O Povo da Copa
Recicladora juntou dinheiro para construir o quarto do filho com lixo recolhido no Beira-Rio
Moradora da Lomba do Pinheiro trabalhou 45 dias juntando lixo para cooperativa de reciclagem
É um espaço com cerca de quatro metros quadrados que fará a recicladora Graziela de Arruda Alves, 32 anos, da Vila Bonsucesso, no Bairro Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, lembrar todos os dias a experiência de ter vivido de perto uma Copa do Mundo no Brasil. Para Graziela, grávida de oito meses, o legado da Copa será o quarto do primeiro filho. A obra só poderá ser feita graças aos 45 dias trabalhados no Beira-Rio.
Graziela jamais entrou em campo. Mas se empenhou com esmero para que ele e o entorno do estádio ficassem limpos durante o evento. A parceria entre o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e a Associação Nacional de Carroceiros e Catadores de Materiais Recicláveis (Ancat), com apoio da Coca-Cola, proporcionou o emprego temporário a Graziela e a outros 38 recicladores de sete cooperativas e associações da Capital e da Região Metropolitana. Uma novidade em termos de reciclagem no País, segundo Graziela, coordenadora-geral da Associação de Triagem de Resíduos Sólidos no bairro onde mora.
- Amo futebol, mas nunca pensei que faria parte daquilo tudo. Mesmo grávida, aceitei a função porque precisava do extra para fazer o quarto do bebê e terminar o enxoval - conta.
"Rotina pesada se iniciava às 4h30min"
Um galpão de reciclagem foi montado no terreno do estádio, no espaço ao lado da Rua B. Graziela e outros dois coordenadores transferiram-se para a área ainda em maio. Os demais recicladores começaram dia 14, véspera do primeiro jogo em Porto Alegre, França x Honduras.
A rotina era pesada. A recicladora acordava às 4h30min e iniciava o expediente no galpão às 7h. Sem hora para terminar. Em dias de partida, chegou a sair do Beira-Rio de madrugada, por volta da 1h30min.
- Como o Dérik chutava o tempo todo, deixei de recolher o lixo nas arquibancadas e fiquei na coordenação e na seleção do material. Parece que o meu filho sabia que a mãe estava dentro de um estádio - diverte-se Graziela.
Argentinos deixaram o estádio limpo
Da experiência, a recicladora levará mais do que os copos personalizados com as datas das partida, recolhidos do lixo e expostos como prêmio no armário da casa dividida com a mãe e irmãos. Em diário feito durante a Copa, que ela pretende compartilhar com Dérik, registrou os momentos de cansaço, as surpresas e as alegrias. A maior emoção veio em Nigéria x Argentina.
- Sabe quando tu chegas a arrepiar os cabelinhos do braço e da cabeça. Fiquei assim quando vi os argentinos gritando pela seleção deles. Foi o dia em que o estádio ficou mais limpo depois do jogo - recorda.
"Muito mais do que dinheiro"
Mas também houve momentos de revolta. Um representante do governo da Nigéria perdeu uma caneta de prata na partida contra os argentinos e exigiu que a coordenação obrigasse os recicladores a revirarem todo o lixo para encontrá-la.
- Seria como procurar uma agulha no palheiro. Nos negamos a fazer, e ele voltou para casa sem a caneta - recorda.
Nos próximos dias, Graziela deve receber seus vencimentos pelos 45 dias de trabalho. Calcula o quádruplo do que amealha em um mês.
- Viver a Copa foi muito mais do que dinheiro. Foi reconhecimento do nosso trabalho. A sociedade em geral poderia também nos valorizar um pouco mais - finaliza.
União e contrato novo
Segundo Luciano Vargas Menezes, 32 anos, um dos coordenadores do grupo de recicladores do Beira-Rio, o cálculo é de que mais de 18 mil toneladas de papel, plástico e metal tenham sido recolhidas no estádio. Ainda falta computar os números de Alemanha x Argélia. O destino do dinheiro e como será distribuído entre os trabalhadores será decidido em reunião nos próximos dias.
Luciano ressalta que houve avanços na relação entre os recicladores. A partir da experiência da Copa, se formou um grupo que atuará em grandes eventos na cidade. O primeiro contrato deve ser fechado nas próximas semanas.
- A Copa foi fundamental para unir os trabalhadores de diferentes reciclagens. O nosso legado é que nos tornamos um único grupo, estamos no mesmo barco.
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Resíduos coletados nos outros estádios da Copa
Arena Pernambuco: 14.207 toneladas
Arena Pantanal: 17.019 toneladas
Beira-Rio: 17.456 toneladas*
Arena Amazônia (até 26/6): 18.979 toneladas
Arena Baixada: 19.554 toneladas
Arena Fonte Nova**: 25.624 toneladas
Mané Garrincha*: 29.653 toneladas
Castelão**: 34.755 toneladas
Arena Corinthians**: 35.730 toneladas
Maracanã*: 39.606 toneladas
Mineirão***: 49.947 toneladas
Arena das Dunas: 51.419 toneladas
* Falta contabilizar um jogo
** Falta contabilizar dois jogos
*** Falta contabilizar três jogos
O que a reciclagem preservou nestes jogos da Copa
Água - 17.216 metros cúbicos
Areia - 14 toneladas
Árvores - 5.182 unidades
Carvão mineral - 12 toneladas
Energia - 1.446 MWh
Minério de ferro - 82 toneladas
Petróleo - 997 barris
As informações são do site www.catasigcopa.com.br