Artista completa
"Trago muito da minha maturidade como mulher para essa personagem", diz Jeniffer Nascimento, protagonista de "Êta Mundo Melhor!"
Em entrevista, a atriz e cantora fala do retorno às novelas, da representatividade negra nas telas e de seu melhor papel: o de mãe da pequena Lara


A música e a atuação caminham juntas na vida de Jeniffer Nascimento desde o início da carreira. Da estreia em musicais no teatro ao primeiro papel na televisão, como Sol, aspirante a cantora em Malhação: Sonhos (2014), roteiros e acordes se entrelaçaram, semeando uma trajetória de sucesso nos palcos e nos estúdios de gravação.
A voz potente da paulistana de 32 anos chamou a atenção de Walcyr Carrasco, autor de Êta Mundo Bom! (2016), novela na qual Jeniffer interpretou Dita, que na época tinha um papel secundário, até mesmo subalterno diante da família de Cunegundes (Elizabeth Savala).
Ao descobrir o talento vocal da artista, Walcyr não teve dúvidas: transformou Dita, na continuação da trama das 18h, em uma jovem em busca de oportunidades como cantora de rádio. Mais do que isso, corrigiu uma injustiça histórica. Agora, em Êta Mundo Melhor!, Jeniffer ocupa o posto de protagonista.
Fiquei muito feliz em descobrir que a Dita ainda existe aqui dentro de outra forma: com mais camadas da vivência da Jeniffer de agora.
JENIFFER NASCIMENTO
Atriz e cantora
A atriz celebra a oportunidade de integrar a lista crescente de protagonistas negras da teledramaturgia recente. Se na infância raramente se via representada na telinha, hoje acredita que as próximas gerações encontrarão um futuro diferente. É esse o sonho que projeta para a filha Lara, de quase dois anos:
— Espero que minha filha e as próximas gerações cresçam vendo essa realidade como normal, coisa que para minha e para gerações anteriores é uma novidade, pois era algo impossível de acontecer.
Em entrevista a Donna, Jeniffer fala sobre o upgrade de Dita, a carreira de cantora e sobre seu melhor papel: o de mãe da pequena Lara.

Confira a entrevista com Jeniffer Nascimento
Há nove anos, Dita tinha um papel subalterno em Êta Mundo Bom!, e agora volta como protagonista em Êta Mundo Melhor!. A que você acha que se deve essa mudança de perfil?
Dita é um grande presente e uma grande surpresa. Nunca imaginei que o protagonismo viria de uma personagem que já havia vivido anteriormente. É muito impressionante pensar nesta trajetória como um todo: ela começou como uma personagem considerada pequena.
Me lembro de que, algumas vezes, nem tinha fala em cena, mas, com o tempo, a personagem começou a ganhar mais espaço na trama e a chamar a atenção do público. Desde o início, ela demonstrou ser uma mulher de muita personalidade, com seus princípios, valores e convicções muito bem definidos.
Hoje, digo que Dita é uma mulher à frente do seu tempo, pois está sempre disposta a quebrar paradigmas da sociedade em prol da sua felicidade. Ela não abaixa a cabeça para ninguém, mas sabe o momento certo de dizer as verdades. Além disso, é muito determinada e resiliente. Vai lutar para conquistar o seu sonho de ser cantora de rádio, sem esquecer quem é: uma verdadeira heroína.
Vivemos tempos mais diversos na teledramaturgia, com protagonistas negras nas novelas da Globo. Como você enxerga essa fase e o que ainda precisa avançar?
Fico muito feliz com todos esses espaços e o protagonismo negro. Recebi o bastão da Duda Santos, que arrasou em Garota do Momento, e agora estou entregando para a Clara Moneke, no horário das sete, que também está arrasando (em Dona de Mim), e depois segue com a Taís Araújo, no horário das nove (em Vale Tudo). Fico feliz de poder vibrar pela conquista das minhas amigas.
Ainda é preciso mudar muitas coisas, por exemplo, tenho visto muita gente falando: “ah, agora só vai ter protagonista preta”. O que eu tenho para dizer é: por muitos anos, as protagonistas foram só brancas e ninguém se incomodava. Então, se isso te causa algum incômodo, é um sinal de que você tem que olhar para si e rever alguns conceitos que estão equivocados dentro de você.
Como foi sua pesquisa para interpretar uma cantora de rádio em Êta Mundo Melhor!? Como analisa o apagamento de tantas artistas talentosas da época apenas pelo fato de serem negras?
Os autores mandam as músicas que vamos usar nas gravações. Foi quando começou o meu estudo: por meio dessa playlist, comecei a entender o lugar que essas mulheres cantavam, que é completamente diferente de onde estamos acostumados a cantar hoje. É muito importante a gente falar sobre essa rainha da rádio, nesse momento.
Entre os anos 1940 e 1950, muito do que as pessoas pretas contribuíram culturalmente foi apagado. A cena dela (Dita) cantando na coxia para uma cantora branca fingir que estava cantando, isso era muito comum. Muitos artistas pretos passaram por isso e ninguém fazia ideia. Então, isso também faz parte da reparação histórica.
Quase uma década depois, Dita está mais empoderada e disposta a correr atrás dos próprios sonhos. O que você empresta de si mesma à personagem, já que está mais madura e experiente desde a trama anterior?
Costumo dizer que a Dita me debutou em muitas coisas da vida: me casei pela primeira vez, tive o meu primeiro parto – tudo isso antes da Jeniffer passar por todas essas coisas. No início, estava insegura porque nunca tive esta experiência de reviver um personagem que construí há nove anos. Tinha uma expectativa de saber se a Dita ainda existia em mim. Mas, foi como andar de bicicleta: é só dar o primeiro movimento e ele vem, sabe?
Agora, depois de nove anos, vivi muito do que a Dita já viveu. Então, trago muito da minha bagagem e da minha maturidade como mulher para essa personagem. Fiquei muito feliz em descobrir que ela (Dita) ainda existe aqui dentro de outra forma: com mais camadas da vivência da Jeniffer de agora.
Quando a gente ajuda um ser humano a crescer com essa confiança e segurança, dificilmente ele vai oprimir o outro.
JENIFFER NASCIMENTO
Atriz e cantora
Além de cantora e atriz, você é mãezona da Lara. A maternidade é seu melhor papel?
É o papel da minha vida! Eu amo ser mãe. No momento que o universo me presenteou com a Lara, falei: “quero viver isso da forma mais intensa possível”. Acho que sempre tive este “dom” de maternar. Sempre cuidei dos meus amigos, da minha família. É algo que me dedico ao máximo.
Escolhi fazer parto normal e ficar o primeiro ano da minha filha em casa – 100% com ela e sem babá –, justamente para entender a dor e a delícia de maternar. E não me arrependo. Entendo toda a responsabilidade, mas, ao mesmo tempo, foi maravilhoso ver todas as primeiras vezes da Lara enquanto bebê.
Além das óbvias mudanças corporais e de responsabilidade, o que mudou na sua vida com a chegada da sua filha?
As mudanças são inúmeras. O desafio de voltar ao trabalho, por exemplo, está sendo uma correria total. Inclusive, antes de voltar a trabalhar, ela não tinha andado ainda. Faltando uma semana para começar as gravações, ela deu os primeiros passinhos. Pensei: “ufa, agora estou tranquila para voltar”. Isso foi importante para mim.
Conto com uma rede de apoio que é essencial para que possa trabalhar tranquilamente. Meus pais ficam com a Lara e sei que ela está bem amparada. Sou muito privilegiada por isso. Todos os dias saio para trabalhar, falo: “filha, mamãe está indo trabalhar porque ela precisa e gosta, mas ela volta”. Eu não sinto culpa, sempre converso muito com ela antes de sair.
Recentemente, você apareceu em uma foto ao lado de Clara Moneke e Taís Araújo, formando o trio de protagonistas do momento. Além de Taís, que abriu portas para atrizes das novas gerações, em quem você se inspira para trilhar seu próprio caminho?
Me inspirei em muita gente. Mas, falando de artistas pretas, tenho como referência Viola Davis, que é maravilhosa. Enquanto atriz, é gigantesca; enquanto pessoa, admiro o seu posicionamento, a forma de se comunicar e a elegância para abordar assuntos relevantes. Minhas outras referências são Whitney Houston (1963-2012) e Beyoncé, que, assim como eu, também são cantoras, atrizes, produtoras e mães. Gosto muito dessa multiplicidade delas.
Apesar da diversidade na telinha, não dá pra negar que vivemos em um país racista, com vários casos lamentáveis povoando o noticiário. Como você pretende criar sua filha para lidar com o preconceito que ela pode sofrer no futuro?
Minha filha é fruto de um relacionamento interracial, então, tem a pele mais clara do que a minha. Desde muito nova, faço ela conviver com diversidade. Ela tem bonecas de várias etnias. Está aprendendo a desenhar e tem giz de cera e lápis de cor de todos os tons de pele. Sempre quando ela vai em uma loja de brinquedos, escolhe uma boneca preta, até porque ela também me tem como referência.
Empodero muito a Lara e trabalho a autoestima dela, isso faz muita diferença. Adoro arrumar o cabelo dela e sempre falo o quanto é linda, maravilhosa e segura de si. Faço ela se olhar no espelho e falo: “perfeita!”, e quando eu não faço, ela faz sozinha. Bate palma e fala.
Quando a gente ajuda um ser humano a crescer com essa confiança e segurança, dificilmente ele vai oprimir o outro. Acho que com essa nova geração, principalmente tendo essa representatividade cada vez mais colorida, tenho esperança de que a visão deles sobre isso seja melhor.
Como foi ser uma criança e adolescente preta? Passou por alguma situação de racismo quando era mais nova?
Foi uma situação complexa, porque sempre estive em lugares onde era uma das poucas meninas pretas. Estudei em escola particular, fui bolsista de muitos cursos de teatro, dança e canto. Quando pequena, meus pais não me falavam sobre racismo e preconceito, o que acabou me ajudando, porque não saber sobre essas coisas, não me limitou a sonhar. Nunca me fez questionar se deveria estar ali ou não. Fui uma criança comunicativa e sempre tive muitos amigos.
Uma coisa que me marcou foi quando uma professora fez penteado no cabelo das minhas amigas, mas disse que no meu não dava para fazer trança embutida. E, por não ter esse limitador, cheguei em casa e aprendi a fazer no meu próprio cabelo. Só depois de adulta entendi a dimensão dessas coisas. Foi difícil não ter sido preparada na infância e passar por isso depois de adulta. A gente tem terapia e outros artifícios para lidar com isso. Meus pais fizeram o que acreditavam ser o certo e isso nunca limitou a Jeniffer de sonhar em estar nos lugares que estou hoje, sabe?
Walcyr Carrasco já contou em entrevistas que ficou impressionado ao vê-la cantando no teatro, e que se soubesse disso faria de Dita uma cantora. Agora, você está tendo a chance de aliar seus dois talentos em um só: cantar e atuar. Como tem sido essa experiência?
É uma verdadeira realização. Estou feliz de poder expressar a minha arte de mais de uma forma na telinha. Além disso, é uma grande honra interpretar músicas das rainhas das rádios. Também é um aprendizado, porque é um registro vocal completamente diferente do que estou acostumada a cantar.
A música é algo muito especial para mim, que não abro mão. Inclusive, este ano, quero fazer um show com as músicas que estou cantando na novela, da era das rádios.
Hoje em dia, você se considera mais uma cantora que atua ou uma atriz que canta?
Me considero uma artista completa. Estar no palco, seja para atuar ou para cantar, para mim, é ocupar um espaço sagrado. Por muito tempo, os artistas múltiplos foram vistos como sem foco, e penso o contrário. Um artista que canta, dança e interpreta com excelência, é muito focado em tudo o que ele faz.