Entrevista
Passista da Mangueira desde criança, Nikolly Fernandes brilha em "Dona de Mim": "Sou apaixonada por tudo o que faço"
Na trama, atriz vive Stephany, jovem estudante de Enfermagem


Nikolly Fernandes tem apenas 19 anos, mas já pode ser considerada uma multiartista. Desde os cinco anos, brilha como passista na Mangueira, e desde essa época, estuda teatro. Além disso, é formada em canto e piano pela Escola de Música Villa-Lobos. Com experiência de veterana nas artes, faz sua estreia em novelas como Stephany em Dona de Mim. Na trama, a irmã de Leona (Clara Moneke) ganhou destaque nas últimas semanas ao abordar o burnout, sobrecarga que afeta a saúde de muitas pessoas, e que, no caso da personagem, se deu por conta da faculdade e da pressão em seguir o sonho da irmã e da avó de ser a primeira da família com curso superior. "A vida acadêmica também adoece", concluiu Stephanie, que desde o susto com a própria saúde, vem tentando se cobrar menos.
Em bate-papo, Nikolly conta como tem sido a experiência de atuar diante das câmeras, a preparação para a personagem e as expectativas para a carreira.
Sua personagem sofre com burnout por conta do excesso de estudo e trabalho. Como você se preparou para contar essa história? Pesquisou sobre o assunto?
Então, eu nunca tinha tido nenhum tipo de contato com a Síndrome de Burnout, porque para as pessoas negras e de baixa renda, não existe esse tipo de conversa sobre estafa e esgotamento mental, a gente é sempre obrigado a engolir tudo, ser forte e passar por cima. Então, eu tive sim que fazer uma pesquisa grande sobre essa doença, ver entrevistas e relatos de pessoas que tiveram esse quadro de síndrome de burnout. E foi muito incrível esse mergulho, porque depois que eu comecei a pesquisar sobre isso, eu comecei a perceber pessoas ao meu redor que têm muitas características de burnout e nem sabem da existência, nem sabem o que leva essa doença a ser desenvolvida e o quão ela é popular, principalmente entre jovens negros retintos estudantes, mães solo que trabalham e, quando chegam em casa, têm que cuidar dos seus filhos, entre trabalhadores brasileiros que além, de trabalhar, têm que fazer bico pra poder sustentar uma família. Foram muitas camadas, foram muitas descobertas com essa etapa do burnout da Stephany. Eu aprendi demais, mas eu tive que estudar demais também. Porque é pouquíssimo abordado entre nós, enquanto sociedade negra periférica, sobre saúde mental.
Stephany lida com a pressão de realizar o sonho da irmã e da avó, de ser a primeira da família a concluir um curso superior. Você acha que esse peso é ainda maior para as mulheres pretas e periféricas? Passou por algo semelhante na sua família?
Com certeza, esse peso é muito maior. Porque o mais normal nas famílias pretas periféricas é apenas uma pessoa ter oportunidade de cursar a faculdade, e aí acaba que a conclusão do curso daquele jovem acaba se tornando um sonho familiar. Todo mundo se desdobra de tudo quanto é jeito para fazer com que aquela pessoa consiga terminar a faculdade, porque ninguém da família antes teve essa oportunidade. E é incrível a gente contar com apoio da família, mas é muito difícil ser a realização de uma família inteira, ainda mais em uma família pobre em que ter um diploma muda a realidade de um todo. Não só na minha família como em quase todas ao meu redor, apenas uma pessoa teve a chance de ir para a faculdade, e todas as vezes foi normalizado que essa pessoa estivesse sempre em casa estudando, ou trabalhando para pagar o curso, ou na própria faculdade… e até a formatura dessa pessoa ficava meio invisível socialmente. Foi muito fascinante para mim representar essa classe, porque eu sei que acontece muito. E a gente tem que pensar nessa saúde mental desses adolescentes que acabaram de completar a maioridade, já têm que carregar uma super responsabilidade de mudar a realidade de uma família inteira.

Sua irmã também é atriz (Jeniffer Dias, a Thamy de Rensga Hits!). Que dicas ela deu a você antes de sua estreia em novelas? O que ela tem achado do seu trabalho?
Sim, eu sou irmã da Jeniffer Dias e ela sempre me ajudou muito nos meus testes. Me deu muita direção, abriu muito meu olhar, me deu muita sensibilidade, muito estudo. Ela quem me sugeriu os livros mais incríveis que eu já li na minha vida e que mais me transformaram como pessoa, então ela me mudou como atriz, como artista, e ela é a minha principal inspiração. Eu digo para todo mundo que tudo que eu faço nessa vida é pra honrar e orgulhar a minha família, e ela é muito crítica, mas apesar disso, tem me dado feedbacks muito bons sobre a minhas cenas, então, se passei no radar dela já fico feliz (risos). É muito prazeroso vê-la falando sobre o meu trabalho com tanta felicidade, com tanto prazer, com tanta realização. Eu vejo que ela tem orgulho de falar que a menina que interpreta a Stephany na novela é irmã dela.
Como foi sua preparação para interpretar uma estudante de enfermagem? Seguiria essa carreira na vida real?
Então não seguiria na vida real a carreira de enfermeira, porque nessa preparação para viver Stephany, eu percebi o quanto que é uma profissão que trabalha muito, que se dedica muito e que não é muito valorizada. Quando um paciente chega no hospital, é um enfermeiro que vai lá, que verifica a pressão, que tem o primeiro contato, que passa todas as informações para o médico, e eles têm plantões de horas dentro do hospital… então, acho que é uma profissão um pouco ingrata. Mas, ao mesmo tempo, foi incrível ter contato a história dessas pessoas. Acho que uma das coisas que mais me instiga na nossa profissão é essa possibilidade de ser várias em um corpo só. Eu cheguei a fazer laboratório, conversei com algumas amigas que trabalham nessa área, que me direcionaram para isso, e foi incrível entender como funciona a mente de um estudante de enfermagem que estagia no hospital. Porque é um turbilhão de informações por dia, e além disso, eles têm uma calma diferente, uma precisão diferente, uma racionalidade diferente, a maioria dos enfermeiros que eu tive contato tem alguns pontos em comum no jeito, são mais observadores… aprendi muito com a preparação e aprendi muito com a Stephany.
Atriz, cantora, dançarina, passista, percussionista... Em qual desses papéis você se sente mais à vontade?
Pergunta difícil… mas eu me sinto mais à vontade atuando. Porque ali é onde eu posso exercer todas as minhas profissões. No meu trabalho como atriz eu posso cantar, eu posso dançar, eu posso tocar. E além disso é o que me transforma de dentro para fora, é o que me move e é o que me torna uma pessoa mais viva. Mas eu sou apaixonada por tudo que eu faço, e acredito que eu não seria a Nikolly que sou se eu não fosse um pouco de cada uma dessas artes.

Como tem sido a troca com os atores veteranos em cena? Deve ser uma verdadeira escola...
Tem sido mágico, realmente uma realização de sonho e também um aprendizado constante. Minhas maiores referências nesse trabalho, com certeza, são Cyda Moreno (Yara) e Vilma Melo (Jussara), elas me transformam muito no dia a dia, como mulher negra, como pessoa e como artista. Me inspiram a ser uma atriz melhor. E eu sou uma pessoa muito observadora, já fui ao estúdio mais de uma vez, mesmo estando de folga, apenas para ver Tony Ramos (Abel) e Claudia Abreu (Filipa) em cena. Minha presença cênica e minha naturalidade no trabalho têm melhorado muito graças a oportunidade que estou tendo de contracenar com esses grandes profissionais.
Você brilha no Carnaval desde muito pequena. Como a experiência na Avenida te ajuda no trabalho de atriz?
Então, o Carnaval é uma festa preta, as rainhas de baterias, musas, as mulheres que estão nos maiores cargos dentro do Carnaval são mulheres pretas, querendo ou não é um lugar de representatividade, e isso me ajuda no trabalho de atriz porque foi onde eu encontrei minha autoestima, foi onde eu me vi como uma menina e mulher bonita, forte, poderosa. Foi onde eu me vi como realeza! Porque quando você olha para uma rainha de bateria e vê uma mulher negra, linda, com cabelo crespo e se assumindo como é, é algo de uma identificação muito grande pra uma menina jovem que está se formando como mulher e formando seu caráter. Porque iniciei no Carnaval quando tinha cinco anos de idade então, eu posso dizer que o Carnaval me trouxe segurança, autoestima, Leveza… me trouxe muito do que me permite atuar com segurança.

O que faz de Nikolly "dona de si"?
O que me faz ser dona de mim é o conhecimento de quem eu sou. Acredito que eu não conseguiria ser dona do meu destino se eu não soubesse a potência, a responsabilidade, a representatividade e até as inseguranças que eu carrego. Então eu acredito que o principal para você ser dona de você mesma, é ter certeza de quem você é, pra onde você quer ir, e de onde você veio. Quando isso tudo está alinhado, não tem como ninguém te parar e nem impedir que você seja dona do seu destino.