Dupla Gre-Nal



Posição delicada

A fábrica secou: "Lateral não se compra, se forma"

Dupla GreNal enfrenta dificuldades para formar um bom lateral

12/01/2013 - 15h28min

Atualizada em: 12/01/2013 - 15h28min


Cláudio Duarte veio do meio-campo, assim como Paulo Roberto e Luís Carlos Winck

O ex-jogador, técnico e árbitro Oswaldo Rolla, o Foguinho, tinha uma máxima:

- Lateral não se compra, se forma em casa.

Pois Grêmio e Inter, que há anos têm penado pelos lados do campo, tanto na direita quanto na esquerda, esqueceram dessa lição. Desde Roger, em 1994, no Tricolor, e Luís Carlos Winck, em 1982, no Colorado, a Dupla enfrenta dificuldades para formar um bom lateral. Hora de um lado, hora de outro, a cada temporada as direções correm atrás de um nome para suprir o problema.

Normalmente, partem para a compra, o que Foguinho não acreditava ser a solução. E nem sempre tem êxito.
O Diário Gaúcho foi ouvir os treinadores dos times principais e profissionais da base da Dupla e, mais importante, jogadores que brilharam com as tradicionais camisas 2 e 6, às vezes com a 4, para tentar entender onde está a dificuldade em conseguir bons laterais.

O capitão do tri da Seleção Brasileira, Carlos Alberto Torres, os laterais colorados Winck e Cláudio Duarte e os gremistas Paulo Roberto e Roger dão os seus pitacos.

Uma aula da posição No dicionário Aurélio, lateral é o jogador cujo campo de ação é próximo à lateral. Nada mais básico. Mas uma explicação sobre a posição, quase uma aula de história do futebol, é dada pelo ex-lateral-direito do Inter, hoje treinador e comentarista, Cláudio Duarte. Claudião, como é conhecido, abandonou os campos aos 26 anos, em 1977, por conta de várias lesões no joelho direito, mas saiu do futebol como um dos melhores laterais da história do Estado. Por isso, ensina:

- Bem no começo, os laterais tinham apenas a função defensiva, com as mesmas exigências dos zagueiros. Então, um zagueiro podia atuar ali. Depois, veio a necessidade de participar da organização do jogo, então, os volantes passaram a jogar pelos lados. Assim, lembra, sem modéstia:

- Quatro dos grandes laterais que já jogaram por aqui vieram do meio. Eu e o (Luís Carlos) Winck, do Inter, o Paulo Roberto e o (Valdir) Espinosa, do Grêmio. Todos trocamos o meio pelo lado. E nos demos bem.

Time principal sofre com a falta

A dificuldade em formar laterais na base tem reflexo direto no profissional. Neste início de ano, por exemplo, o Inter começou a prétemporada sem nenhum lateral-direito. No Grêmio, as laterais também preocupam. Anderson Pico e Edílson foram escanteados, o que deixou o grupo com quatro opções: Pará, Tony, Fábio Aurélio e o jovem Alex Telles. Logo na sua apresentação como técnico colorado, Dunga alertou:

- Nós temos que dar mais oportunidade para os meninos que vêm fazer teste. Já aviso, quem tiver laterais e atacante de velocidade, pode trazer para testes. Precisamos disso. Nos próximos três anos, temos que formar esses jogadores.

Já o comandante tricolor, Vanderlei Luxemburgo, acredita que a escassez de laterais é um ciclo:

- Isso é momento. Acho que, no Brasil, os três zagueiros acabaram com o meia-esquerda e os laterais. Deixamos de formar laterais. Agora, aos poucos começamos a retomar a linha de quatro. O lateral voltará a ser lateral. Quando voltarmos ao 4-3-3, que é uma tendência mundial, haverá mais um atacante e o lateral não precisará ter tanta função ofensiva.

Molecada não quer e base não forma

Ninguém melhor do que ex-laterais para falar do problema enfrentado pela dupla Gre-Nal e por boa parte dos times do país. Claudião e Luís Carlos Winck, pelo Inter, Paulo Roberto e Roger, pelo Grêmio, são unânimes numa questão: nenhum moleque quer ser lateral.

- A garotada quer ser meia ou atacante. E não é de hoje - resume o campeão da Libertadores e do Mundial de Clubes em 1983 com o Grêmio e hoje empresário de jogadores, Paulo Roberto, para lembrar:

- Eu, era volante.

Falta trabalhar fundamentos

Depois, para ele, a maioria dos clubes não trabalha para formar laterais. Mesma opinião tem Winck, lateral colorado a partir de 1982, quando jogou pela primeira vez na esquerda, passando para a direita em seguida, e hoje treinador do Esportivo, de Bento Gonçalves.

- Pelo que noto, a base se preocupa mais com as questões táticas e muito pouco com os fundamentos. Marcação, cruzamento, essas coisas - resume o dono da camisa 2 do Inter por quase uma década.

Claudião resume:

- O que não pode é o clube montar categorias de base pensando em ganhar títulos. A base tem que existir para formar jogadores. Três na zaga mataram os laterais Roger, campeão da Libertadores, da Copa do Brasil e do Brasileirão com o Grêmio e hoje auxiliar técnico do time principal, concorda em parte.

- Na base começaram a jogar com três zagueiros para liberar os jogadores criativos do meio-campo e, com isso, passou a faltar lateral - lembra o lateralesquerdo que começou na posição por admiração ao irmão mais velho, Valter, para, depois, defender a casa:

- No Grêmio existe todo um cuidado de nos organizarmos para formar jogadores em todas as posições.

Posição não seduz a gurizada

Para ser zagueiro é preciso ter altura e aptidão para marcação. Para jogar no ataque, é indispensável saber fazer gols. Volantes e meias têm que saber marcar e sair para o jogo.

Para ser lateral é preciso tudo isso e mais um pouco. Não é à toa que os clubes brasileiros têm dificuldades para encontrar jogadores para a posição.
Essa busca incansável por laterais não é exclusividade da dupla Gre-Nal. Especialistas garantem que a escassez é no mercado nacional.

Uma das explicações para tamanha dificuldade é simples: os garotos, quando entram na base, não querem jogar pelos lados.

- Laterais têm que se formar cedo, senão terá que adaptar no futuro. Quanto mais novos, melhor - afirma o coordenador técnico da base do Grêmio, Diego Cabrera, que já passou por Inter, São José, Ulbra, Juventude e Luverdense.

Para jogar de lateral, porém, não basta querer. Algumas características são essenciais. Cabrera lista: estrutura física, estatura razoável, força, velocidade, bom passe, posicionamento, cruzamento e potencial para defender e atacar.

Se é difícil encontrar um guri com todas essas aptidões, cabe aos técnicos da base avaliar quem tem potencial para desenvolver a maioria delas.
É o mesmo pensamento do coordenador técnico dos times sub-20 e sub-23 do Inter, Luis Fernando Ortiz:

- Os treinadores têm que observar as características e moldar o jogador à função.

"Ninguém gosta de jogar ali"

Ele jogou ao lado dos maiores, como Pelé, Gérson, Tostão, Rivellino. E foi um deles. Carlos Alberto Torres, lateraldireito e capitão da Seleção Brasileira tricampeã mundial em 1970, no México, jogava com a camisa 4 e sabia tudo da posição. Assim, Capita, como ficou conhecido depois de levantar a Jules Rimet, é categórico:

- Ninguém gosta de jogar ali. Tem quem ache que é muito trabalhoso ir e voltar.
Mas o lateral revelado pelo Fluminense e com passagens pelo Santos de Pelé, Botafogo e Flamengo, também coloca uma parcela de culpa nos treinadores.

- Mas além disso é um erro dos próprios técnicos, que inventaram o tal ala, que é mais para atacante. Lateral é defensor, ponto! - vaticina.

"O problema vem lá de baixo, da base"

Para Carlos Alberto, a primeira função da posição é defender. Depois apoiar "vez que
outra":

- Sua última função é fazer uma jogada de linha de fundo. Para o Capitão do Tri o principal erro dos laterais de hoje é que pensam que são mais de ataque que de defesa.

- É um problema que vem lá de baixo, da base, e vai até o profissional - fala, para, depois,
comentar:

- Roberto Carlos (lateral-esquerdo do Penta, em 2002) é um dos últimos grandes laterais. Você nunca via ele fazendo uma jogada individual e subindo sem ser no apoio dos companheiros. Ele estava sempre atrás da linha da bola, que é como o lateral deve jogar.


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