Entrevista
Haonê Thinar, a Pam de "Dona de Mim", fala sobre presença de pessoas com deficiência na TV: "Falta muita oportunidade"
Atriz comenta que, assim como sua personagem, já sofreu rejeições amorosas


Acabamos de entrar no Setembro Verde, considerado o mês da pessoa com deficiência. É tempo de lançar luz sobre essa parcela da população tão invisibilizada, mas também de celebrar alguns avanços no que diz respeito à inclusão e acessibilidade.
Lentamente, o audiovisual vem dando espaço a artistas com deficiência, que interpretam personagens com histórias próprias, mostrando que é possível trabalhar, estudar, namorar e curtir a vida da melhor maneira possível, para além de suas limitações.
Na novela Dona de Mim, por exemplo, há dois atores com deficiência: Pedro Fernandes, o Peter, e Haonê Thinar, a Pam.
Aos 32 anos, Haonê encara sua primeira novela, mas há 15 anos se divide entre os trabalhos como atriz, modelo e dançarina. O fato de ser amputada desde os oito anos, por conta de um osteossarcoma (tumor ósseo) é apenas um detalhe na vida da artista, que interpreta Pamela na novela das sete. Confira o bate-papo!
Na novela, Pam sofreu por Danilo (Felipe Simas), no passado, não ter assumido a relação dos dois. Você já passou por uma situação parecida na vida real? Considera que é uma forma de capacitismo?
Eu passei por rejeições. Rejeições amorosas por parte de algumas pessoas, sim. Acredito que além da questão do capacitismo, na minha época, as pessoas não tinham muito conhecimento, então a pessoa com deficiência era tratada como coitadinha. As pessoas não entendiam que a pessoa com deficiência ainda era uma pessoa, que tinha desejos, tinha sonhos, tinha o direito de se relacionar afetivamente, sexualmente. Então, acho que falta muito conhecimento, falta ouvir a pessoa com deficiência, conhecer ela além da deficiência. Já passei, sim (por rejeições), muitas vezes, quando eu era adolescente eu não sabia muito como lidar, mas eu via que não era só comigo. Comigo era um pouco pior por conta da deficiência, mas muitas meninas que não tinham deficiência também passavam por isso por algum outro motivo. Por ser muito magra ou por ser gorda, por ser muito branca ou por ser preta demais, sempre tinha um motivo pros caras desprezarem essas mulheres.
Como surgiu a oportunidade de estar na novela?
Surgiu quando eu fazia a peça Meu Corpo Está Aqui, da Júlia Spadaccini e Clara Kutner, com direção de produção da Cláudia Marques. Eu estava fazendo essa peça e a Rosane (Svartman, autora de Dona de Mim) foi assistir. E ela falou que ia pensar num personagem para mim, mas não tinha nada certo. Depois de um tempo, ela entrou em contato comigo e falou da possibilidade de uma novela, e eu estava grávida, mas deu tudo certo. Deu tempo da minha bebê chegar e eu vir gravar. Eu fiquei muito feliz, porque é algo muito grandioso para minha carreira.
O que o público tem comentado sobre sua personagem? Dão conselhos, dividem experiências com você?
Muitos dos comentários que eu vejo sobre a Pam são de que ela é muito sensata. E que ela não deve ficar com o Danilo, porque o Danilo é uma pessoa ruim. E a Pam, por ser uma pessoa muito legal, a galera não quer ela com o Danilo, isso é o que eu mais ouço.
E, pessoalmente, vêm muito me falar sobre as pessoas amputadas, que tem mãe que amputou o pé, que está amando me ver na novela, que está se sentindo representado, que a minha personagem é muito legal. O foco da personagem não é a deficiência. Em momento nenhum é falado sobre a deficiência da personagem, ela é só mais uma mulher que trabalha, está lutando pelos seus sonhos, está ali pagando suas contas, tem um relacionamento conturbado como qualquer outra mulher... É passado de forma muito leve a questão da deficiência, então, os comentários são os melhores possíveis. Se tiver comentários negativos, eu prefiro não absorver.

Nos últimos anos, aumentou um pouco a presença de pessoas com deficiência no audiovisual. Você acha que avançamos nesse sentido? O que ainda falta melhorar?
A presença de pessoas com deficiência no audiovisual, no meu ver, ainda não aumentou. Estamos tentando, cavando os nossos espaços. É bom que a gente está abrindo caminhos.
Eu acho que ainda falta muito para gente chegar em uma quase igualdade de atores com deficiência e atores sem (deficiência). Ainda falta as pessoas acreditarem que a pessoa com deficiência é capaz e que somos profissionais. Falta muita oportunidade, as pessoas precisam acreditar que somos capazes e dar mais oportunidades.

Pam é a calmaria no meio de duas amigas tão intensas como Kami (Giovanna Lancellotti) e Leo (Clara Moneke). Você é assim com suas amigas também?
A Pam realmente é a calmaria das amigas, né? E o que mais tem me apaixonado nesse trabalho é que a Pam é totalmente diferente de mim. Eu jamais teria a paciência que a Pam teve com a Kami, por exemplo, da Kami ficar com o ex-namorado da Leo, talvez eu teria ficado mais brigada com ela do que a Leo. Então, a Pam é muito diferente da Haonê.
Eu sou muito mais explosiva, mais estressada, às vezes mais intensa. Eu sempre vi muito o trabalho de atores renomados, e eu pensava: “Caraca, deve ser muito difícil fazer alguém diferente de você.” Não é fácil, mas está sendo leve fazer a Pam, está sendo uma experiência incrível na minha vida.