Porto Alegre em Cena
Projeto transforma histórias de moradores do Centro Histórico em espetáculo
Narrativas serão apresentadas em evento gratuito nesta sexta, sábado e domingo nos arredores das ruas General Cipriano Ferreira e Demétrio Ribeiro


O bairro vira palco, os moradores se tornam protagonistas e o cotidiano é ressignificado. Essa é a proposta do Reside Alegre, projeto que integra a programação formativa do 32º Porto Alegre em Cena — festival que realizou noite abertura nessa quarta (10) e vai até 21 de setembro. O Reside Alegre, no entanto, ocorre apenas nos três primeiros dias: sexta, sábado (13) e domingo (14).
Inspirado pelas experiências culturais do Bombón Vecinal, de Buenos Aires, e do Reside Amaro, de Recife, o projeto chega pela primeira vez à Capital. A ideia é simples, mas potente: escutar histórias reais, criar dramaturgias a partir delas e apresentar essas narrativas em locais inusitados — casas, ruas e até vitrines de lojas.
Por aqui, a curadoria é de Monina Bonelli, Celso Curi e Paula de Renor. O trio se conheceu em 2019, durante o Bombón Vecinal, projeto idealizado por Monina. Em fevereiro deste ano, voltaram a trabalhar juntos na criação do Reside Amaro.
A equipe conta ainda com coordenação de Wesley Kawaai, produção artística de Sandra Possani, coordenação técnica de Fabio Cunha, além da participação de alunos do curso de Teatro da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs). Ao todo, são mais de cem pessoas envolvidas.
Um dos pilares da metodologia é a figura do vizinho embaixador, papel desempenhado por Eduardo Custódio, o Duda, morador que articula a relação entre artistas e comunidade. Ele é ator-bonequeiro da Cia Gente Falante.
Passo a passo
O processo começa pela escuta. São conversas longas, profundas — muitas vezes emocionantes — que revelam histórias de vida, memórias e afetos dos moradores. Para o Reside Alegre, o território escolhido foi o Centro Histórico, nos arredores das ruas General Cipriano Ferreira e Demétrio Ribeiro, onde está localizado o QG do projeto.
— Tem um espetáculo que acontece desde o primeiro dia que a gente chega. É assistido por pouco público, nós (os curadores), mas gera encantamento — afirma Celso, reforçando que cada encontro se torna, por si só, uma ação artística.
A escuta, aliás, é tratada como valor essencial, especialmente em tempos de comunicação acelerada.
— A primeira etapa aconteceu em maio, quando fizemos um mapeamento. Ao final de cada dia, estávamos exaustos. Ouvir alguém exige entrega total, e o que recebíamos não era apenas uma história, era uma vida inteira sendo entregue a nós — comenta Paula.
— Estar ouvindo, entregue, presente para a outra pessoa é algo muito importante e que define o projeto — acrescenta Monina.
Essa atenção ao outro também se manifesta na forma como o Reside Alegre se conecta com a comunidade. Em vez de recorrer a grandes aparatos tecnológicos, o projeto valoriza gestos simples e afetivos, como a entrega de cartinhas. Além disso, promove encontros com lanches na sede, rodas de conversa e a criação de um álbum fotográfico coletivo, convidando os moradores a assumirem papéis de narradores, performers, anfitriões ou mesmo inspiradores de cenas que celebram o cotidiano.
Sobre o processo, Duda conta — apontando para um quadro na parede da sede, que mostra prédios da rua em contraste entre passado e presente:
— Durante um desses cafés, perguntei a uma vizinha, que é arquiteta, se tinha alguma referência do bairro para mostrar aos curadores. Pouco depois, ela voltou com esse material produzido na faculdade. Foi marcante ver o interesse dos moradores em resgatar e compartilhar memórias.

Ações
Em meio às conversas, um detalhe curioso — e que passa batido no dia a dia — chamou atenção: muitos moradores se reconhecem não pelos próprios nomes, mas pelos de seus cães. A relação com os animais é tão forte que inspirou a Parada do Orgulho Canino, apenas uma das várias ações previstas para este fim de semana.
Outro exemplo é a intervenção O Museu de um Bonequeiro. Nela, o público será convidado a conhecer o acervo que revela a trajetória do ator-bonequeiro Paulo Martins Fontes, fundador da Cia Gente Falante — a mesma da qual faz parte o vizinho embaixador, Duda. O espaço, localizado há mais de três décadas na Cipriano Ferreira, 628, preserva a memória da comunidade por meio da arte das marionetes.
— A vizinhança toda passou a nos assistir por causa dos encontros do Reside Alegre. Aqui funciona como uma escola de atores-bonequeiros, e essa é a primeira vez que realizamos uma ação dentro do nosso ateliê. Não é uma exibição teatral, é uma conversação sobre a nossa história. Quando a gente se “abraça”, os problemas do bairro ficam mais fáceis de resolver. Isso é humanidade — pontua Paulo.

A poucos passo dali, na Demétrio Ribeiro, 404, o salão de beleza da esteticista Vera Lúcia será palco de A Vida de Vera em Vestido de Bolinha. “Entre risos, confidências e um pouco de música, somos convidadas a mergulhar em seu universo, onde força, beleza e fertilidade se entrelaçam de maneiras profundas e inesperadas”, resume a sinopse da performance, dirigida por Adriane Mottola.
— Durante a ação, a Vera atenderá uma pessoa no salão para realizar um procedimento capilar. Todo o ambiente será cenografado, e o público assistirá de fora, pela vitrine. Quem estiver na rua poderá ouvir as histórias que ela compartilhar durante o atendimento. A cena contará também com a presença de uma atriz interpretando uma Alexa, que receberá e dará instruções — adianta a diretora.

Cada criação será apresentada ao longo dos três dias. As senhas para assistir serão distribuídas gratuitamente na Rua Demétrio Ribeiro, 395. A programação completa está disponível em portoalegreemcena.com.br/reside-alegre.
O público poderá montar seu próprio percurso com auxílio de um folder/mapa, que traz informações sobre locais, datas e horários. Guias e recepcionistas também estarão disponíveis para orientar os espectadores, incluindo pessoas com deficiência.
Reside Alegre
- Quando: sexta-feira (12), das 18h às 22h; sábado (13), das 17h às 22h; e domingo (14), das 17h às 22h
- Onde: ações e apresentações nos arredores da Rua General Cipriano Ferreira com Rua Demétrio Ribeiro, no Centro Histórico
- Quanto: de graça, com distribuição de senhasna sede do Reside Alegre (Rua Demétrio Ribeiro, 395)
- Programação completa: no site portoalegreemcena.com.br/reside-alegre