Copa 2014
Será que Porto Alegre está preparada para receber os turistas?
Faltando poucos dias para a Copa do Mundo, repórteres do DG saíram às ruas para conferir se os porto-alegrenses estão prontos para interagir com os estrangeiros
A poucos dias do início da Copa em Porto Alegre e com a expectativa da chegada de 60 mil visitantes à cidade, de acordo com a Secretaria Estadual do Turismo, a pergunta que surge em qualquer roda de conversa é: será que estamos preparados para receber estrangeiros? Também na redação do Diário Gaúcho, essa questão foi recorrente por alguns dias, até que decidimos sair às ruas e testar o preparo dos porto-alegrenses e de quem circula pelo município em receber os turistas que não sabem falar a nossa língua.
Mas a ideia não era apenas checar se as pessoas sabem falar inglês. Queríamos saber mesmo é se existe a disposição em ajudar, mesmo daqueles que não sabem falar uma só palavra em outra língua. Entre 11h e 15h da sexta-feira passada, eu, Cáren, e o repórter fotográfico Marcelo Oliveira circulamos em pontos obrigatórios para turistas, como Mercado Público, Rua da Praia e Teatro São Pedro, no Centro, e ainda andamos de ônibus a partir da Avenida Azenha. Disfarçados de turistas, nossa comunicação foi única e exclusivamente em inglês. Confira o resultado!
Boa vontade x medo de interagir
Logo que deixamos o carro que nos levou até o Centro, caminhamos cerca de uma quadra pela Rua Siqueira Campos e abri meu mapa de Porto Alegre com o objetivo de encontrar o Mercado Público. Estávamos a cerca de quatro quadras do destino.
Meu movimento de olhar o mapa foi o que bastou para um senhor parar ao meu lado e perguntar onde eu gostaria de ir. Disse a ele que não entendia o português, só falava inglês. Ainda assim, usou da mímica para deixar bem claras as informações das quais eu precisaria. Olhou o mapa, pediu que mostrasse onde queria ir e apontava em direção ao Mercado Público.
Se eu e o Marcelo tivéssemos pedido, certamente esse gentil senhor nos levaria até lá, de tão disposto que estava em ajudar. Agradecemos e seguimos pela Siqueira até acessar o Mercado, pelo lado de fora. Fomos em direção ao Largo Glênio Peres. Percebemos que uma placa de informações turísticas com dados em inglês e espanhol, que poderia ser muito útil para quem vem de fora, está toda pichada, sem condições de leitura. Uma pena.
No Largo, abordei algumas pessoas para me indicarem nome de rua e identificação dos prédios ao redor. Um homem de meia idade não sabia falar, mas entendia o inglês e me ajudou. Outro casal praticamente fugiu da minha abordagem - o Marcelo, que fazia fotos minhas a uma certa distância, ouviu deles: "ela fala inglês, não vou parar". Um grupo de mulheres que fotografava o chafariz no Largo, sem saber falar inglês, me indicou o prédio da prefeitura.
Placa pichada dificulta ainda mais a vida do turista
Foto: Marcelo Oliveira
A tapioca
Decidimos entrar no Mercado Público. O primeiro chamariz de turistas era uma moça que fazia tapioca em frente a uma banca. Ela foi solícita mas, como não sabia falar inglês, chegou um momento em que acabou se calando, já que não conseguia responder as minhas perguntas sobre o que era colocado como recheio daquele tipo de comida.
Edi explicou em inglês do que é feita a tapioca
Foto: Marcelo Oliveira
Saí dali e, em seguida, fui abordada pela bibliotecária Edi Vogel. Ela veio me explicar, em inglês, que tipo de alimento era aquele: uma comida indígena, com recheio de coco e queijo. Muito interessada em ajudar, aceitou até me passar seu nome e telefone para se, eventualmente, eu precisasse de ajuda em algum outro momento com alguém que soubesse falar inglês.
Liguei para Edi no domingo, explicando que estava fazendo uma reportagem, e ela me contou que, após a abordagem, ficou com pena da turista que representei:
- Tinha certeza de que eras uma turista e achei que irias passar muito trabalho ainda.
Antes de sair do Mercado, Edi deu a dica para a moça da tapioca sobre como explicar a quem fala inglês o que é aquele alimento. E, ao chegar em casa, foi procurar melhores explanações em inglês para, num próximo encontro casual com um turista, saber melhor como se expressar.
- Já viajei para outro país e me senti assim, sem ninguém me entender direito. Não queria que a turista passasse por isso aqui também - relembrou.
A erva-mate e o chimarrão
Andando mais um pouco, Marcelo e eu chegamos à Casa da Erva Mate, uma banca especializada no tema chimarrão. Como pessoas que não tinham ideia do que era aquilo, pedimos todo o tipo de explicação: Marcelo chegou a provar um pouco da erva e a perguntar se era de comer.
Clientes e funcionários da banca tentaram explicar o que é chimarrão
Foto: Marcelo Oliveira
Um dos mais empolgados em me fazer entender o funcionamento da bebida tradicional dos gaúchos foi o ator Eduardo Moraes, 51 anos, cliente da loja. Mesmo sem saber falar a minha suposta língua, com a ajuda de dois rapazes que tinham um inglês básico, ele conseguiu me passar que a bebida era feita com água quente e que era similar a um chá.
O dono da loja, Gilmar Giovanaz, estava preocupado em oferecer o chimarrão para eu provar: "o problema é que tem gente que não gosta, toma um gole e deixa o resto na cuia", falava, sem saber que eu entendia.
Quando eu disse que gostaria de levar erva, bomba e cuia como lembrança, um vendedor me mostrou os valores em uma calculadora, e Eduardo preocupou-se com a entrada da erva nos Estados Unidos, país de onde eu disse ser.
- Não vão deixar que ela passe no aeroporto com essa erva a granel. Tem que ser em pacote - alertou aos colegas.
Nesse meio tempo, surgiu ali um quarto cliente da casa, o analista de sistemas Cristiano Kubiaki, 26 anos. Ele sabia falar bem inglês e conseguiu me dar explicações adicionais sobre a cultura dos gaúchos.
Paguei R$ 24 por um pacote de erva, uma cuia pequena e uma bomba de metal. Quando me entregaram as compras, revelei meu disfarce. E foi então que todos começaram a me contar porque decidiram ajudar.
- Eu passei duas vezes pela banca e percebi que tinha uma estrangeira ali e que as pessoas estavam tentando atendê-la bem. Daí, resolvi parar para ver se poderia ajudar, porque sei falar inglês. Eu acredito que o pessoal vai ter trabalho para receber os turistas em Porto Alegre - declarou Cristiano, que morou por dois anos em Dublin, na Irlanda.
- A gente tem que se virar do jeito que dá. Se não estamos preparados ainda, já não adianta mais, vai ter Copa e a gente precisa receber bem que vem para cá para que esses turistas fiquem com uma boa impressão da nossa cidade - contou Eduardo, seguido de Gilmar:
- O que a gente tem é que tentar não decepcionar os turistas. Estou considerando fazer um chimarrão menor somente para os turistas provarem.
Turistas de verdade
Enquanto conversávamos com o pessoal da Casa da Erva Mate, Marcelo me chamou a atenção: "parece que tem dois gringos (ou estrangeiros) de verdade ali fora". E eram mesmo: a estudante canadense Gabrielle Leclerc, 22 anos, e o fotógrafo australiano Luciano Bernhard, 35 anos, passeavam pelo Mercado.
Luciano e Gabrielle: os turistas reais
Foto: Marcelo Oliveira
Luciano já morou no Brasil e sabe falar português. Gabrielle tentava entender um pouquinho da nossa língua a partir do francês (ela fala inglês e francês). Apesar de terem a percepção de que os brasileiros não falam inglês mas se esforçam em tentar ajudar, eles estavam inconformados com os restaurantes de Porto Alegre: para eles, não há cardápios bilíngues, e esta foi a maior dificuldade de Gabrielle por aqui.
No Mercado Público, uma vitrine de azeitonas chamou a atenção: era bastante diversa, e as plaquinhas com o tipo e os preços continham a abreviação "az". Ou seja, mesmo com o Google Tradutor em mãos, ficaria difícil para o turista deduzir que "az" significa "azeitona".
Espera por ajuda
Caminhamos até a Esquina Democrática (Rua dos Andradas esquina com Avenida Borges de Medeiros). Ali, parei por cerca de dez minutos, com meu mapa aberto, aguardando que alguém me abordasse para tentar auxiliar. Enquanto isso, Marcelo me fotografava.
Talvez a pressa de quem passava pelo local, por volta das 12h30min, fosse muito grande para ajudar uma turista perdida. Abordei duas pessoas enquanto caminhava pela Andradas em direção à Rua General Câmara, pedindo dicas para encontrar o Teatro São Pedro, a três quadras dali: nenhuma delas falava inglês.
O primeiro, um jovem de cerca de 20 anos, falou em português que o Teatro não fica no Centro. A outra, uma mulher de cerca de 30 anos, respondeu que não sabia falar inglês e não ofereceu auxílio. Na esquina da General Câmara com a Andradas, após 15 minutos de espera, abordei mãe e filha, que toparam me dar uma força.
A estudante de História Helen Costa Machado, 39 anos, e a recepcionista Josiana Costa, 18 anos, estavam a caminho de outros compromissos mas, mesmo assim, se dispuseram a parar e decifrar meu mapa em direção ao São Pedro. Josiana arriscou algumas palavras em inglês. Com a ajuda, me deram a direção certa a seguir: duas quadras acima.
Ao me desmascarar, elas respiraram aliviadas.
- A gente fica nervoso para tentar ajudar e nem sempre dá, porque falta entender melhor a pessoa. Mas nos colocamos no lugar e vamos ajudar - explicou Helen.
Mapa feito por uma estoniana
Josiana, além de me ajudar, deu uma dica preciosa: como ela trabalha no Bom Fim Hostel, lembrou de um mapa bem detalhado feito por uma turista estrangeira no ano passado. Ela estava hospedada no local, na Rua Felipe Camarão, e, avaliando que os mapas daqui não davam as indicações que os turistas precisavam, foi em busca de toques que porto-alegrenses davam a amigos estrangeiros.
Turista criou mapa para ajudar os amigos estrangeiros
Foto: Marcelo Oliveira
- Assim, ela reuniu, além dos mapas, informações sobre o que é o chimarrão, a história dos gaúchos, dicas de metrô, táxi e ônibus, entre tantas outras - exemplificou Julia Gonzales da Cunha Varani, 26 anos, uma das sócias do Bom Fim Hostel, lembrando ainda que a turista era da Estônia.
O hostel, com 65 lugares, está com metade da capacidade reservada para o período da Copa, principalmente por turistas argentinos e australianos, segundo Julia. O mapa da estoniana está em sua segunda versão e é distribuído em todos os hostels de Porto Alegre, em versões em português, inglês e espanhol.
A pior experiência
O momento mais complicado da nossa experiência como turistas que não sabem uma palavra em português foi pegar o ônibus no sentido errado, em relação ao que se pretendia. Nossa intenção era ir ao Mercado Público mas, na Avenida Azenha, entramos propositalmente em um veículo da linha Glória que ia para o bairro.
Pegar ônibus é uma aventura para quem vem de fora
Foto: Marcelo Oliveira
Ao subir, cumprimentamos motorista e cobrador em inglês. Alguns minutos depois de arrancarmos, pedi ao cobrador que me avisasse quando tivéssemos chegado ao Mercado - eu levava um bilhete com o nome do lugar onde deveria ir. Ele não sabia falar inglês e não conseguia me explicar, sem ser em português, o que eu precisava fazer.
Perguntou para uma menina que estava perto se ela sabia falar inglês, e a resposta foi negativa. Nenhum dos dois conseguiu ser suficientemente claro para me alertar que eu deveria desembarcar, ir para o outro lado da rua e pegar o ônibus no sentido contrário. Chegou um momento, aliás, em que os dois deixaram de falar comigo, e eu fiquei sentada, ao lado do Marcelo - que tinha em mãos um material de um rapaz que, aos gritos, tentava vender no ônibus itens de papelaria e brinquedos para conseguir ajuda para voltar ao seu Estado natal.
Aos trancos e barrancos, desembarcamos meio que por conta própria, após presumir que talvez fosse isso que queriam dizer. Ninguém mais se envolveu na situação, apesar de o ônibus estar com um bom número de passageiros.
O fotógrafo turista
"O povo gaúcho sabe receber e ajudar. Esta foi a impressão que tive no dia em que me passei por turista na Capital. As pessoas, em todo momento, tentavam uma forma de comunicação, não sabendo o idioma que eu falava. Gestos e mímicas foram muito usados, e a preocupação das pessoas era grande para me ajudar a entender as coisas que estavam ao meu redor. Parabéns ao povo gaúcho! O ponto negativo desta experiência é que o turista chega em Porto Alegre e não encontra placas, paradas de ônibus, cardápios e pontos turísticos identificados em outras línguas. Falta uma campanha para facilitar esta comunicação. O improviso vai ser o ponto principal da Copa. O gaúcho é amigo e sabe receber."
Marcelo Oliveira, fotógrafo
Para onde encaminhar o turista
Se você não sabe como ajudar, uma alternativa é levar o turista a um dos cinco Centros de Informações Turísticas (CITs) da Capital. Confira!
- CIT Linha Turismo (diariamente, das 8h às 18h): Travessa do Carmo, 84, Cidade Baixa, telefone 3289-0176
- CIT Aeroporto Internacional Salgado Filho (diariamente, das 8h às 22h): Avenida Severo Dulius, 90010, São João
- CIT Centro Histórico (segunda a sábado, das 9h às 18h): Largo Glênio Peres, s/n, sala 99, Mercado Público
- CIT Mercado do Bom Fim (diariamente, das 8h30min às 18h): Avenida Osvaldo Aranha, s/n, loja 11, Parque Farroupilha (Redenção)
- CIT Usina do Gasômetro (terça a domingo, das 9h às 18h): Avenida Presidente João Goulart, 551, Marcílio Dias
- No Acampamento Farroupilha da Copa, também haverá um centro de informações, inclusive com oficinas de churrasco e chimarrão para turistas.
- Existem ainda outros pontos de informações turísticas na Capital, que você pode conferir acessando o site www.portoalegre.travel.