Entrevista
Pedro Fernandes, o Peter de "Dona de Mim", usa o bom humor como arma contra o capacitismo
Ator destaca a importância de ocupar espaços no audiovisual


Aos 33 anos, Pedro Fernandes está acostumado a romper barreiras através da arte. O bom humor é a marca do ator, qualidade que tem colocado em prática há mais de um ano no projeto Doutores da Alegria, que leva um pouco de diversão a pacientes internados nos hospitais do Rio de Janeiro.
A graça e as piadas fazem parte também de seu personagem, Peter, em Dona de Mim, que tem paralisia cerebral, assim como seu intérprete. Na novela, o filho de Manuel (Ernani Moraes) diverte com suas tiradas irônicas, principalmente nas cenas em que as pessoas perguntam: “Por que você é assim?”. Bem-humorado, Peter inventa uma história diferente a cada situação, driblando o capacitismo.
Confira o bate-papo com o ator!
Na novela, Peter usa o bom humor para se livrar de perguntas inconvenientes. Na vida real, como você lida com isso?
Na vida real, eu sempre lidei com o capacitismo com bom humor, com leveza, a minha família sempre tratou com muita naturalidade o meu corpo PCD. O que a gente hoje em dia chama de capacitismo, quando eu nasci, em 1992, não tinha esse nome. E eu tento lidar de uma maneira leve, pedagógica, porque muitas pessoas não sabem, não têm informação, não convivem com o corpo com deficiência no seu dia a dia. Eu costumo falar muito que para você saber lidar, você tem que conviver no seu ciclo de amizade, no seu círculo amoroso. Eu acho que a gente tem que chamar as pessoas com deficiência para o nosso rolê e naturalizar o corpo com deficiência, porque só assim a gente vai vencer a barreira do capacitismo.
Manuel (Ernani Moraes) tem medo de dar mais liberdade a Peter. Como é isso na sua família?
Na minha família também foi difícil. Eu falo que a primeira bolha que a gente fura do capacitismo é a bolha familiar, que é o que o Peter está enfrentando na novela. Para que ele consiga ter a liberdade dele, tem que fazer com que o irmão e o pai enxerguem o potencial que ele tem. E na minha família não foi diferente. Eu mostrei que podia vir para o Rio de Janeiro (Pedro é natural de Petrópolis, região serrana do Estado), morar aqui sozinho. Eu morei com amigos, agora estou morando sozinho, e um amigo me ajuda no dia a dia. Mas eu consegui, tenho uma rede de apoio de amigos e uma estrutura familiar também muito consistente, que me proporciona viver coisas, para que eu consiga sobreviver da minha arte, que é o mais difícil. O nosso corpo com deficiência, ele não é muito representado na mídia, na publicidade. Então, é difícil essa carreira, no início a minha família tinha muito medo. Tanto que eu fui fazer outra faculdade, sou formado em Serviço Social, também, por conta desse medo da minha família, para ter um plano B, porque a carreira de artista é muito de altos e baixos. Mas hoje consigo sobreviver da minha arte dentro de um país que ainda é muito preconceituoso, capacitista com o corpo PCD. Estou conseguindo vencer essa barreira. Daí, eu acho que é isso que a novela está tentando mostrar e tentando alcançar essa visibilidade, de naturalizar o corpo PCD.

Nos últimos anos, aumentou um pouco a presença de pessoas com deficiência no audiovisual. Você acha que avançamos nesse sentido? E o que ainda falta melhorar?
Sim, eu acho que tem um avanço no audiovisual e nas artes como um todo, mas ainda é um processo pedagógico. Eu falo que a publicidade ainda precisa enxergar o corpo PCD como um corpo que tem potencial para agregar valores. E o audiovisual também tem que entregar esse potencial para além da deficiência. Que a gente não precisa só estar atrelado às nossas deficiências, a gente pode fazer qualquer papel, entrar em qualquer tipo de dramaturgia, e que ela não necessariamente precisa ser focada no nosso corpo. A gente precisa naturalizar o corpo PCD na sociedade. O audiovisual e a arte em geral também precisam naturalizar e entender que não precisa encaixar a temática da deficiência – que ainda é uma temática importante e que precisa ser discutida –, mas entender que a gente não é só isso. Acho que a gente está nesse caminho. O Peter naturaliza muito a condição dele. Para ele, a condição não é um impeditivo, e é isso que a gente quer mostrar. Chega de história triste, de superação, a gente não tem que superar nada. O nosso corpo é a nossa condição humana.
Que tipo de adaptações em relação à acessibilidade foram realizadas para você durante as gravações?
Durante as gravações não tem muita adaptação a ser feita. Sou um ator como qualquer outro, estou ali para trabalhar como qualquer outro ator. Então, acho que não tem muitas adaptações que eu precise. Mas tenho um rapaz que trabalha comigo, que me ajuda no que eu preciso. Tirando isso, eu sou como qualquer outro ator, (estou) fazendo meu trabalho, e a equipe sempre tem um cuidado, um carinho comigo, sempre perguntando e nunca achando ou supondo alguma coisa. Acho que a gente está em um bom caminho e a novela está mostrando isso dentro e fora das telas.