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Sertanejo, funk, pagode? Descubra os gêneros que dominaram o Spotify Brasil nos últimos 10 anos

Nem Bad Bunny nem Lady Gaga: a música nacional é a preferida dos ouvintes brasileiros, como mostram dados da plataforma de áudio

15/12/2025 - 10h38min


William Mansque
William Mansque
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Caio Graça/Divulgação
Representando a força do sertanejo, Henrique & Juliano foram os artistas mais ouvidos no Spotify no Brasil neste ano.

O porto-riquenho Bad Bunny foi o artista mais ouvido do mundo no Spotify em 2025. Die With a Smile, parceria entre Lady Gaga e Bruno Mars, foi a música mais executada ao redor do globo na plataforma de streaming. Só que no Brasil foi diferente. Bem diferente.

De acordo com a retrospectiva divulgada pela empresa no dia 3 de dezembro, a dupla sertaneja Henrique & Juliano liderou o ranking de artistas mais ouvidos pelos usuários brasileiros. Tubarões — Ao Vivo, de Diego & Victor Hugo, foi a canção mais reproduzida na plataforma no país. Nem Bad Bunny nem Die With a Smile apareceram no top 10 de suas categorias por aqui.

O resultado não é muito diferente nas listas de outras plataformas, como a Deezer. A dupla Henrique & Juliano também está no topo do ranking de artistas do serviço de streaming, enquanto Coração Partido (Corazón Partío), do Grupo Menos É Mais, é a música mais ouvida — ao menos neste caso, Die With a Smile entra no top 10, na sétima posição.

Domínio do sertanejo

Como o Spotify é a plataforma que lidera o setor no país, com 60,7% de participação de mercado, segundo estudo da Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima), as canções, os artistas e os gêneros com mais execuções podem indicar algumas especificidades no cenário brasileiro.

Observando as cinco músicas e os cinco artistas com mais reproduções na plataforma nos últimos 10 anos (veja gráficos abaixo), o domínio brasileiro é predominante desde 2018.

Nomes estrangeiros comandaram a lista de músicas em 2015 e eram maioria entre os artistas. Nos dois anos seguintes, 2016 e 2017, o pop internacional ainda reinou entre as músicas, mas perdeu força desde então. 

Em paralelo, o sertanejo se estabeleceu como o motor do streaming no país. De 2019 a 2023, o gênero dominou o top 5 de músicas e artistas, atingindo 100% nas duas categorias em 2020.

Embora continue predominante em todas as listas, o domínio do sertanejo foi sacudido pela ascensão do funk a partir de 2024. 

Por sua vez, o top 5 de músicas tem sido mais volátil e aberto a hits de outros gêneros, como o trap (em 2022) e o pagode (em 2025). Ao mesmo tempo, é possível perceber a capacidade do público brasileiro de impulsionar rapidamente novos subgêneros regionais (como o piseiro) ao topo das paradas.

Profissionalização do funk

No caso do funk, há uma organicidade forte da distribuição, como sublinha Mario Arruda, professor do curso de Produção Fonográfica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Ele destaca que produtores compartilham suas músicas em grupos específicos, em playlists do YouTube e em outros canais. Consequente, muitas vezes as músicas virais fazem sucesso antes mesmo de chegarem às plataformas de streaming.

— Por outro lado, o funk mais mainstream tem um método de produção profissional, com lógicas industriais. Grandes produtoras criam uma vasta quantidade de músicas, numa velocidade intensa, misturando artistas novos e consagrados, com beatmakers muito atentos às tendências da cultura — completa Arruda.

Sobre a profissionalização do funk, Daniel Neves, presidente da Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima), respalda:

— O funk se tornou uma música muito desenhada, feita para circular rápido, performar nas redes com melodias e refrões muito claros e repetitivos.

Consumo nacionalizado e concentrado

Dani Ribas, coordenadora do Instituto Associação Brasileira de Música e Artes (Instituto Abramus) e diretora da Sonar Cultural Consultoria, ressalta que essas listas de execuções indicam que o consumo musical no Brasil está cada vez mais nacionalizado, concentrado em poucos gêneros de grande escala — sertanejo, funk, pagode e piseiro — e em um grupo relativamente restrito de artistas que atravessam vários anos no topo.

Dani ressalta que os dados trazem um pedaço importante do quebra-cabeça, mas não o quadro completo da diversidade musical brasileira:

— É importante lembrar que essas listas falam do que é mais tocado no Spotify, não do gosto dos brasileiros em geral.

Em sua análise, os dados são resultado da mistura de três fatores: o gosto do público, as estratégias da indústria (investimento em marketing, parcerias, lançamentos pensados para performar nas plataformas) e os vieses dos algoritmos e das playlists editoriais.

— A forma como o Spotify recomenda faixas, organiza rankings e negocia visibilidade influencia diretamente quais artistas vão acumular mais streams. E a lógica do "quem já é grande, cresce mais" tende a se reforçar — observa Dani.

Entendendo o algoritmo

Arruda, da Unisinos, afirma que as plataformas de streaming distribuem aquilo que os usuários dão indícios de gostar ou já ter gostado. Segundo o pesquisador, as músicas que são ouvidas por mais de 30 segundos e que têm um gênero musical bem claro acabam sendo mais bem distribuídas.

— As músicas que lembram outras músicas e que entregam isso rapidamente funcionam melhor. Os produtores pop mais atentos do mercado sabem dessas lógicas algorítmicas e produzem as músicas lembrando disso — diz Arruda.

O modelo de negócio do sertanejo

Vanessa Valiati, professora e pesquisadora dos programas de pós-graduação em Processos e Manifestações Culturais e Indústria Criativa da Universidade Feevale, observa que a audiência está mais fragmentada e distribuída entre diversas plataformas, o que intensifica a competição pela atenção do público.

Ela acrescenta que é importante destacar a capacidade de adaptação às transformações do ambiente digital, algo evidente ao se observar o fluxo de conteúdo em plataformas como TikTok e Instagram, nas quais muitos hits ganham projeção antes mesmo de chegarem ao streaming, impulsionados por desafios e tendências.

— Há diversos fatores estruturais que ajudam a explicar a permanência e a presença constante do sertanejo nas plataformas. O gênero tem um modelo de negócios próprio, com forte investimento em marketing, turnês e uma base de público ampla e intergeracional, reflexo de sua importância histórica na cultura brasileira, o que contribui para que a música circule em muitos espaços — pondera Vanessa. — Soma-se a isso o investimento em colaborações e na fusão com novos ritmos e subgêneros, estratégias que visam alcançar novas audiências.

Fábrica de hits

Arruda complementa que o sertanejo tem uma lógica de produção em larga escala, citando como exemplo as "casas de compositores" e os campings de criação:

— Existe uma vasta força de trabalho, produzindo muitas canções anualmente. No polo dos artistas e seus produtores musicais, há também uma grande peneira, escolhendo apenas as músicas que supostamente sejam as melhores para serem de fato gravadas. Dessa forma, existe uma fábrica de hits nesse gênero.

Para Daniel Neves, da Anafima, o sertanejo fala aquilo que as pessoas sentem, com uma linguagem popular, o que pode resultar em um apelo refletido nas paradas musicais. Ele descreve como "piramidal" o sistema de manutenção do gênero:

Um artista puxa o outro, que puxa o outro, e assim por diante. Isso rejuvenesce demais o estilo. O sertanejo provê tudo isso, desde aquele cantor peso ouro, como os mais antigos, até aquele que se comunica com a geração Y. Portanto, é um gênero que não perde o espaço.

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