O Povo da Copa
Conheça o parceiro de Felipão que virou artista plástico e pinta contra o racismo
Ney Ortiz jogou com Felipão no Juventude, no início dos anos 1980
De meia-esquerda cheio de habilidade, o ex-jogador de futebol Ney Ortiz, 59 anos, do Bairro Nonoai, em Porto Alegre, tornou-se técnico. Mas diferente do líder da Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari, ele coordena um time formado por 11 "guerreiros da arte". É assim que define o grupo de artistas plásticos que integrarão a exposição O Negro e o Racismo no Futebol, entre 23 de junho e 11 de julho, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre.
Atacando em diferentes áreas como artista plástico, Ney será curador e participante da exposição que contará com 22 pinturas, esculturas, fotos e instalações.
- Nosso objetivo é proporcionar ao público reflexão sobre as atitudes racistas de torcedores nos estádios de futebol. Nada melhor do que o período da Copa do Mundo para discutirmos o racismo - explica o artista.
"Já era um técnico"
Apaixonado por futebol, Ney conta ter sido obrigado a trocar os campos pelas telas aos 33 anos, depois de lesão no joelho esquerdo, em 1988. Antes, porém, foi colega de Jair, o príncipe Jajá, Caçapava e Falcão, no Inter, no final dos anos 1970, e de Felipão no Juventude, de Caxias do Sul, no início dos anos 1980.
- Felipão era um líder dentro de campo, apesar de ser um zagueiro de cintura dura - revela, entre risos. - Ele costumava mandar mais do que jogar. Já era um técnico - completa.
O feijão e o arroz
Mesmo sendo considerado um artista da bola na época em que jogava, Ney afirma que o gosto pela pintura e pelo teatro estão na vida dele desde a infância. Foi na escola, aos sete anos, que recorda ter sido confrontado com o racismo.
- Disse para a minha mãe que seria o feijão numa peça teatral que falava sobre a importância da alimentação. Ela sentiu-se ofendida, achando que tinham me dado o papel por ser negro. Minha mãe só entendeu o sentido do personagem depois da explicação da professora: a peça falava sobre a integração das raças, simbolizada na união do feijão, do arroz e da abobrinha, três cores que juntas se tornam alimentação mais forte - explica.
Confronto de ideias
Desde guri, Ney dedicou-se a trabalhar pela valorização do negro no Estado. Quando tornou-se artista plástico autodidata, reforçou ainda mais as raízes.
Na exposição da Câmara, as telas mostram meninos nos gramados de futebol, os campinhos de várzea, o colorido do Brasil e, até, um grafite feito por MC Dudah, que mostra um jogador chutando o racismo para bem longe.
- O racista é um covarde que não se preparou para o confronto com os negros. Não digo o confronto armado, mas o de ideias - acredita.
"O futebol me fortaleceu como ser humano"
Pergunto a Ney como a Copa do Mundo pode ajudar para o fim do racismo. Ele silencia por alguns segundos e sentencia:
- O futebol foi feito para unir. Um atleta depende do outro, independentemente de cor. É a melhor porta para discutir a questão. Um time só ganha se for unido, como Felipão costuma dizer para a Seleção.