Drama real
Qual é o problema de ser gordinho?
Perséfone, personagem de Fabiana Karla em Amor à Vida, é discriminada por colegas e pela família do namorado

Em um mundo em que as aparências contam cada vez mais, quem sai dos padrões pode sofrer na pele as consequências. Que o diga Perséfone (Fabiana Karla), de Amor à Vida, uma gordinha que, desde o início da novela das nove, é esculachada por colegas de trabalho, por conhecidos e, mais recentemente, até pela família do amado, Daniel (Rodrigo Andrade).
Quem está muito acima do peso já deve ter passado por alguma das situações que a psicóloga Denise Bystronski, do Centro da Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital São Lucas da Puc-RS, define como microviolências: um olhar enviesado no ônibus, um comentário nem tão discreto entre vendedoras de loja, um risinho debochado no restaurante.
- São inúmeras situações como estas no dia a dia dos obesos. De certa forma, as pessoas sentem-se no direito de comentar, de invadir a vida e os hábitos de quem está acima do peso. Ainda mais hoje em dia, quando todos são tão ligados ao visual. A figura do obeso torna-se até agressiva para os outros - comenta Denise.
Diferentemente dos negros e dos homossexuais, só para citar outros grupos que sofrem com o preconceito, os gordos não têm legislação específica nem ideologia ou grupo de ativistas que os protejam. A figura do obeso é associada à preguiça e ao relaxamento. O pensamento comum é de que são assim porque querem. Mas não é tão simples.
- O gordo se sente sem lugar no mundo, fica deprimido. Se cuidar para emagrecer exige um esforço enorme, mas falta força de vontade. E a gratificação oral (comer) é, no caso deles, a principal fonte de defesa contra o sofrimento - explica a psicóloga Denise.
Um direito que deve ser respeitado
E como sair desta bola de neve? Denise salienta que o ideal da magreza é uma questão social da humanidade sem perspectivas de mudança. Logo, como não dá para mudar o mundo, a mudança tem que ser interna:
- Uma das coisas mais difíceis para o obeso é assumir que estas agressões diárias causam sofrimento e que ele tem o direito de achar isso ruim, de ser respeitado e de poder indignar-se com isso. O obeso precisa entender que vale a pena se cuidar. E, a partir daí, decidir se quer emagrecer.
Walcyr quer fazer um alerta
As trapalhadas de Perséfone para perder a virgindade são questionadas por gordinhos que não concordam com a abordagem debochada de Walcyr Carrasco. No site http://www.change.org/pt-BR, no qual é possível criar abaixo-assinado sobre qualquer assunto, há um endereçado ao autor, solicitando que ele pare de relacionar virgindade com obesidade de forma ridícula. Tem quase 4 mil assinaturas.
Em resposta às críticas, Walcyr divulgou uma carta aberta, explicando que é gordinho e já sentiu preconceito. Na sua opinião, os gordos são mais discriminados do que os negros, e o objetivo de Perséfone é alertar sobre isto.
"O que vale é o amor, o respeito"
Um dos galãs de Amor à Vida, Rodrigo Andrade vive na ficção um tipo de paixão que desafia padrões. O relacionamento entre o fisioterapeuta Daniel - de porte atlético e boa-pinta - com a enfermeira Perséfone - gordinha, sedentária e virgem - não demorou a gerar polêmica e burburinhos exalando preconceito. Num dos pontos de encontro entre ator e personagem, Rodrigo defende o conteúdo, e não tão somente a embalagem, como requisito fundamental ao amor.
- Eu namorei poucas vezes, nunca rolou com uma gordinha. Mas já fiquei. Para mim, não é um problema. Não posso ser hipócrita e dizer que não presto atenção no físico, mas o que fica mesmo é o conteúdo - reforça Rodrigo.
O ator revela ter vivido uma situação parecida com a do fisioterapeuta:
- Na balada, escolho as mulheres mais bonitas do meu ponto de vista. Mas já aconteceu de eu ficar com alguma não tão bonita e me apaixonar. Vieram falar comigo: "nossa, você já pegou tanta mulher mais bonita...". Mas o que vale é o amor, o respeito.
Indignação com a novela
- O preconceito existe de verdade. Com 99% dos gordos, o que faz engordar é o lado emocional. Quando estou gordo, a autoestima baixa e, se estou ansioso, como. Comparo a obesidade ao alcoolismo, é uma doença que tem de ser tratada, não acusada. Na novela, Walcyr Carrasco está hostilizando a figura do gordo. Em vez de ajudar a reduzir o preconceito, está reforçando. Muitas vezes, as situações da Perséfone me agridem, falta sensibilidade.
Fábio Verçoza, Rei Momo de Porto Alegre
- As situações de discriminação existem, mas sempre digo que, se a gente não se valorizar, os outros não vão fazer isto. Vejo que a maioria dos gordos não se aceita, acho que é por isso que há tanta crítica e que fica por isso mesmo. Foi por este motivo que quis participar do Miss Plus Size, para mostrar que não é preciso ter um corpo escultural para representar o Estado. As situações pelas quais a Perséfone passa me indignam. A gozação e o vexatório, a coisa de ligar a obesidade à virgindade, nada me agrada.
Ariane Plangg, Miss Rio Grande do Sul Plus Size 2014
Diz a Justiça
- Embora não haja legislação específica dirigida aos obesos, o gordinho que foi discriminado ou ofendido tem maneiras de buscar reparação, conforme diz Cláudio Brito, comentarista de assuntos jurídicos do Grupo RBS. São elas:
- Crime de injúria: se o gordinho teve a sua dignidade ofendida, pode processar o agressor por injúria. A pena é a detenção de um a seis meses ou multa.
- Danos morais: reparação financeira por ter sofrido prejuízo moral.
- Assédio moral: quando a discriminação ocorre no ambiente de trabalho, colocando em risco a saúde física ou psiquiátrica do empregado. A pena é a detenção de um a dois anos.