O Povo da Copa
Camisa de futebol do Dunga pode mudar a vida de dezenas de meninos no Morro da Cruz
Shaolyn, aparador de grama, guarda a relíquia para leiloar e tocar projeto social
A camisa 8 do Internacional de 1984 tornou-se a chance para dezenas de guris da Vila Agreste, no alto do Morro da Cruz, em Porto Alegre, mudarem de vida. Pelo menos é o que sonha o aparador de grama da prefeitura da Capital Marcos Adair Lopes Pereira, 34 anos, o Shaolyn. Conquistada de forma inusitada por ele, a peça guardada como relíquia poderá virar moeda para a compra dos desejados novos uniformes do time de futebol formado no campinho da Lixa.
- Eu tinha quatro anos e estava nas costas do meu pai quando, no final de uma partida do Inter, o jogador fez um bolinho com a camiseta e a tocou para a torcida. Ela caiu sobre o meu rosto. Todos tentaram tirá-la mas, como eu estava mais alto, agarrei ela com toda a força. Guardo até hoje - revela.
Na época, pelos cálculos, a camisa pertenceria a Dunga. Shaolyn, porém, não lembra qual era o jogo e jamais soube quem era o jogador, apesar de ser fã do ex-atleta e ex-técnico da Seleção.
- Se era ele, não sei. O certo é que há dez anos ganhei umas meias do Dunga e um tchauzinho de longe depois de cortar a grama da frente da casa da família dele. Nossa, muita coincidência! - surpreende-se ao saber pela reportagem sobre o possível dono da 8.
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Leilão da camisa
A ideia é leiloar a camisa para angariar fundos. Enquanto isso não ocorre, foi do bolso de Shaolyn que saíram nesta semana os R$ 140 necessários para comprar 11 uniformes usados. O pagamento será feito em duas vezes. Detalhe: as peças de adulto serão vestidas por meninos com idades entre oito e 14 anos.
- O importante é não deixar a gurizada com a mente vazia. Só de praticar um esporte eles já ficam longe dos bebuns, dos fumantes e não estão perto do tráfico - acredita.
"O futebol resgata"
Shaolyn ainda trabalha à noite num mercadinho da Vila para completar a renda de menos de três salários mínimos. Parte dela serve ainda para comprar bolas e reformar as chuteiras achadas nos parques da cidade por onde passa cortando a grama. São estes calçados os usados pelos craques que estão se formando pelas mãos de um entusiasmado Shaolyn.
Cansado de ver o campinho pelado, como costuma dizer, o aparador pegou há quatro meses restos de mudas de gramas de uma praça e, com a ajuda dos guris, plantou no terreno. Como a esperança de Shaolyn, elas vingaram e estão se espalhando pela terra vermelha.
- O futebol resgata. Meu maior desejo é criar um campeonato com toda a gurizada e a comunidade envolvida, espalhada pelas pedras na volta do campinho, como era nos meus tempos de criança na Vila Agreste - conta.
"É o nosso Felipão!"
Por trabalhar tanto, Shaolyn só tem duas horas no sábado para treinar os meninos e as tardes de domingos para jogos. O suficiente para ver nos olhos dos guris a admiração pelo técnico improvisado.
- Ele chega na hora certa, fala firme quando precisa. É o nosso Felipão! - resume o atacante Maurício Maciel, 14 anos.