O Povo na Copa
Setembrina ajeita, costura e conserta bolas de futebol em Porto Alegre
Artesã trabalha com bolas de couro em ateliê no Bairro Azenha
É do futebol que Setembrina Tomé, 57 anos, do Bairro Azenha, em Porto Alegre, tira o sustento da família há 25 anos. Mas engana-se quem imagina a senhora de sorriso largo entrando em campo e marcando gol. A intimidade que ela tem com a bola vem de uma atividade quase em extinção: ela a deixa redonda, costura e conserta.
Apesar da experiência na função, Setembrina, mais conhecida como Bina, surpreendeu-se ao ser apresentada à rainha da Copa 2014, nesta semana. Ao manusear a Brazuca, a bola oficial do Mundial, a artesã foi breve:
- Estou acostumada com as mais pesadas, de couro e costuradas. Esta parece uma pluma.
A nova bola não é costurada na máquina, como a Jabulani (da Copa da África do Sul). Tem os gomos unidos pelo calor - termosselados - e é impermeável. Outra novidade, a que mais despertou a atenção de Setembrina, é que a Brazuca apresenta pequenos relevos na superfície - criados pela fabricante, especialmente, para dar mais aderência.
Moreno comprou duas
Mas nem mesmo a modernidade de uma das peças mais visadas da competição faz a artesã pensar que seu ofício poderá acabar.
- Sempre haverá futebol onde houver dois meninos e uma bola - acredita Bina.
É no sofá instalado na calçada em frente à casa que divide com o marido Cláudio Fonseca Lucas, 59 anos, também especialista na costura de bolas, que ela atua num improvisado ateliê de reforma de bolas em geral.
Motoristas que passam pela Avenida Florianópolis deparam com a placa indicando a função. Os carros costumam diminuir a velocidade na via estreita ao observarem a artesã trabalhando. O centroavante Marcelo Moreno, na época em que defendia o o Grêmio - foi um dos curiosos da vez.
- Ele estacionou o carrão do outro lado da rua e veio me perguntar o que fazia. Demorei a entender porque falava enrolado. Também levei tempo para reconhecê-lo. Mas foi uma felicidade quando vi que era o Marcelo Moreno, pois sou gremista. Ele comprou duas bolas para presentear amigos - conta, orgulhosa, a artesã das bolas.
Concentração é essencial
Desde que aprendeu a função numa fábrica, Bina se diz apaixonada pela atividade que exerce. Para fugir dos cortes causados pelas linhas enceradas, usa luvas de jeans e de couro - que facilitam e dão agilidade à costura feita simultaneamente com duas agulhas de aço. Cada gomo costurado precisa de tempo e preparo. Como uma jogadora de futebol, a artesã usa a concentração como arma para produzir mais rápido e com qualidade.
Se a Brazuca custa em torno de R$ 400, a tabela da Bina é mais simpática. A reforma sai por R$ 10, com câmara de ar nova. Na loja, uma bola nova de boa qualidade, de couro ou couro sintético, não sai por menos de R$ 70.
Neymar é ídolo
Mas neste ano especial para o futebol do Brasil, Bina só lamenta a queda no número de encomendas por falta de mão de obra. Faltam profissionais para auxiliar na produção de bolas específicas da Copa.
Torcedora convicta da Família Scolari, ela só vai parar a produção nos dias dos jogos dos brasileiros. Será quando a atenção de Bina se voltará para Neymar, o ídolo e, não por acaso, o que trata a bola com mais carinho na Seleção.
- Como uma das que ajudam a manter o futebol vivo, vou torcer muito pela nossa Seleção - explica a artesã da bola.