O Humaitá fervilha
O entorno da Arena passa por revolução
Há quem fature com lanches, comércio e até no tanque desde que o Grêmio desembarcou
O Humaitá está azul e em mutação. Atrás das cercas da Arena, a legião de operários
corre para deixar em ordem até amanhã a nova casa gremista. Fora delas, moradores do bairro encravado no extremo norte da cidade já contabilizam os ganhos que vieram com os novos vizinhos.
Algum desavisado que passasse ontem pela frente da Arena jamais desconfiaria que, em dois dias, haveria um megaespetáculo de inauguração do estádio. Operários transitavam para todos os lados dividiam espaço com retroescavadeiras, guindastes e
caminhões de concretagem. Sobre eles, poeira, muita poeira.
Pendurados em cabos de aço, funcionários da obra fixavam as últimas placas de
patrocinadores na fachada. Outros protagonizavam um entra e sai do acesso ao interior da construção. Há três meses, a rotina do auxiliar de elétrica e gremista Jonathan Carvalho da Silva, 23 anos, é trabalhar na obra das 7h30min às 19h30min.
- Tem bastante serviço. E vai ter mais ainda! - previu Jonathan.
● Até colorado foi espiar o estádio
Na calçada em frente ao estádio, um grupo se dividia para dar fim ao lixo que se amontoou no canteiro que divide a Avenida Leopoldo Brentano, o novo endereço do Grêmio em Porto Alegre. Madeiras, pedaços de plástico e aço faziam a festa de catadores do entorno. Com carroças, recolhiam o material para a reciclagem, uma das
principais atividades da comunidade do bairro.
No meio da rua, agentes da EPTC tentavam ordenar o trânsito. Micro-ônibus da produção da festa, que teve seu ensaio geral ontem, e caminhonetes atraíam o olhar de
visitantes de última hora do estádio. Todos, é claro, com máquinas fotográficas à mão.
Até um colorado arriscou-se a passar na frente da Arena. De dentro do seu Audi, conferiu a nova casa do rival.
O ritmo acelerado na obra tenta colocar em ordem seu entorno para a inauguração. Mas acabado o jogo contra o Hamburgo, operários voltam à cena no estádio. Ainda haverá muitos retoques a serem feitos até que esteja 100% pronto.
Alpinista iluminador
Enquanto a maioria trabalha sob sol e calor sufocante no Humaitá, é no refresco da
madrugada que Emerson Mello, 32 anos, entra em cena. Ele é um dos responsáveis pela iluminação da festa de inauguração. A função não é tão simples. Emerson passa a maior parte do tempo pendurado a mais de 30 metros. O curso de alpinista o habilita na missão, que cumpre há 16 anos.
Em seu currículo, há trabalhos no Estádio da Luz, casa do Benfica em Lisboa, e
nas produções da dupla sertaneja Victor & Leo.
Luis vai faturar com bandeiras
Funcionários da obra, que aos poucos se despedem do estádio, já procuraram Luis Lima, 55 anos. Todos querem levar uma das suas bandeiras como souvenir da nova casa. A bandeira tricolor, com a imagem da Arena e a inscrição "Futuro de Glórias", é a mais vendida.
A própria família de Luis é quem a confecciona. Desta vez, um estoque de 300 foi providenciado para a inauguração.
- Vivo de futebol. Conheço todo o Brasil, o Uruguai, a Argentina - contou Luis.
Há 45 anos na profissão, o vendedor, desde ontem, concentrou suas energias para a Arena. Prevê vendas em alta amanhã:
- Terá muita excursão, todos vão querer levar uma lembrança.
Comércio em efervescência
A um dia da inauguração, a economia está efervescente no entorno da Arena, no Bairro Humaitá. A abertura da nova casa gremista carrega muito mais do que as expectativas do clube e dos torcedores. Representa uma chance de mudança de vida para toda a comunidade.
Neste ano, segundo a Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (Smic), já foram emitidos 103 alvarás para novas atividades na região do Humaitá. Por todos os lados, surgem mercados, lancherias e bares novos. Muitos com uma logomarca alusiva ao Grêmio, obtida por meio de parcerias com empresas de bebidas, pintando as ruas do entorno de azul, branco e preto.
O espírito empreendedor dos novos comerciantes é o motor das transformações desta
nova vida do Humaitá, que começou em 2010, quando o Grêmio e a OAS deram início à obra. Apesar do trabalho puxado nos últimos dias, eles sonham com um futuro de casa cheia - dentro e fora da Arena.
Jorge quer ser o rei do pastel
Eles começaram vendendo 50 pasteis com o carro estacionado em uma rua próxima à Arena, visando aos operários da obra. Hoje, comercializam 200 unidades por dia, além de bolos, sanduíches e bebidas. O sucesso do negócio fez o casal Jorge Paiva, 47 anos, e Luciane Paiva, 50 anos, apostar todas as fichas no novo negócio.
Há 15 dias, eles alugaram uma casa na Avenida Padre Leopoldo Brentano, bem em frente ao estádio. Trabalham das 3h da madrugada até as 23h, atendendo a operários e a torcedores que circulam pela região.
- Estamos em busca de novos horizontes, e o Grêmio veio nos trazer essas oportunidades - comemorou o comerciante.
Para o final de semana, a expectativa é de vender, pelo menos, 700 pasteis, além de churrasquinho e outros lanches. O sonho, a médio prazo, é montar uma pastelaria com direito até a telão para transmitir os jogos.
- A gente está apostando todas as fichas - concluiu Jorge, empolgado.
Ibraíma lava e passa pra fora
Quando os trabalhadores da Arena começaram a chegar de outros Estados, Ibraíma Eibel de Mello, 47 anos, pensou:
- Eles vêm de longe, chegam aqui e não têm quem lave ou passe para eles.
Da observação à oportunidade de trabalho, foi um pulo. Ela começou a lavar e a passar as roupas dos operários. A propaganda se espalhou no infalível boca a boca. Depois que o tanque (e os braços) já não deram mais conta sozinhos, uma máquina de lavar foi
comprada para ajudar.
- Começo às 6h e fico até umas 23h, de domingo a domingo - contou. Ibraíma calcula que, todos os dias, lava cerca de 20 máquinas de roupa.
Depois, passa tudo e deixa prontinho para os clientes. As duas filhas ajudam. E se alguém pensa que, com o fim da obra, será o fim do trabalho, está enganado: Ibraíma está de olho nos novos condomínios do entorno e sonha em ampliar o negócio.
- Estou feliz porque já consegui muita coisa boa. Se vierem os apartamentos, minha esperança é aumentar o serviço - ambicionou.
Sérgio vende o tempo inteiro
O prédio, o mobiliário, as mercadorias, tudo está tinindo de novo na Padaria e Mercearia DJulia. Inaugurado há 15 dias, o estabelecimento concentra as expectativas e o trabalho de Sérgio Luís de Almeida Bueno, 55 anos, da mulher dele e das três filhas. O prédio foi erguido aos poucos, ao longo de dois anos.
- A gente não consegue parar. Se abrisse 24 horas, trabalharia as 24 horas - afirmou, satisfeito.
A correria é tamanha que Sérgio ainda não conseguiu colocar a padaria a funcionar. Por
enquanto, a mercearia e a venda de lanches, como espetinho, xis, pastel e cachorro-quente, são os carros-chefes do seu estabelecimento.
- Tudo aqui é expectativa. O que dá alegria são os moradores virem comprar, é a nossa comunidade que frequenta o nosso negócio - destacou Sérgio, líder comunitário e morador do Humaitá há 16 anos.
Fermento no Humaitá
Em 2011, a Smic concedeu 96 alvarás para atividade comercial no Humaitá, quase o dobro do emitido em 2010 (53). Neste ano, já foram liberados 103 alvarás.
O bairro hoje
População residente: 11.502 habitantes
5.322 homens
6.180 mulheres
4.165 domicílios particulares