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Ela não para

Zezé Motta: "Que a nova geração não se esqueça da luta antirracista que enfrentamos no passado e honre as oportunidades"

Em entrevista a Zero Hora, a atriz fala sobre novos trabalhos e o que a mantém incansável diante da vida e da arte

17/07/2025 - 15h33min


Lou Cardoso
Lou Cardoso
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Gabriel Carvalho/Divulgação
Atualmente em turnê pelo Brasil com um monólogo, Zezé também filmou diversos projetos audiovisuais este ano.

Quando você menos espera, ela aparece: seja atuando, cantando ou estrelando uma campanha publicitária. Zezé Motta não para. Com 81 anos recém-completados, a atriz e cantora segue em plena atividade, envolvida em diversos projetos artísticos no auge das suas seis décadas de carreira, celebradas neste ano.

Para marcar a data, a carioca decidiu retornar aos palcos com Vou Fazer de Mim um Mundo, seu primeiro monólogo, baseado na autobiografia da escritora estadunidense Maya Angelou (1928–2014), Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola (1969). A peça está em turnê pelo Brasil, mas ainda sem previsão de passar por Porto Alegre.

— Primeiro eu relutei, pois estava há muito tempo sem fazer teatro, e comprometer minha agenda por meses com um projeto novo me assustou. A peça trata de temas fortes, como abusos, e fiquei preocupada se daria conta. Mas agora está sendo maravilhoso ver o resultado com o público — afirma.

Mas não para por aí. Só em 2025, Zezé fez parte do elenco de quatro filmes: Por um Fio, baseado no livro de Drauzio Varella; Dolores; Somos Tereza e Mãe Bonifácia. Ainda se prepara para filmar Liberdade, ao lado de Humberto Martins e Letícia Sabatella. 

Está no ar na terceira temporada da série Arcanjo Renegado e no especial Tributo, dedicado à sua trajetória, ambos disponíveis no Globoplay. Além disso, acaba de gravar Americana para o Star+, do grupo Disney+, como uma das protagonistas.

Ainda neste mês, Zezé apresenta, pelo quinto ano consecutivo, o especial Mulher Negra – programa do canal E! que mistura música e bate-papo – em celebração ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, comemorado em 25 de julho. 

Mesmo não estando diretamente envolvida, um filme sobre a vida de Zezé está atualmente em produção no Rio de Janeiro. A direção é de Mariana Jaspe, com quem a atriz trabalhou anteriormente no premiado curta Deixa (2023).  

Tudo é político, e é importante usar nossa voz para contribuir com questões importantes

ZEZÉ MOTTA

Atriz e cantora

Se você achou pouco, espere: Zezé ainda pretende entrar em estúdio até o fim do ano para gravar seu 12º disco.

— O público vai poder escutar uma Zezé menos romântica e mais resiliente. Estamos buscando um repertório com composições que falem de força, de resistência, de mulheres, principalmente — explica.

Entusiasmada com a profissão, ela confessa que "nunca tirou férias" e se considera uma mulher caseira. Adora ficar em seu quarto lendo e descansando. E não é para menos: vive no apartamento que foi a última residência de Clarice Lispector, no Leme, Rio de Janeiro.

— É um privilégio viver neste apartamento histórico. Tem o astral, o axé de Clarice. Adoro o bairro e o clima do prédio antigo, espaçoso e confortável. Quando o vi pela primeira vez, soube que era o lugar certo, especialmente para receber minhas netas e com espaço para o meu piano — conta. 

Voz ativa

Ao longo de 60 anos de carreira, Zezé Motta já soma 70 filmes, 60 projetos na televisão, 11 discos e 50 prêmios conquistados. Mas, para ela, ser artista vai além da arte: é também assumir compromissos sociais e usar a visibilidade para promover causas urgentes, como o combate ao racismo.

Entre suas ações, está a criação, em 1984, do Centro de Documentação e Informação do Artista Negro (CIDAN): uma iniciativa que reúne, organiza e divulga informações sobre profissionais negros na cultura brasileira. 

Zezé também foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, e recebeu, em 2024, o título de Doutora Honoris Causa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A homenagem reconhece o trabalho de pessoas que contribuíram para a melhoria do país e da humanidade. 

— Algumas pessoas acreditam que artistas não devem se envolver com questões políticas e sociais. Eu penso o contrário. Temos uma plataforma significativa na mídia e devemos utilizá-la para promover mudanças positivas. Tudo é político, e é importante usar nossa voz para contribuir com questões importantes — enfatiza.

Musa inspiradora de Tigresa, de Caetano Veloso, batizada artisticamente por Marília Pêra, aluna de Lélia Gonzalez e moradora do antigo apartamento de Clarice Lispector, Zezé Motta conversou com a reportagem de Zero Hora sobre como a arte sempre esteve presente na sua vida e o que a mantém incansável profissionalmente.

Confira entrevista com Zezé Motta

O que representa para você celebrar 60 anos de carreira? Há algo que você ainda sonha em realizar, pessoal ou profissionalmente?

Faço tantas coisas, e muitas ao mesmo tempo, que sempre fico um pouco sem saber o que responder quando me fazem essa pergunta. A verdade é que acredito ter conquistado tudo o que eu gostaria como artista, sabe? 

No futuro, penso em talvez assinar a direção de alguns shows. Já tive essa experiência algumas vezes e gosto bastante. Tive a oportunidade de dirigir a Leci Brandão, o Jamelão, a Ana Carolina, bem no comecinho da carreira dela. Quem sabe, mais para frente?

Por que você decidiu fazer a peça Vou Fazer de Mim um Mundo?

Queria muito, nos meus 80 anos, realizar um trabalho especial, seja no cinema, teatro ou televisão. Quando surgiu essa peça, fiquei impressionada. Inclusive, começo a peça cantando "Vou te contar uma história, vou te contar uma história, uma história de espantar". 

Foi uma oportunidade de realizar um trabalho de grande impacto, especialmente ao ser convidada pelo diretor e produtor Alessandro de Aquino.

Você interpretou Xica da Silva no cinema, em 1976, e duas décadas depois, Taís Araújo assumiu o papel na novela exibida pela Manchete. Uma personagem decisiva para ambas. O que Xica da Silva representa para você?

Foi um marco na minha vida, um divisor de águas. Esse papel tem uma presença eterna na minha vida, sendo reconhecida até hoje por ele, mesmo após 40 anos. Viajei pelo mundo por causa desse filme. Xica da Silva dá sorte. Alavancou tanto a minha carreira quanto a da Taís. Nunca mais paramos de trabalhar depois dela.

Envelhecer está na mente da gente, somos aquilo que imaginamos ser. A mente tem esse poder

ZEZÉ MOTTA

Atriz e cantora

Ao longo da sua trajetória, você também se tornou uma voz importante na luta antirracista. Como enxerga o papel da arte nesse combate?

Quando as coisas começaram a dar certo para mim, por causa da Xica da Silva, percebi que havia algo errado. Eu não tinha um discurso articulado, não conhecia a nossa história. Então, decidi fazer o curso de cultura negra com minha saudosa Lélia Gonzalez, e foi ali que entendi que precisava fazer alguma coisa, usar o espaço que tinha na mídia para questiona a invisibilidade do artista negro. Hoje, você liga a TV e enxerga a mudança. Essa foi uma luta que começou lá atrás, e é algo que me orgulha muito.

Você é muito presente nas redes sociais. Como enxerga o papel do artista no ambiente digital?

Inicialmente, não tinha interesse e até sentia certa resistência. Mas percebi que precisava acompanhar para não ficar para trás e não perder relevância. Hoje não saio mais sem meu celular. Me divirto assistindo coisas engraçadas, o que é uma salvação nas horas de espera nos aeroportos e nos sets de filmagens. Um post que eu faça, todo mundo fica sabendo de tudo, então é uma ótima ferramenta para nós divulgarmos nossos projetos.

Como mulher e figura pública, inclusive rosto de campanhas publicitárias, qual a importância da sua imagem? Como você pratica o autocuidado?

Acho muito importante que a minha imagem, como mulher negra, represente mais do que estética. Depois de idosa, passei a fazer propaganda. Finalmente descobriram que nós, negros, vendemos sim. Em relação ao autocuidado, acredito que ele começa por dentro, com carinho, com escuta, com presença. Gosto de me cuidar por fora, com beleza, vaidade e alegria.

Você foi casada cinco vezes. Qual é a importância do amor na sua vida?

Sou romântica e valorizo ter um companheiro para compartilhar tudo, o bom e o ruim. Atualmente tenho um relacionamento, uma história de alguns anos, mas não planejo me casar novamente. Agora é cada um na sua casa (risos).

Gabriel Carvalho/Divulgação
Zezé Motta é considerada referência como artista e ativista na luta antirracista nas artes.

No especial Falas da Vida, em uma cena com Andrea Beltrão, você diz: “A única coisa que importa é como a gente se vê. E, às vezes, a gente leva a vida toda para descobrir isso.” Hoje, aos 81 anos, como você se enxerga?

Considero-me uma pessoa privilegiada e feliz, apesar dos desafios do mundo. Sou grata por exercer a profissão que amo e que sinto ter nascido para fazer isso. Não me imagino sem cantar e sem representar. A vida não teria graça. Não tenho do que reclamar, apenas agradecer todos os dias.

O que significa envelhecer para você? Que aprendizados e visões essa fase tem lhe proporcionado?

Esses dias me perguntaram se eu conseguia subir dois lances de escada, e eu morri de rir. Entendo que ficam preocupados. Antigamente, uma mulher de 60 anos não fazia nada. Hoje em dia estamos mais vivos do que nunca. Tem gente de 90 anos dando banho em muita gente de 50.

Envelhecer está na mente da gente, somos aquilo que imaginamos ser. A mente tem esse poder. Estar cercada de gente jovem também ajuda. Os aprendizados são muitos. Tenho uma série no Instagram em que falo sobre coisas que aprendi depois dos 50, 60 e 70 anos, e uma delas foi parar de sofrer por tudo e qualquer coisa.

Você é considerada um ícone por diferentes gerações. O que gostaria que os mais jovens jamais esquecessem sobre a cultura negra brasileira?

Olha, fico toda prosa com isso. Sou tímida, mas, outro dia, parando para pensar, percebi que fui uma das primeiras, ou talvez a primeira, a falar sobre racismo na TV. A dizer: "Oi, estamos aqui, precisamos trabalhar." E deu certo.

Olha quantas vieram depois de mim: Taís Araújo, Cris Vianna, Isabel Fillardis, Erika Januza, Juliana Alves. Todas me abraçam e dizem que fui inspiração. Adoraria que a nova geração não esquecesse da luta que enfrentamos no passado e que aproveitasse e honrasse as oportunidades que hoje estão sendo oferecidas. 


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