somente em caso de mordida, arranhão ou lambedura por animal infectado;
- Ao encontrar morcegos em casa, a orientação é aguardar que os animais saiam por conta própria. Depois disso, recomenda-se fazer a limpeza do local com aspirador de pó ou água sanitária para remover as fezes;
- Após a limpeza, vedar frestas e possíveis acessos é essencial. Se necessário, um biólogo especializado pode orientar o manejo correto, respeitando a legislação ambiental;
- Em casos anormais — como morcego vivo ou morto caído no chão, pendurado em janelas ou cortinas — não se deve tocar no animal. A recomendação é ligar para o 156 ou para o setor de Antroponooses da Vigilância em Saúde, no telefone (51) 3289-2450 (também com WhatsApp);
- Quem sofrer acidentes com morcegos deve procurar uma das 134 unidades de saúde de Porto Alegre para avaliação médica. Se indicado, o atendimento pode incluir aplicação de vacina e/ou soro antirrábico.
*Produção: Murilo Rodrigues