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Muita gente, poucas vagas

Faltam vagas para abrigar os moradores de rua da Capital

Investimento e oferta de novas vagas são pequenos

21/05/2014 - 10h02min

Atualizada em: 21/05/2014 - 10h02min


Luiz Armando Vaz / Agencia RBS
Homem dorme coberto por folhas de papelão na Avenida Borges de Medeiros, no Centro

A prefeitura da Capital não sabe quantos moradores de rua vivem em praças, parques e vias públicas da cidade. E mesmo que soubesse, não teria estrutura nem capacidade para acolher a totalidade dos sem-teto, que aumenta progressivamente. Em 2009, eram 1.203. No último censo, realizado há três anos, a pesquisa identificou 1.347 pessoas vivendo ao relento. De 2011 para cá, a realidade mudou. Às vésperas da Copa, a impressão é de que esse contingente - invisível para o poder público - não para de crescer.

Somente 4,5% da verba para investimento

Além de ter uma rede pequena e defasada, o nível de investimento para ampliar a oferta de vagas é baixo. Em 2014, o orçamento da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) é de R$ 196,5 milhões. Desse total, R$ 45 milhões (23%) são destinados para o pagamento da folha. Dos R$ 151 milhões restantes, o órgão reservou apenas R$ 6,8 milhões (4,5%) para reforma e abertura de novos serviços.

Na laje fria, folhas de papelão viram cobertor

Numa blitz pelas ruas da cidade, realizada durante dois dias, a reportagem flagrou 22 adultos em situação de rua. Em alguns casos, idosos dormiam na laje fria, cobertos apenas por folhas de papelão.

Pedestre que circula com frequência sob o Viaduto Otávio Rocha, na Avenida Borges de Medeiros, a costureira aposentada Maria José Nogueira, 77 anos, surpreendeu-se ao constatar a presença de apenas dois "inquilinos" na manhã de sexta.

- Uma vez contei 15 aqui. Acho um absurdo, mas parece que não tem o que fazer. Na Copa, vão recolher todos - afirmou a costureira.

Grupo é alvo de violência e abandono

A professora e coordenadora do Programa Universidade na Rua da Ufrgs, Themis Silveira Dovera, desenvolve um trabalho voltado para este grupo. Para Themis, eles são alvo de violência por parte do Estado e da população, e representam a face mais cruel do abandono. Segundo a docente, o programa  busca consolidar as relações de convivência entre pessoas que vivem nesta situação.

Álcool, drogas e horror a regras

Nenhum morador de rua é obrigado a ir para os albergues, e muitos não vão mesmo. Resistência à ajuda é a principal razão alegada pela Fasc para a permanência dessas pessoas na rua. O envolvimento com álcool e drogas e a inadaptação às regras pesam na decisão da maioria.

Na Avenida Azenha, mãe e filha dividem o espaço na calçada. Elaci da Silva Lopes, 56 anos, passa noite sentada fazendo crochê de olho nos inimigos que, segundo ela, atacam quando menos se espera. A filha, Mercedes da Silva Lopes, 26 anos, dormia no único colchão disponível.

- Não vou para o albergue porque sou muito chata para alimentação - revelou Elaci, explicando o motivo inusitado para dispensar uma noite com banho quente, refeição, cama limpa e café da manhã no dia seguinte.

Com profissão e disposição para o trabalho

Vencido pelo crack, Luciano Machado Vargas, 40 anos, perambula pelas ruas da capital há oito anos. Come só o que lhe dão e muda de endereço de semana em semana. Luciano é mecânico, mas ganha gorjetas carregando e descarregando caminhões na Avenida Sertório. Como Elaci e a filha, ele também não gosta de albergues.

- O cara vai, mas nunca tem vaga no Albergue Municipal. Daí desiste - desabafou o homem que diz ser pai de cinco filhos, que moram com a mãe em Cachoeirinha.

Boato preocupa andarilho

Francisco Machado da Luz, 33 anos, e a companheira Angelita Vieira, 22 anos, estão preocupados com a possibilidade de retirada dos moradores das ruas da cidade durante a Copa. Francisco disse que isto é comentado entre os andarilhos.

- Estão dizendo que vão limpar a cidade, que a Brigada Militar vai recolher. Acho isso errado. Não gosto de ir para albergue porque as 6h tem de estar em pé - justifica.

Ouvida pela reportagem, a diretora da Fasc negou esta possibilidade. Disse que a preocupação é legítima, mas que não passa de boato mesmo.

Diretora da Fasc reconhece limitação

Nos últimos quatro anos, foram criados somente dois abrigos de pequeno porte para quatro famílias e abertas 24 vagas nas Repúblicas - espaços de permanência temporária destinados também a quem já passou por abrigos. Desde 2013, a prefeitura não dispõe mais de 25 vagas em hotéis. Os contratos venceram e não foram renovados. Duas licitações foram abertas, mas não atraíram interessados.

Diretora técnica da Fasc, Marta Borba, admite que a estrutura não é suficiente. E, mesmo que existisse, não resolveria o problema.

- Nunca vamos ter 100% de adesão para este serviço, mas temos de oferecer cada vez mais e melhor - disse Marta.

Novo censo este ano

A diretora anuncia a realização de um novo censo sobre a população de rua até dezembro. Este ano, serão construídas mais duas casas-lares para 24 idosos em situação de rua e um terceiro abrigo com 50 vagas. O abrigo Marlene passa por reforma e, o Bom Jesus, receberá melhorias em breve. O Albergue Municipal também será reformado. 

Gasto com salários poderá aumentar

Um dos entraves para o aumento no investimento é o gasto com a folha, que hoje consome 23% do orçamento. Num futuro próximo, esse percentual poderá ser maior. Um projeto do Executivo em tramitação na Câmara Municipal prevê a criação de 668 novos cargos para o órgão. Se for aprovado, o quadro atual de pouco mais de 300 será triplicado.

Rede de acolhimento:
Albergue Municipal - Rua Comendador Azevedo, 215, Bairro Floresta
Albergue Dias da Cruz - Avenida Azenha, 366, Bairro Azenha
Albergue Felipe Diehl - Praça dos Navegantes, 41 - Bairro Navegantes
Centro Pop I - Rua Almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva s/nº - Vila Lupicínio Rodrigues, Bairro Menino Deus
Centro Pop II - Avenida Voluntários da Pátria, 1613, Centro
Casa de Convivência - Rua Gaspar Martins 216, Bairro Floresta
Total de vagas
Albergues - 355/dia
Centro Pop I e II - 220dia
Casa de Convivência - 140/dia
Repúblicas - 24/mês
Abrigos - 185/mês
Abrigo de famílias - 50 individuos/mês
Idosos de longa permanência - 443/mês

Operação Inverno:
- De 1º de junho a 30 de setembro de 2014. Serão abertas mais 123 vagas  no serviço de albergues


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