O vilão virou herói
Após vaias, Rafael Moura curte boa fase no Inter: "Paguei o preço de uma temporada ruim"
Com nove gols na temporada, He-Man balançou as redes duas vezes no Gre-Nal 400 e entrou para a história do clássico
O caminhar vagaroso, por vezes mancando, mostra que a vitória por 2 a 1 no Gre-Nal deixou marcas em Rafael Moura. Mas a felicidade parece se sobrepor à dor de He-Man. Bancado por Abel Braga entre os titulares no clássico, o primeiro jogo da final do Gauchão, o centroavante fez história. Garantiu a primeira vitória em Gre-Nais na Arena para o Inter e fez os gols da vitória no clássico 400.
Na segunda-feira após o clássico, de folga, Moura atendeu ao Diário Gaúcho após participar do programa Arena, da Sportv, na sede da RBS TV, no Morro Santa Tereza. Sorridente, revelou as palavras do técnico no intervalo do clássico de domingo e disse entender a transição do ódio ao amor da torcida por ele. Lembrou ainda das cirurgias nos tornozelos no ano passado, em que necessitou reaprender a andar. Encenou como deu os seus primeiros passos, enquanto caminhava pelos corredores da RBS TV. E disse ter fé quando perguntado sobre a possibilidade de ser paciente de nova cirurgia, desta vez no joelho direito. Um derrame articular o deixou de fora contra o Caxias e o Cruzeiro.
Às 16h, com o seu 1,88cm, Moura partiu para a segunda parte da segunda-feira de herói do clássico. Mostrou que, como bom centroavante, sabe se movimentar no espaço curto. Tirou a chave do bolso e foi em direção ao carro. Nada de uma caminhonete, proporcional ao seu 1,88m. Entrou em seu compacto Smart, para duas pessoas, e tomou o caminho do CT Parque Gigante. Precisava fazer tratamento contra o inchaço do joelho.
Diário Gaúcho - Você foi protagonista de um Gre-Nal histórico que, além de ser o 400, foi a primeira vitória do Inter na Arena. Como foi depois do jogo?
Rafael Moura - Logo que entrei no vestiário, fui direto para a maca. Comecei o tratamento. Claro que tem toda a euforia, comemoração, digna de uma vitória, da história que a gente fez na Arena. Mas já comecei logo o tratamento. O pós-jogo é sempre difícil para dormir, ainda mais se tratando de um clássico. Comigo não foi diferente.
DG - Você não conseguiu dormir? Reviu algum lance do Gre-Nal 400?
Moura - Dormi lá pela 1h30min, 2h. Mas porque estava fazendo gelo. Assisti ao Fantástico e outro programa daqui do Sul. Achei legal, usaram a figura do He-Man, com a musiquinha e o desenho. É gratificante.
DG - O Abel Braga disse que a imprensa tratava o Grêmio como favorito. Ele chegou a mostrar algum material publicado para vocês?
Moura - Não mostrou. O Abel comentou das matérias que estavam saindo. Nós também temos jornais em casa, vimos tudo. No clube, ali no nosso café, também lemos muita coisa. Vimos os palpites. Não tinha nenhum empate nem placar favorável ao Inter. Isso realmente nos motivou muito. Acabou que o Abel lembrou de tudo isso na nossa preleção.
DG - Ao final do clássico, você disse que Abel havia pedido desculpas em função de como falou com vocês no intervalo. O que exatamente ele disse?
Moura - O Abel não mudou tanto taticamente. Ele, claro, consertou a postura da equipe, abrindo o D'Ale e o Alan Patrick, e recuando o Alex. E deixou mais livre o Aránguiz. Mas o que ele falou foi que estava sendo vergonhoso, que não era aquele o time que havia treinado. Disse todos os nomes feios possíveis. Bateu na mesa. Teve a nossa cobrança mesmo, que foi muito importante. Um jogador cobrando o outro. Realmente o que a gente viu no primeiro tempo estava muito distante, um time apático, o que não havíamos sido neste ano. A gente estava muito devagar, longe um companheiro do outro.
DG - Vocês entraram em campo com uma formação diferente.
Moura - A gente vê muito que o Ramiro e o Edinho saem e são o desafogo do Grêmio. O Abel tentou neutralizar isso colocando o D'Alessandro e o Alex para marcar os dois. Mas vimos que é melhor o Ramiro e o Edinho marcarem o D'Ale e o Alex, que sobra mais espaço para outros jogadores do que realmente só fazer os nossos jogadores marcarem o adversário.
DG - Como foi a transformação do He-Man, vaiado nas primeiras rodadas e ídolo no final do Gauchão?
Moura - Acho que paguei o preço de uma temporada ruim. Não só minha, mas de todo o Inter. Em 2013, brigamos para não cair. Por isso, naquele primeiro jogo fui vaiado. Depois, não fui mais. O torcedor, acho, queria uma equipe diferente, outros jogadores e outras contratações. Foi o protesto que fizeram. Mas hoje mudou muito. Tenho o carinho e o apoio do torcedor. Eles estão comigo e fazem questão de mostrar isso. É gratificante.
DG - O que mudou no vestiário neste ano para o ano passado?
Moura - Acho que precisávamos ter alegria, confiança. Mas quanto mais você perde, mais um desconfia do outro. Em meio ao futebol, você tem a imprensa, os torcedores, tem 500 conselheiros que não participam do dia a dia do clube, mas querem dar pitaco, querem o time campeão de tudo. Essa pressão é muito grande sobre a direção. Temos ali quatro, mais o presidente, que fazem a gestão, e o treinador. Acho que a direção e a comissão suportaram muito bem a pressão porque tivemos poucas mudanças para este ano. Até agora, deu resultado.
DG - As cirurgias nos tornozelos em 2013 fizeram com precisasse reaprender a andar. Como foi este período?
Moura - Literalmente, tive de reaprender a andar. Fiquei 21 dias de cadeira de rodas. Você perde realmente os movimentos. Se tratamento de tornozelo, é o que precisa para sustentar o corpo e ficar em pé. Comecei com andador, como uma criança. Pé direito, pé esquerdo. Calcanhar, planta do pé. Todos os movimentos. Depois, um passo maior. Até chegar no salto e, depois, correr. Perdi muita mobilidade. Fiquei lento no campo. Mesmo depois, quando fiquei bom, a cabeça não estava legal. Tinha medo de, a qualquer momento, me lesionar de novo, tendo impacto, saltando. Você vê o Juarez, nosso massagista, em um salto, rompeu o tendão de Aquiles. Imagina eu, que estava com ponto, pino, com tudo? Se eu fizesse movimento brusco, poderia acontecer comigo e perderia toda a temporada. Mas neste ano tive uma pré-temporada muito boa, me fortaleci. E agora, um susto.
DG - Como lidar com o temor de, daqui um pouco, ter de encarar outra cirurgia?
Moura - Sofro com uma lesão de joelho. Tenho muita fé de que esteja curado. Mesmo mancando, sentindo dor, é mais um obstáculo para a minha vida.
DG - A dor é por causa da pancada sofrida no jogo ou o seu joelho direito não está 100% curado?
Moura - Eu já estava com dor antes do jogo. Com a movimentação no campo, aumentou. No final da partida, levei uma pancada. Esse somatório fez com que meu joelho inchasse e piorasse. Mas nada que eu não trate durante a semana e esteja pronto para o jogo do Peñarol (da reabertura do Beira-Rio). Não quero forçar, me desgastar. Até porque o mais importante é o jogo da final.
DG - Vocês conversaram sobre como será o próximo Gre-Nal?
Moura - Domingo era dia de comemorar a vitória na Arena. Fizemos um pedido e conversamos: quando acabasse a noite de domingo, a vitória já deveria ser passado. Tínhamos a obrigação de colocar o pé no chão novamente e começar a pensar a estratégia para ganhar o jogo da volta.
DG - Qual a receita para levantar a taça, talvez a primeira do remodelado Beira-Rio?
Moura - Manter a humildade. Sabemos que demos um passo grande. Mas, por experiência, em jogos de mata-mata, se entrar para empatar ou perder por 1 a 0, que é a nossa vantagem, corre grande risco de sofrer. Temos que entrar para vencer.