Pausa necessária
Fernanda Vasconcellos sobre volta às novelas em "Três Graças": "Tive medo de não conseguir retomar a profissão, mas ainda mais de faltar com meu filho"
Em entrevista a Donna, a atriz fala sobre a vilã Samira, a importância da rede de apoio para as mulheres e como a maternidade moldou sua forma de entender a vida


Quase 10 anos após seu último trabalho em novelas, Fernanda Vasconcellos está de volta ao horário nobre da TV Globo. Em Três Graças, de Aguinaldo Silva, ela interpreta Samira, chef de cozinha que está por trás de um esquema criminoso de venda de bebês.
Fernanda reaparece na telinha em um momento que é, ao mesmo tempo, de maturidade profissional e de reconfiguração íntima.
Desde sua última novela, Haja Coração (2016), muita coisa mudou na vida da atriz: ela virou mãe de Romeo, de três anos, e aprendeu a contornar os desafios da maternidade de primeira viagem. Também atravessou um período de hiato, concentrando sua energia nos cuidados com o filho e entendendo que prioridades mudam.
— Estar em casa e colocar o meu filho para dormir é o que mais me relaxa. É um momento pelo qual agradeço muito a Deus — conta.
Apesar disso, Fernanda não romantiza a maternidade. Na entrevista que você lê abaixo, ela fala das dificuldades que atravessam a criação de uma criança e revela as inseguranças que acompanharam sua decisão de pausar a carreira.
Mas ela garante que o retorno, agora, é com entrega total. Encarando a missão de dar vida a uma personagem diferente de tudo o que já havia feito, que deve despertar a fúria dos espectadores, Fernanda sente viver uma estreia – mesmo depois de trabalhos emblemáticos como Páginas da Vida, Desejo Proibido e A Vida da Gente.
— É uma sensação deliciosa toda vez que piso no cenário ou coloco o figurino. Estou matando a saudade e, ao mesmo tempo, descobrindo tudo de novo — afirma.
Ainda que entusiasmada com o retorno às novelas, ela não esconde a dor que também acompanha essa volta. Em conversa com Donna, a atriz reflete, ainda, sobre a importância da rede de apoio para as mulheres e como a maternidade moldou a sua forma de entender a vida.

Confira a entrevista com Fernanda Vasconcellos
Você passou quase 10 anos afastada das novelas. Como recebeu o convite para Três Graças e o que lhe fez aceitar?
A personagem é muito interessante. O texto do Aguinaldo Silva consegue o melhor do ator; todas as camadas de um personagem dele são instigantes para você começar a trabalhar e estudar. Então, foi um convite irrecusável.
Samira é uma personagem cheia de camadas, que vai se revelar uma vilã no decorrer da trama. Como tem sido o mergulho nesse papel diferente e até um pouco sombrio?
Eu estou descobrindo a Samira aos poucos, porque o Aguinaldo não entrega tudo de uma vez. Estou entendendo e aprofundando quem ela é através dos elementos iniciais que tenho. Para a Samira, cozinhar é terapêutico. É o que ela ama fazer, o que a deixa relaxada. Já eu não tenho talento nenhum para a cozinha. Só gosto de comer.
Então, é um trabalho de imersão, mas também é flexível. É muito gostoso, porque vou aprofundando quem a personagem é, o corpo que ela tem, como ela se porta; mas também tenho liberdade para mudar, porque tudo depende do que virá pela frente. É complexo, como na vida.
O ano de 2025 marca as duas décadas da sua estreia na TV Globo, na Malhação de 2005. De lá para cá, o que mudou e o que permanece igual na atriz que você é?
Sinto um maior relaxamento em cena, um estado de conforto que me deixa mais ativa no jogo entre os atores. Antes, entrava em cena com muitos medos e questões. Hoje, chego bem mais leve. Entendo a profissão, a carreira e o ofício com um olhar mais flexível. O que não mudou é o frio na barriga antes das cenas. Um frio gostoso, de gostar do que se faz.
Durante esse período em que esteve afastada das novelas, você se tornou mãe. A experiência da maternidade mudou algo na sua relação com o trabalho e a carreira?
Minhas prioridades mudaram. A Fernanda de antes da maternidade queria fazer tudo que aparecesse, achava um absurdo negar trabalho. Depois, entendi que, para entregar o melhor de mim, preciso dosar a energia e escolher aquilo que vou conseguir fazer bem, sem ultrapassar o meu limite.
Também sinto que a minha maneira de entender os personagens e os textos mudou. Como mãe, eu tenho que estar sempre preparada para entender o que o meu filho não sabe expressar, porque sou uma intérprete do mundo para ele. Isso fez com que o subtexto das obras ficasse mais evidente para mim. É mais fácil perceber aquilo que está sendo dito, mas não está escrito, como a criança que ainda não sabe expressar exatamente o que sente.
Nesse período longe das novelas, em algum momento você teve medo de não conseguir se recolocar? Essa é a preocupação de muitas mulheres que pausam a carreira para viver a maternidade.
Sim. Eu não tinha uma referência de criança pequena na família. Então, quando o Romeo nasceu, não tinha ideia do que estava por vir. Achava que voltaria rápido, que ele completaria seis meses e conseguiria voltar. Mas percebi o quão difícil seria isso para mim.
Sofri bastante por não trabalhar, pois adoro o meu trabalho; mas entendi que sofreria muito mais se ficasse distante dele. Tive medo de não conseguir retomar a profissão, mas tive mais medo de faltar com o meu filho.
O que lhe ajudou a entender que precisava parar e respeitar o tempo do momento que estava vivendo?
A terapia me ajudou a ver que cada um tem um limite e um ritmo; que não existe o certo e o errado, existe o que faz sentido para a gente.
Para além da terapia, que estratégias fazem parte da sua rotina de autocuidado?
Para cuidar do corpo, faço natação e caminhada. Para cuidar da mente, tento respeitar o meu limite nas situações. Não ultrapassar o meu limite é um presente de autocuidado que me dou.
Essa é uma premissa que você sempre teve?
Fui aprendendo com o amadurecimento e também com a chegada do Romeo. A minha energia está voltada para o trabalho, que exige bastante de mim, e para os cuidados com ele. Tudo o que vai além disso, tenho que colocar na balança, para ver se vale a pena.

Você comentou que nunca havia acompanhado de perto uma criança pequena. Como tem sido acompanhar o processo de crescimento do Romeo? Ver as descobertas, os aprendizados e a personalidade dele se formando?
Tem sido um desafio, porque é tudo muito novo para mim. Em tudo o que é novo, tento ir com cuidado. Ao mesmo tempo, venho me redescobrindo e me reconhecendo. Com uma criança, a gente aprende a alargar a nossa paciência e o nosso amor. Estou nesse momento de expansão, aprendendo com o Romeo, inclusive, sobre quem eu sou. Aprendo muitas coisas sobre mim através dele.
O que você já aprendeu?
A minha tolerância à dor, quando o amamentei, e a minha resistência ao sono, nas noites em claro de madrugada. Ou, ainda, aprendendo a alargar a paciência para explicar as coisas para ele. A criança não tem noção de tempo, quer tudo na hora. Aprendi a explicar para ele como as coisas se dão.
Com a novela, imagino que a sua rotina de trabalho está muito mais intensa. Como tem sido, na prática, conciliar essa demanda e os cuidados com ele?
Romeo tem um pai muito presente. Cassio é um grande companheiro e um grande pai, então, ele tem me ajudado com essa rotina. Também conto com o apoio dos meus pais e da Joana, que é o meu braço direito em casa. Isso é muito importante para que eu consiga sair para trabalhar tranquila, com o coração em paz. Claro que, às vezes, dou uma choradinha, mas sei que ele está seguro e amado.
O seu retorno às novelas veio acompanhado de um novo visual, com cabelo curtinho, bem diferente de como estávamos acostumados a vê-la. Como você lida com essas mudanças?
Eu adoro, não tenho nenhuma resistência quanto a isso. Foi uma proposta da chefe de caracterização e do diretor geral artístico da novela. Eles me apresentaram o perfil da personagem e adorei a ideia do cabelo, porque tem tudo a ver com a Samira: é prático para ela, que é uma chef de cozinha, e combina com o seu estilo de vida.
Para mim, também está sendo maravilhoso. Com criança pequena, o cabelo curto é bem mais prático. Ao contrário do cabelo grande, que atrapalhava na hora do banho e das brincadeiras.
Nas redes sociais, muitas pessoas comentam que o tempo não passa para você, pois está sempre jovial. Você concorda? Como encara a ideia de envelhecer?
Me sinto jovem. A parte ruim de envelhecer é lidar com as perdas: das pessoas que você ama e do colágeno (risos). Mas, conforme você amadurece, também se conhece mais. O que antes era desconfortável, começa a ser eliminado da sua vida, e você passa a priorizar o que faz sentido. Então, há o ônus e o bônus.
A Vida da Gente, uma das novelas mais marcantes da sua carreira, foi ambientada no Rio Grande do Sul. Que lembranças você tem desse período?
Foi muito gostoso. Essa novela foi muito importante para mim, e a viagem ao Rio Grande do Sul também. Lembro muito do chocolate. Era uma "guerra", porque queria comer todo o chocolate desse lugar (risos). Tenho uma relação de carinho e gratidão com o Estado. É um lugar onde fui muito feliz, em uma época da qual tenho orgulho.
Ainda hoje, as suas cenas de A Vida da Gente mobilizam o público nas redes sociais. Como você recebe esse carinho, mesmo tantos anos depois?
É muito curioso, mas gosto de ver esse trabalho ainda repercutindo, porque o texto da Lícia Manzo era muito profundo. Isso é a prova de que a junção de um bom texto, uma boa direção e o trabalho de atores comprometidos reverbera de forma atemporal.

Espera despertar essa mesma comoção com a Samira?
Adoraria. Estou fazendo de tudo, estudando e dando o melhor de mim para fazer valer a pena. Também estou me preparando para ser odiada pelo público. Mas estou gostando muito da novela, tanto que assisto todos os dias.
Além da novela, você está com algum outro projeto em vista?
Não tenho nem condições (risos). Estou com os projetos da minha vida, a novela e o meu filho. Existo plenamente trabalhando, assim como existo plenamente sendo mãe. Por isso, não consigo fazer outra coisa. Não me faria bem e eu não faria bem.