Centenário
São José cem anos: Guardiã da memória
Não fosse o trabalho abnegado de uma aposentada de 58 anos, grande parte da memória do São José, que hoje completa cem anos, estaria perdida
Há exatos cem anos, um grupo de crianças, adolescentes e jovens fundava, inspirados pelo irmão Constantino, professor do Colégio São José, o Esporte Clube São José. E o hoje centenário Zequinha, terceira força do futebol da Capital, não teria uma história para contar não fosse uma senhora de 58 anos que tomou para si a tarefa de resgatar a memória do clube que, apesar de ter surgido no Centro, se aquerenciou na Zona Norte de Porto Alegre.
Como qualquer instituição centenária, o time azul e branco tem um futuro pela frente. E ele é representado pelos fanáticos torcedores que fazem de tudo para assistir a uma partida do Zequinha. Depois de lembrar como foi a fundação e a maior aventura do São José, o Diário Gaúcho traz hoje personagens recentes da história do clube, que preservam o seu passado e projetam o seu futuro.
É numa sala com cheiro de história que Lilian Kerber, formada em História, mas que trabalhou na área de recursos humanos em boa parte da vida, guarda pedaços do passado do seu clube do coração.
Mas nem sempre o Zequinha foi o time de Lilian. Gremista por conta da família, ela passou a torcer pelo time do Passo D'Areia quando a mãe comprou um título do São José para que os filhos mais novos pudessem curtir as piscinas no verão. Isso foi em 1979.
- No ano seguinte, encontrei uns amigos que trabalhavam na área social do São José. Me convidaram para ajudar e nunca mais saí daqui. Virei torcedora - lembra.
A atividade como guardiã da memória do clube veio 20 anos depois. Em 2000, numa reunião, Lilian sugeriu a criação do Departamento Cultural, o qual passou a coordenar. A partir daí, foi juntando material, taças, atas de reuniões, enfim, tudo que aparecia de relíquias encontradas na sede utilizada desde 1940.
- Quando reformaram as arquibancadas, os operários, com frequência, batiam aqui com alguma taça que haviam encontrado em meio aos escombros. Isto aqui tudo (fala mostrando para a sala que recende mofo) faz parte da memória do São José. É a nossa história - diz, com orgulho.
A vontade de recuperar documentos, fotos e troféus surgiu na época em que cursou História na faculdade:
- Como estava formada, queria aplicar alguma coisa que havia estudado. Me preocupou muito o passado do nosso clube não ser bem cuidado. Achei que tínhamos muito para contar.
Lilian lembra que, quando começou a juntar as taças, não sabia direito nem como limpar o metal enegrecido pelo tempo.
- Muita coisa a gente foi aprendendo aos poucos - conta.
A guardiã da memória tem orgulho do material que cuida. Mas também pelo time que adotou, mesmo tendo um passado gremista:
- Eu não me sinto bem vendo jogos do São José contra o Grêmio. Nesses confrontos, não vou. Mexe muito com o sentimento da gente, acho que não se deve brincar com isso. Nasci gremista, mas escolhi o São José!
As casas
- 1913 a 1914 - O primeiro estádio ficava na chácara do coronel Germano Petersen. Por ser numa subida, onde hoje fica a Avenida Cristóvão Colombo, o local foi apelidado de Montanha. Ali, funciona atualmente o Hospital Militar.
- 1915 a 1919 - O segundo campo ficava na antiga Rua São José, hoje Avenida Frederico Mentz, no Bairro Navegantes. O local foi deixado para trás depois de enchente destruir as instalações.
- 1920 a 1928 - O Zequinha achou uma nova casa, atrás da Igreja São Pedro, na Cristóvão Colombo. O campo foi apelidado pelos torcedores de Bacia. Mas a construção de um loteamento obrigou a nova mudança.
- 1929 a 1936 - Enquanto não conseguia um local definitivo, o São José jogou no Caminho do Meio, hoje Hospital de Clínicas, e em um campo no Bairro São João, no local da atual Vila dos Industriários.
- 1937 em diante - Em 1937, o clube passou a jogar no Passo D'Areia, no encontro da Avenida Assis Brasil com a então Rua do Valão (hoje Avenida Rio São Gonçalo). Porém, nos primeiros anos, o terreno era alugado. A compra aconteceu em 1939. A inauguração aconteceu em 24 de março de 1940.
Paixão inexplicável
Antes que perguntem, vou logo respondendo: nem Grêmio, nem Inter, eu sou São José. Sei, não é fácil viver contrariando a lógica de um lugar onde nos fazem acreditar, a todo instante, que só é possível ser A ou B. E não há mesmo muitos argumentos razoáveis para justificar a minha paixão. Mas para que razão para explicar paixão?
Não durmo direito na noite que antecede um grande jogo. E, quando a hora da partida se aproxima, o coração acelera. Aí, já sei: vamos vencer.
Nossas glórias se explicam nos detalhes. Vale a pena cruzar o Estado a cada rodada, mesmo quando a chance de vitória é mínima e você está só entre dois ou três torcedores. É uma missão amarrar as bandeiras na grade, com olhos e garganta à espera dos guerreiros em azul e branco. Não precisa estádio lotado. Quem torce pelo Zeca aprende a se multiplicar e ser, ele próprio, a massa que empurra o time.
Vocês, grenalinos, contaminados pelo "futebol moderno", não entenderiam. Vem de criança o gosto pela arquibancada e a sensação de que eu não apoio o time, participo dele.
Ora, foi o meu grito que distraiu um goleiro e garantiu um gol decisivo. Quando minha filha nasceu, o gol foi dedicado a ela. Eu oriento jogadores, xingo treinador e tiro sarro do adversário. Todos retrucam. É antigo, grosseiro? E daí? Espero que a modernidade não apague o que me faz cada vez mais apaixonado por esse clube.
Não torço pelo São José por vitórias. Torço por torcer.
Eduardo Torres, repórter do Diário Gaúcho e torcedor, fanático, do São José
AQUI NÃO SOU MAIS UM. AQUI EU SOU O TORCEDOR
- Torço para o São José porque aqui não sou mais um torcedor. Aqui eu sou "O torcedor". Somos todos reconhecidos no clube.
A frase do estudante Thalys Ferrreira Engel, 18 anos, filho de pai gremista e mãe colorada, tenta explicar porque jovens como ele, todos integrantes das torcidas organizadas Os Farrapos e Os Guaipecas, as mais fanáticas do Zequinha, torcem para um clube sem títulos. Está nessa garotada, que assiste até a partidas do time juvenil, como na quarta-feira à tarde, contra o Grêmio, no Passo D'Areia, o futuro do clube de azul e branco.
- Com certeza, a base do futuro da torcida é a gente. Quando tiver filhos, vou trazê-los aqui. Assim como faço com amigos e parentes, tentando convencer a torcer pelo São José.
- "Eu tinha outro time, mas larguei de mão"
E como é que o São José entrou na vida do Thalys?
- Foi em 2007, quando tinha 13 anos. Amigos e parentes me levaram para Os Farrapos. Gostei! Eu tinha outro time, mas larguei de mão.
Mas por quê?
- O que sinto aqui é diferente. Conheço todo mundo. Dos funcionários aos jogadores. Sem contar que é um clube da minha região, a Zona Norte. Aqui, faço parte do clube!
Thalys, assim como a maioria dos Farrapos e dos Guaipecas, é fervoroso torcedor. Sempre que pode, acompanha os jogos. Seja em Porto Alegre ou no Interior. Seja do time principal ou das categorias de base.
O fanatismo é tanto, que até uma loucura ele cometeu.
- Em 2009, tinha 15 anos, fui em um jogo pela Série D, contra o Joinville, em Santa Catarina. Fui sem avisar em casa. Se soubessem, não tinham deixado - lembra.
Mesmo fazendo parte de torcida organizada, o estudante conta que os ingressos e as viagens são sempre por conta dos fanáticos. Em média, os dois grupos levam de 25 a 30 torcedores ao Passo D'Areia. Nas viagens, o número fica reduzido, mas nem por isso menos barulhento e fervoroso.
Fatos marcantes
- É fundado em 24 de maio de 1913.
- É o primeiro time de futebol a fazer uma viagem de avião no mundo. Fato reconhecido pela Fifa em 1992.
- Conquista o Torneio Início do Citadino de 1929.
- É vice no Citadino em 1937 e 1948.
- Nos anos 60, firma parceria com o Clube de Regatas Almirante Barroso. A agremiação chega a ser apelidada "Zé Barroso". O uniforme apresenta camiseta com listras largas azuis e brancas.
- Durante essa parceria, vem a conquista da Copa Governador do Estado, em 1971, a maior da história do clube.
- Em 1976, cai para a Segunda Divisão.
- Em 1981, retorna à Primeira Divisão, mas volta a cair no ano seguinte.
- Ainda na Segundona, em 1996, firma parceria com a fabricante de tintas Renner e com a Multisom, que segue até hoje. Por conta da parceria, veste, naquele ano, uniforme vermelho e branco.
- Volta à elite em 1999, com um time que conta com o atacante Careca, ex-Seleção Brasileira, e que tem no comando o técnico Francisco Neto, o Chiquinho, filho de Antonio Pedro Netto, um dos fundadores do São José.
- Disputa a Série C do Brasileirão em 1997, 1998, 2001 e 2003. E joga a Série D em 2009 e 2010.