Entrevista
Vitor Kley se apresenta em Porto Alegre e reflete sobre a perda do pai: "Ele está por tudo, se tornou infinito"
Cantor reencontra o público gaúcho neste sábado, no Araújo Vianna



Vitor Kley terá uma noite de reencontros neste sábado: retorna a Porto Alegre e revê o público que o acompanha desde que O Sol virou sucesso nacional. O artista apresenta a partir das 21h, no Auditório Araújo Vianna, seu mais recente álbum, As Pequenas Grandes Coisas. Em clima de reflexões e mensagens positivas, o EP lançado em abril traz também uma homenagem ao pai, Ivan Kley, que faleceu no mesmo mês, aos 66 anos, vítima de tromboembolismo pulmonar. Em entrevista, o cantor falou sobre essa fase mais introspectiva de sua vida e carreira, o processo de luto e a emoção de voltar a sua cidade natal.
Você diz que este álbum “nasceu de um olhar mais sensível para o dia a dia, para o que realmente importa”. Poderia nos contar um momento simples da sua rotina que acabou virando inspiração para uma das músicas?
Nesse álbum eu fiquei muito sensível às coisas simples da vida, digamos assim, simples e grandiosas. As pequenas grandes coisas da vida. Uma das coisas que mais me pega é o acordar, o perceber que eu tô vivo, perceber que eu tenho saúde, perceber que eu tenho uma vida para viver, que eu posso caminhar da minha cama até a cozinha, preparar um café, ouvir os passarinhos cantarem, que tem ali o verde do mato logo à frente, que tem vida pela frente. Isso é muito bonito, esse sentimento de plenitude. Acho que essa seria a principal inspiração de tudo isso, a gente perceber que a vida é um presente que a gente tem na mão.
Em Porto Alegre você fará um show na sua terra natal. O que significa retornar à cidade para essa nova fase?
Voltar para Porto Alegre é uma das coisas que eu queria muito que acontecesse nesse álbum, porque esse álbum fala das pequenas grandes coisas da minha vida. E eu nasci aí, meus amigos estão aí, minha família está aí, eu joguei torneio de tênis aí, meu pai (que foi um dos principais nomes do tênis brasileiro) jogou torneios incríveis aí, vivi histórias maravilhosas com ele aí em Porto Alegre. Já toquei aí, mas é sempre especial, sempre quando vai chegando perto a gente fica com aquele friozinho bom na barriga. Tocar em Porto Alegre, tocar em Novo Hamburgo, nos lugares que a minha história começou.
Você escreveu uma faixa dedicada a seu pai (Vai Por Mim). O que essa música representa para você, e como esse processo de luto e homenagem atravessa o álbum?
Essa música é a mais poderosa que eu já escrevi, sabe? É a música mais bonita, a música mais sincera. Todas são, mas essa, depois do que aconteceu... Eu tinha escrito ela em 2018 e ela entrou no álbum com o pai vivo ainda, quando a gente estava ainda no processo do álbum. E de repente, antes de finalizar e de masterizar a música e deixar tudo pronto pro lançamento, ele vem a falecer no dia 3 de abril. De certa forma isso é também uma força, um poder para essa música, um poder para as pessoas que passam por uma doença como o meu pai teve, que foi a depressão. E eu vejo que é uma homenagem merecida que eu vou fazer até o fim da minha vida para ele. Sempre que eu canto eu lembro dele. Hoje eu sinto ele muito mais perto, e as coisas vão se ressignificando. Quando eu canto essa música eu vejo que ele está do meu lado me dando um abraço. E agora ele é onipresente, agora ele está por tudo, se tornou infinito. É uma das grandes coisas da minha vida, tanto de tristeza quanto de força.
O Sol se tornou um verdadeiro hino e mudou sua vida. Hoje, anos depois, como é cantar essa música sabendo o tamanho que ela tomou?
O Sol é, como eu falei, do meu pai, ela é infinita. Eu canto ela, claro, e a energia vai mudando. Eu acho que, quando a gente está no começo, é aquela coisa de euforia. Porque a primeira vez que tu vê todo mundo cantando, tu fica meio: “caraca, que loucura, quanta gente cantando”. Aí, depois, ela vai se transformando numa coisa de: “aconteceu, ela tá consolidada, todo mundo conhece, todo mundo é feliz”. Cada pessoa pegou essa música e criou um significado para ela. Isso é muito legal. É uma música que eu nunca vou cansar de cantar. No show, é especial demais, é muito forte, o momento em que todo mundo vira um só.
No novo álbum você já projeta algum hit que possa se aproximar do sucesso de O Sol?
Olha, sendo sincero, não sei se existe mais hit, viu? Pelo menos não por enquanto, sabe? Eu não lembro de um último hit, assim, bem recente. Eu acho que tudo se torna muito viral hoje. São coisas que vêm e vão, que se tornam grandes e de repente já passam. Ainda na época de O Sol acontecia esse fenômeno do hit. As músicas ficavam, tocavam na rádio, ficavam na televisão. Hoje, eu acho que transformou um pouco esse lance do mercado musical. Nesse álbum, eu nem pensei nisso, acho que até por se tratar de As Pequenas Grandes Coisas, eu acho que o objetivo não era isso, não era “hitar”. É levar algo para o coração das pessoas mesmo. Chegando no coração de quem ouvir e batendo do jeito que tem que bater, fazendo as pessoas olharem a vida com olhos mais bonitos, eu acho que isso é o hit.
Em que sentido essa pausa na carreira te modificou como pessoa e como artista?
Na verdade, eu fiquei um tempo sem lançar por questões burocráticas. Saí da gravadora, me tornei artista independente. Parei também para produzir o álbum, para organizar todo o conceito de As Pequenas Grandes Coisas. E deixar também que a inspiração batesse em mim. Ela vem de acordo com o que a gente vai vivendo, numa madrugada, num final de tarde, numa manhã com o sol nascendo... Então, eu estava esperando chegar esse momento, esse arco-íris aparecer para mim. Caminhar por ele na busca desse pote de ouro que é esse álbum. Essa pausa foi muito necessária para isso, para que eu entendesse o que eu queria dizer nesse álbum, o que eu queria passar para o mundo. Eu sinto que eu sou um cara muito mais maduro, mais certo das energias que eu quero andar, das pessoas que eu quero andar, das coisas que eu quero fazer, do orgulho que eu quero ter da minha carreira e das músicas, e da minha pessoa também, sabe?
Suas músicas têm em comum a energia leve e otimista. Isso é algo natural para você?
É uma coisa muito natural, da minha família e da minha vivência, minha ligação também com o surf, com a natureza, com todas as tribos. Eu sou amigo de todo mundo, gosto de conhecer pessoas que são diferentes de mim e que pensam diferente, que se vestem diferente, e respeito todo mundo. Minha mãe e meu pai sempre me ensinaram a ser assim. E claro, também acho que com a leitura, com meus professores da vida, as pessoas a que eu fui me unindo, foram me levando a evoluir esse lado mais leve, otimista. Os desafios existem, a gente tem que olhar para frente e acreditar que tem um céu azul nos esperando, um lugar ao sol.

No novo álbum, você aparece lado a lado de sua versão criança. O que o Vitor de hoje diria para o pequeno Vitor?
“Fica tranquilo e aproveita a caminhada, porque o caminho é muito bonito”. E claro, esse Vitor pequeno, ele não ia acreditar no Vitor grande e ia falar: “velho, não, como assim, cara? Eu quero que as coisas aconteçam”. E aí o Vitor grande ia olhar para ele e falar: “meu, olha para mim, olha para mim, confia, acredita e confia no caminho, se diverte”. Porque é isso, sabe? É sobre aproveitar cada segundo, cada instante, como disse o professor Clóvis de Barros, que fez o feat na música do meu pai. Façamos de modo a viver instantes. Instantes tão preciosos, tão mágicos que queremos que se repitam eternamente. É viver a plenitude. Que a minha criança interior nunca se vá, esteja sempre aqui, sorrindo, pulando, jogando bola, jogando tênis, surfando, tocando violão, porque é a nossa essência, é a coisa mais pura que a gente tem. E que a gente não deixe isso ir embora, nem se intoxicar demais com esse mundo veloz que a gente vive.