Violência
Assassinatos deste ano em São Gabriel estão relacionados com a guerra entre os chamados bondes
Gangues de adolescentes e jovens que carregam o nome dos bairros onde moram são apontadas pelas autoridades como responsáveis pelos homicídios registrados em 2015

Destemidos, adolescentes e jovens andam pelas ruas de São Gabriel ostentando facas e facões nas mãos. Às vezes, são meninos de 14, 15 anos. A cena, descrita por moradores, é vista na periferia do município há tempos. Os grupos se reúnem em frente a bares, nas esquinas e em casas abandonadas nas vilas. Eles se autodenominam bondes e têm identificação com os bairros onde moram, mas dificilmente atuam na vizinhança. Mas a rivalidade declarada entre os grupos fez com que, neste ano, em menos de três meses, a cidade registrasse três assassinatos, a mesma quantidade de todo 2014.
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O número coloca a cidade em segundo lugar no ranking de homicídios em municípios da região de cobertura do "Diário", que, no total, registraram 18 mortes violentas em 2015. Segundo os órgãos de segurança pública, pelo menos quatro bondes estão ligados aos três assassinatos ocorridos na cidade este ano (veja abaixo). Diferentemente do ano passado, quando nenhum dos três casos teve relação com os bondes.
As comunidades percebem que os grupos estão ficando mais violentos. Receosas, algumas pessoas falam superficialmente sobre o assunto. Os moradores mais antigos das vilas de São Gabriel viram os integrantes dos bondes crescerem e se tornarem os adolescentes e os jovens de hoje. Em geral, não temem as ações dos vizinhos criminosos porque sabem que eles costumam atuar na área central e nas comunidades rivais, não perto de casa. Mas não delatam os integrantes por medo de retaliação.
- Eles são terríveis. Juntam-se nas esquinas e nos bares, mas não atormentam os vizinhos. Assaltam as pessoas nos outros bairros e vão para o Centro - relata uma dona de casa que mora há 36 anos na periferia.
Na área central, os moradores estão deixando de frequentar os eventos por medo das brigas.
A briga é por poder
No próprio bairro, paredes e muros pichados com a inscrição do bonde (ou bondi, com "i", como eles costumam escrever) demarcam o território. No bairro inimigo, isso é forma de provocação. Para o delegado da Polícia Civil Jader Duarte, os bondes cometem os crimes sem motivação.
- Com 13 ou 14 anos, já usam facão na cintura e costumam circular pela cidade à noite. Andam em bando para se encontrar e se desafiar pela simples cultura do enfrentamento. É um vazio de motivação que chega a impressionar. É irracional - avalia o delegado.
A promotora da Infância e Juventude, Aline Baldissera, que chegou há pouco em São Gabriel, concorda:
- Eles se encontram em um local, um olha feio para o outro, e isso já pode ser suficiente para gerar uma briga.
A promotora acredita que o fenômeno é uma marca do município e está relacionado à necessidade dos adolescentes e jovens de ostentarem poder perante os outros. Também ao fato de a maioria deles viver em situação de vulnerabilidade social, sem apoio do Estado e da família.
Investigação identificou bondes e bairros
Até 2014, os integrantes dos bondes agiam isoladamente. Alguns tinham passagens pela polícia por crimes menos graves como furtos e lesão corporal. Outros, por tráfico de drogas.
Mas foi no início do ano passado que uma ação da Polícia Civil, do Ministério Público e do Judiciário conseguiu tirar das ruas, por meio de prisões preventivas e medidas restritivas (alguns não podiam sair de casa depois de certo horário e não podiam frequentar locais com reunião de público, por exemplo), cerca de 30 pessoas ligadas aos bondes.
À época, a investigação identificou integrantes dos oito bondes mais violentos da cidade e os bairros aos quais eles pertenciam. As ameaças e os desafios eram feitos por meio das redes sociais, e o enfrentamento seria no Carnaval, o que acabou não ocorrendo.
Com o passar do tempo, as prisões foram revogadas pela Justiça e, antes que 2014 terminasse, todos haviam voltado para as ruas.
- A prisão preventiva é uma medida excepcional e de exceção. Resolvi estender as medidas restritivas para todos numa decisão equânime - disse a juíza da Vara Criminal, Juliana Capiotti, que, até segunda-feira, atuava também como substituta na Vara da Infância.
Quinze jovens respondem a processo por associação criminosa e incitação ao crime, e 17 adolescentes respondem a ato infracional contra a paz pública.
Os grupos ganharam novos integrantes, e as ameaças entre as gangues deixaram de ser promessas e se concretizaram em mortes. O primeiro assassinato de 2015 foi registrado na primeira madrugada do ano, devido a um desentendimento entre jovens de dois bondes. O segundo homicídio foi uma retaliação em decorrência da primeira morte, e o terceiro ocorreu durante uma briga generalizada entre bondes durante as festividades.
Todos os casos com uso de facas e facões. Seis adolescentes e cinco jovens envolvidos foram indiciados pela polícia, denunciados pelo Ministério Público e respondem a processo na Justiça. Três deles - um jovem e dois adolescentes - são réus no processo decorrente da ação de 2014.
Em fevereiro deste ano, a Polícia Civil pediu internações provisórias de adolescentes e prisões preventivas de jovens, temendo uma nova ação dos bondes durante o Carnaval. O Judiciário não concedeu por entender que não era o caso de privação de liberdade e estabeleceu novas medidas restritivas aos apontados.
- Entendemos essa comoção pública, mas não há o que pudéssemos ter feito porque não se tratam das mesmas pessoas e não havia informações sobre um novo crime - disse a juíza.
CASOS DE 2015 EM SÃO GABRIEL
Abaixo, os três homicídios registrados em São Gabriel em 2015. Segundo as autoridades, todos têm ligação com os bondes:
1º de janeiro
Vítima - Maicon Vasconcellos Mendes, 19 anos
O crime - Mendes foi encontrado ferido em uma sarjeta, no bairro São Gregório, por volta das 6h30min. Ele apresentava ferimentos de faca na cabeça, nos braços e na região do pulmão. Chegou a ser levado para o hospital, mas não sobreviveu
Motivo - Mendes teria discutido e tentado agredir um integrante de um bonde. Os outros integrantes teriam saído em defesa do jovem e matado Mendes
Como está - Um jovem foi preso e dois adolescentes foram apreendidos
9 de fevereiro
Vítima - John Lenon Dias de Freitas, 24 anos
O crime - O corpo da vítima foi encontrado em uma vala, enrolado em um saco plástico, com 49 facadas. Testemunhas viram suspeitos arrastando o corpo até o local
Motivo - A vítima teria se recusado a matar um dos suspeitos do primeiro homicídio do ano na cidade
Como está - Um homem preso, dois adolescentes apreendidos. Outras duas pessoas estão foragidas - um jovem e um adolescente
17 de fevereiro
Vítima - Caio Cezar Cardoso Fagundes, 16 anos
O crime - Morto com uma facada durante uma briga generalizada na Praça Fernando Abbott, onde ocorria o Carnaval de Rua, por volta das 3h
Motivo - Briga entre integrantes de dois bondes rivais
Como está - Dois jovens presos e um adolescente apreendido. Segundo a Polícia Civil, outras três pessoas foram identificadas suspeitas de participação - dois adolescentes e um adulto
*Em todos os casos, os presos foram encaminhados ao Presídio Estadual de São Gabriel, e os adolescentes, encaminhados ao Centro de Apoio Socioeducativo (Case) em Santa Maria
