O Povo da Copa
Argentinos movidos por uma paixão: a seleção de Messi
Mesmo sem ingresso garantido, dormindo em carros e à base do improviso, muitos invadiram Porto Alegre para torcer pelo seu futebol
Eles montaram hotéis nos próprios carros, improvisaram o churrasco sobre carrinho de supermercado e até dividiram quarto de motel por um banho quente. Para completar a aventura, percorreram milhares de quilômetros movidos por uma paixão capaz de unir diferentes torcidas de clubes rivais em pró de uma nação: a seleção argentina.
Mesmo sem ingresso, os hermanos invadiram Porto Alegre para acompanhar a terceira partida da turma de Messi na Copa do Mundo. Fizeram da capital gaúcha uma extensão de Buenos Aires. Dois acampamentos se formaram na área central da cidade: no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, ao lado do tradicional Acampamento Farroupilha, e no Largo Zumbi dos Palmares, na Cidade Baixa.
A estrutura vem sendo providenciada conforme a demanda. Banheiros químicos apareceram no Largo Zumbi dos Palmares. No parque, duas tendas gigantes foram instaladas pela prefeitura _ outras duas já estavam abertas mais perto do Acampamento Farroupilha. Ajudariam a proteger barracas da chuva. Um poste estava sendo colocado para garantir a energia do camping improvisado. Todo o esforço é feito para que os visitantes contem com infraestrutura mínima.
Hoje, às 13h, quando a seleção pisar no campo do Beira-Rio para encarar a Nigéria, milhares estarão pelos arredores apenas para torcer. E mostrar que estão juntos pela Argentina.
Três amigos e banho no motel
Um beliche dentro de um furgão emprestado se tornou a casa dos amigos Cristian Suarez, 32 anos, Augustin Rocha, 30 anos, e Pablo Atala, 30 anos, que saíram sem ingresso de Córdoba, no domingo, para aproveitar o clima de Copa. Chegaram na segunda-feira à tarde e ficaram mais de 12 horas percorrendo Porto Alegre à procura de um local para estacionar o veículo-casa.
- Só achamos o acampamento por volta das 3h da madrugada, com a ajuda de brasileiros. Nos sentimos em casa aqui - ressalta Pablo.
Antes, porém, eles viveram experiência que entrará para o rol das histórias curiosas, daquelas que se conta às gargalhadas mesmo décadas depois. Pagaram R$ 15 por uma hora em motel no centro da cidade, na Rua Marechal Floriano. Foi a saída para garantir um banho quente.
- Quando chegamos, a balconista ficou nos olhando sem entender. Queríamos apenas tomar um banho, mas foi uma situação engraçada - comentou, aos risos, Cristian.
- Na saída, foi ainda pior. As pessoas ficaram nos olhando quando saímos a pé do motel - completou Augustin.
A primeira aventura
Apaixonados por futebol, os aposentados Adolfo Cabral, 54 anos, e Marta Marquez, 60 anos, de Córdoba, compraram o furgão no ano passado. O objetivo: acompanhar a Argentina nesta Copa. Nos fundos do veículo, improvisaram um colchão e acoplaram um banheiro químico portátil.
Na chegada à Capital, na tarde de segunda-feira, foram direto para o acampamento no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. Mesmo sem ingresso, seguirão com a seleção argentina a partir de Porto Alegre. Se passarem, os hermanos jogarão em São Paulo.
- Paramos em Alegrete e São Gabriel antes de chegarmos aqui. Esta é a nossa primeira grande aventura. Estamos muito felizes com a hospitalidade dos brasileiros - disse Marta.
Vale tudo!
Três colegas de trabalho transformaram um Chevrolet Cruze em hotel. Estacionaram ao lado do Acampamento Farroupilha e dali partem para andar e curtir a festa na Capital. Animados com a primeira viagem em grupo, Omar Alberto Arellano, 45 anos, Victor Manuel Pereira, 37 anos, e Alejandro Amarillo, 36 anos, pediram dez dias de folga no trabalho - são colegas em um Carrefour em Buenos Aires. Só mesmo a seleção para fazer um torcedor do River (Victor) e outro do Boca (Alejandro)dividirem teto. E ainda há Omar, fanático pelo Independiente, clube conhecido como Rey de Copas, pelas sete Libertadores conquistadas.
- Esta é uma festa que não poderíamos perder. O futebol é o esporte mais importante que existe - afirmou, com convicção, Omar.
O trio chegou no final da madrugada de ontem, sem ingresso para hoje. De tão cansado, Victor colocou o colchão fora do carro e dormiu sob barraca improvisada com a bandeira azul e branco como cobertura.
- Pela Argentina, vale tudo! - garantiu Victor.
Churrasco em família
Antes mesmo de se instalar no parque, a família De Lisio tratou de preparar o churrasco que alimentaria pai, filho, neto e dois amigos, na tarde de ontem. Na brasa, frango, carne de gado e alguns salsichões. O patriarca Juan, 51 anos, era o mais animado da turma. Uma van virou hotel da trupe, cujo mascote é Joaquin, dez anos, neto de Juan.
Também sem ingressos para a partida, os cinco vieram pela festa.
- Estamos fazendo parte desta história, pois demorará para termos outra Copa na América do Sul - justificou Daniel Saganías, 33 anos, um dos amigos da família.
Sonho realizado
Na caminhonete emprestada por um irmão, Gualter Amaya, 26 anos, veio de Santa Fé com o amigo Martin Lucarino, 24 anos, para realizar o sonho de participar de uma Copa do Mundo. Ao som de cúmbia, os dois se instalaram no parque ainda no domingo e só pretendem voltar à Argentina amanhã. Planejam ainda mais uma festa pela classificação.
- Conseguimos banho quente no Acampamento Farroupilha e estamos comprando comida no supermercado. Os gaúchos nos receberam muito bem - elogiou Gualter.
O ingresso no Beira-Rio é o que menos importa para os dois.
- O que nos trouxe até aqui foi o amor pela Argentina. Não entraremos no estádio, mas estaremos aqui perto apoiando a nossa seleção - finalizou Gualter.
Novo acampamento
Enquanto uma colônia argentina se formava em meio ao barro do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, um grupo de hermanos preferiu o asfalto do Largo Zumbi dos Palmares. Entre eles, os amigos Jonatan Leoni, 28 anos, e Frederico Nunes, 29 anos, de San Nicolás de los Arroyos. Os dois, a bordo de um motorhome emprestado por um amigo, acompanharam a seleção argentina nos dois primeiros jogos _ no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Depois da partida em Porto Alegre, encaram os 1,2 mil quilômetros até Buenos Aires.
Na Capital desde segunda-feira, os dois se decidiram pelo Largo por considerarem mais seguro e perto do comércio.
- No outro acampamento há muito argentinos - brincou Jonatan.
Rapidamente, os dois fizeram amizade com os irmãos Gabriel e Gualter Diaz, de 40 e 43 anos. Com o amigo Cristian Adauto, 40 anos, os irmãos saíram de Salta.
- Deixamos mulheres e filhos em casa para aproveitar este momento único. Apesar da saudade, está valendo muito - disse Gabriel.
"Melhor viagem da minha vida"
Para sustentar a estadia de uma semana em Porto Alegre, Marcelo Gonzales, 40 anos, deixou a família em Córdoba, dormiu no carro e até vendeu bandeiras do Brasil na Capital. Ontem, bem instalado numa barraca no Largo Zumbi dos Palmares, preparava salsichão assado na churrasqueira improvisada em carrinho de supermercado. Seria o almoço dele e do companheiro de viagem, José Carvajal, 40 anos. Bastou iniciar a entrevista para outros hermanos contentes, e desconhecidos da dupla, se aproximarem. Em segundos, espocou uma festa argentina.
- Esta é a melhor viagem da minha vida - afirmou Marcelo.
Hoje, enquanto boa parte dos argentinos ficarão do lado de fora do Beira-Rio, ele estará nas arquibancadas. A venda das bandeiras brasileiras serviu para repor o dinheiro gasto com o ingresso do jogo.