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De protagonista a figurante

"O teatro é feito de momentos que passam e não voltam", diz Mateus Solano, que apresenta "O Figurante" em Porto Alegre

Em entrevista, ator fala sobre a criação da peça e o episódio recente envolvendo o uso de celular na plateia do espetáculo

14/11/2025 - 18h29min


Michele Vaz Pradella
Michele Vaz Pradella
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Dalton Valerio/Divulgação
"Estar sozinho em cena pela primeira vez tem sido mágico em muitos sentidos", diz o ator sobre o monólogo.

Ele já foi gêmeos, vilão carismático e até o icônico Zé Bonitinho na Escolinha do Professor Raimundo. Depois de tantos papéis marcantes na telinha, Mateus Solano decidiu ser figurante. É essa a persona que o ator incorpora nos palcos na peça O Figurante, escrita em parceria com Miguel Thiré e Isabel Teixeira.

Pela primeira vez em cena com um monólogo, Mateus se apresenta no Teatro do Bourbon Country nesta sexta-feira (14) e sábado (15), às 21h. Ingressos estão disponíveis no site da Uhuu

Em entrevista, ele fala sobre a criação da peça, a importância do teatro em sua carreira e o episódio recente envolvendo o uso de celular na plateia do espetáculo.

Confira a entrevista com Mateus Solano

Como surgiu a ideia do texto de O Figurante? Essa parceria com Miguel Thiré e Isabel Teixeira, fluiu bem durante o processo de criação?

A ideia do texto surgiu da minha vontade de fazer um monólogo e de querer colocar em cena algumas questões que me são caras, dentro do que a gente vem vivendo hoje em dia. Já tinha um argumento de falar de um figurante que se sentia protagonista, mas foi a partir do processo de Escrita na Cena da Isabel Teixeira que o texto foi aparecendo, surgindo através de improvisações, do meu inconsciente, e foi sendo posteriormente costurado por mim e, principalmente, pelo diretor Miguel Thiré.

Sua parceria com Isabel ficou nítida em Elas por Elas, tanto na novela quanto por trás das câmeras. Foi a partir dali que surgiu a semente de O Figurante?

Sim, minha parceria com a Isabel Teixeira na novela virou uma grande amizade e também virou uma grande companheira de trabalho. Eu não conhecia a Isabel, porque sou do teatro do Rio, ela é do teatro de São Paulo.

Não a tinha visto em cena, mas é uma grande atriz, mas também diretora e autora desse processo de Escrita na Cena que achei, quando a gente conversou durante a novela, que era perfeito para conseguir tirar o texto de dentro de mim, digamos assim. O encontro com a Isabel foi um catalisador para essa ideia de um monólogo que eu já tinha, mesmo antes de conhecê-la.

Antes da fama, você teve experiência como figurante na televisão? Como foi essa experiência?

Eu nunca fui figurante, mas sempre trabalhei muito com os figurantes e, inclusive, houve um figurante muito especial, o Augusto, a quem faço uma homenagem nessa peça. Era um figurante muito querido e que estava em todas, e foi uma grande inspiração também.

É sua primeira vez sozinho em cena. Como tem sido essa experiência?

Estar sozinho em cena pela primeira vez tem sido mágico em muitos sentidos. Primeiro, porque aquela história da solidão é uma bobagem: não existe solidão, não se faz teatro sozinho. Tenho uma equipe muito querida que viaja comigo para todos os cantos e para todos os teatros, e com quem sinto que faço, que conto a peça para o público junto, a cada dia.

É também uma oportunidade de crescimento profissional gigantesca, porque costumo dizer que não tem como eu fugir de mim mesmo, das minhas limitações, dos meus padrões, que tenho sempre interesse em transformar.

A peça tem sido uma grande oportunidade de crescimento profissional, e tem sido um retorno muito querido do público em todos os lugares — do público como um todo e dos indivíduos, de cada um no público que se vê ali retratado de alguma forma pelo Augusto, pelo figurante.

O teatro é visto como algo fundamental na vida dos atores, principalmente pelo contato direto com o público. O que você leva da experiência no palco para seus outros trabalhos, como em novelas e filmes?

Costumo dizer que sempre levo o teatro para todos os lugares em que vou interpretar um personagem. Primeiro, porque sou muito teatral, já sou uma pessoa expansiva. O  teatro é a casa do ator, é onde expandimos os nossos limites, é onde exercemos a nossa criatividade fora da caixa. Para termos personagens potentes e que, de alguma forma, saem para fora da tela, numa novela ou num filme, precisamos ter essa energia que o teatro tão bem desenvolve para os personagens das telas também.

O acesso ao teatro, infelizmente, está distante da realidade da maioria dos brasileiros. Como você acha que políticas públicas e de incentivo à cultura podem levar mais gente aos espetáculos?

Concordo que o acesso ao teatro é, historicamente, elitista. Porque o teatro está aí para balançar, para sacudir, para fazer pensar, e temos um país e um governo que, historicamente, é bem questionável. Portanto, não quer ser questionado pela cultura, e o pouco incentivo que tem é demonizado por uma parcela da sociedade polarizada. Falta muito incentivo público e privado. 

Vemos empresas que, ao invés de pagarem imposto, passam esse dinheiro para a cultura, mas querem que a sua logomarca esteja gigantesca no cartaz, querem fazer parte da própria identidade do espetáculo. Isso tudo é empobrecedor para o teatro. Infelizmente, não dá para viver e para pagar tudo com a bilheteria. 

Falta muito incentivo para que tenhamos a população brasileira nas plateias dos teatros, e não só a elite, mas todo mundo. Para que tenhamos, aí sim, uma cultura teatral à altura do país em que a gente vive, da nossa nação, da nossa cultura. Não adianta ter bons espetáculos se não tem um público diverso também.

Viralizou recentemente um vídeo em que você se irrita com uma pessoa que está filmando a peça. Até que ponto esse tipo de situação atrapalha o andamento do espetáculo?

Quanto ao vídeo que viralizou, sim, o celular atrapalha enormemente o espetáculo. Atrapalha quem está no palco, atrapalha quem está na plateia também assistindo, nos tira espetáculo, tira o momento presente daquela história que está sendo contada. Claro que vou retomar o espetáculo, mas aquele momento já não aconteceu. Aquele momento todas as pessoas na plateia perderam, porque tive que interromper o espetáculo. O teatro é feito de momentos que passam e que não voltam.

Realmente, na minha opinião, é grave parar um espetáculo por qualquer motivo que seja. A luz de um celular é um motivo mais do que suficiente, principalmente depois de pedirmos quatro, cinco vezes para que se desligue o celular. Mas creio que isso também é uma oportunidade para perceber o quão dominados nós estamos por essa tecnologia. Afinal, quem é que você leva para o teatro? É você ou é o seu celular? E, na sua vida, quem é o protagonista? Você ou ele?

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