Polícia



Caso do bebê

Sequestro expôs a insegurança dentro do maior complexo hospitalar de Porto Alegre

Além da vulnerabilidade no hospital, delegado critica a falha na comunicação entre as polícias

26/06/2014 - 08h03min

Atualizada em: 26/06/2014 - 08h03min


Reprodução / Reprodução
Delegado Hilton Müller, da 17ª DP, critica o procedimento da Brigada Militar

O sequestro de uma recém-nascida de dentro do Hospital Santa Clara, do complexo da Santa Casa, no Centro da Capital, na tarde de terça-feira, escancarou problemas graves, entre eles a falta de segurança em uma das maiores instituições hospitalares da Capital e falhas na integração entre a Polícia Civil e a Brigada Militar. O melhor é que o caso teve um final feliz. Dez horas depois do sequestro, o bebê e a mulher que o levara foram encontrados.
A criança, com um dia de vida, foi tomada da mãe dentro do quarto do hospital por Luciana Soares Brito, 39 anos. A partir de imagens das câmeras do próprio hospital, o delegado Hilton Müller, da 17ª DP, cita "falhas graves" na segurança da instituição. As gravações flagraram o momento em que Luciana se encaminhava para a saída, com a bebê no colo, sendo acompanhada por uma funcionária e um segurança.
De acordo com a funcionária, a mulher dizia que havia ido a uma consulta e pegaria os documentos da recém-nascida com o marido, que a estaria esperando no carro. Com isso, conseguiu sair do hospital sem ser impedida.

Falta de comunicação

- Todos os dias, recebo casos de seguranças de supermercado que trazem pessoas que pegaram um pacote de bala de goma. E a segurança do hospital não reteve uma pessoa suspeita, que levava uma criança sem documentos - ressalta Hilton.
O delegado também questiona a atuação da Brigada Militar. O sequestro foi informado pelo hospital ao Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), às 16h50min de terça. Segundo Hilton, a ocorrência foi iniciada e encerrada em cinco minutos, sem ser divulgada aos demais órgãos de segurança. Com isso, a Polícia Civil só soube do caso e começou as buscas cerca de uma hora e meia depois do sequestro.
- Se este fosse um crime articulado por uma quadrilha, em duas horas, esta criança já teria ultrapassado facilmente as fronteiras do Estado. Tão inadmissível quanto a falha na segurança do hospital é a grande falha na comunicação deste novo sistema, que não tem nada de integrado, controlado e muito menos de comando - disparou o delegado.
A suposta falha de comunicação está sendo apurada pela Secretaria de Segurança Pública. Até a noite de ontem, a SSP não havia se manifestado sobre o caso.


Segurança está em debate

As observações do delegado Hilton sobre a falta de segurança no complexo Santa Casa se refletem também em outras instituições hospitalares Para o presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremers), Fernando Matos Weber, a facilidade de acesso a hospitais está ligada às normas de visita no Sus que, segundo ele, estão cada vez mais liberais.
- É muito difícil fazer um controle. Cada vez mais pais e parentes entram na sala de parto.
Na avaliação do presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Julio Dornelles Matos, o modelo arquitetônico de cada instituição facilita ou não o controle de acesso. Edificações com vários andares, segundo ele, tendem a ter a segurança facilitada, diferente de prédios de dois a três andares e que pertencem a um complexo, como é o caso do Hospital Santa Clara.
Para Julio, a insegurança nas ruas impõe uma pressão social para melhoria do controle dentro dos hospitais, especialmente em áreas como a maternidade, UTI e urgência e emergência.
- Isso requer, além do sistema de câmeras, uma presença pessoal que faça controle de circulação, são os profissionais de apoio.
Já o presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Paulo Argolo, garante que é preciso ter mais controle na entrada e saída de pacientes, funcionários e visitantes nos hospitais.
- Os visitantes devem ser identificados, devem receber crachá e hoje não é assim. É raro os hospitais que têm um sistema rígido de controle de acesso. Hoje, as pessoas entram com muita facilidade, transitam pelos corredores.


De quem é a responsabilidade?

Segundo Paulo e Fernando, enquanto o bebê não está com a mãe, a responsabilidade da sua segurança é exclusivamente do hospital. A mãe, que em muitos casos ainda está em recuperação, não tem como monitorar o recém nascido o tempo inteiro. No entanto, mães e familiares podem tomar algumas precauções:

Embora todos se identifiquem, sempre confira o crachá de médicos e enfermeiros que entram no quarto.

De preferência, vá e permanece no hospital acompanhada pelo pai da criança ou um parente que poderá ajudar e acompanhar o bebê quando estiver fora do quarto.

Informe-se com os médicos quais são os procedimentos normais e quais podem ser acompanhados pela mãe ou parente.


Pais se surpreenderam com livre acesso

Pouco mais de suas semanas antes do bebê ser sequestrado, o empresário Gustavo Cristiano Santos, 28 anos, e a veterinária Michele Panazzolo, 33 anos, se preocuparam com a facilidade de acesso ao Hospital Santa Clara, onde nasceu o primeiro filho, Giodarno, que hoje completa 21 dias. Eles também ficaram na ala dos convênios, no mesmo andar em que a criança foi roubada. Michele conta que teve medo de ficar sozinha no quarto com a criança à noite, já que o pai conseguiu entrar e sair da instituição com o bebê sem ser abordado. Veja o depoimento que Gustavo enviou ao Diário Gaúcho:
"No dia 5 deste mês, meu filho nasceu na parte dos convênios no Hospital Santa Clara. Enquanto minha esposa se recuperava do parto, por dois momentos estive na porta do hospital com o bebê no colo e ninguém sequer perguntou quem eu era ou para onde eu iria. Eu poderia ter ido embora com o bebê e ninguém teria me barrado. Após isto, finalmente ganhamos alta e recebemos um documento para ser carimbado na recepção do hospital e devolvido na maternidade para então liberar a mãe e do bebê.
Quando retornamos na maternidade para entregar (o documento de) alta, uma enfermeira apareceu muito preocupada, pois havia ido no quarto buscar um bebê para exames e não havia encontrado nem a criança, nem a mãe. A enfermeira classificou a situação como "deu fuga". A mãe simplesmente pegou o recém-nascido e saiu pela porta da frente, deixando uma série de exames por fazer e inclusive a carteirinha do bebê.
Meu irmão e minha cunhada não iriam chegar a tempo do horário de visitas para conhecer nosso filho recém nascido. Mas conseguiram entrar no nosso quarto as 23h, sem serem barrados."


Santa Casa irá alterar formas de acesso

Em nota oficial assinada pelo diretor-geral e administrativo, Carlos Alberto Fuhrmeister, a Santa Casa informou que "está apurando as responsabilidades técnicas e administrativas na execução do protocolo de segurança existente naquele local e, em eventuais inadequações, adotará as medidas necessárias e cabíveis ao caso e, notadamente, não medirá esforços para que tal situação não volte a ocorrer."
A gerente do departamento jurídico do complexo, Vera Maria Pescador, afirma que, há cerca de dois anos, estão sendo desenvolvidos projetos de maior controle de acesso às instituições do grupo. No Hospital da Criança Santo Antônio foi executado o projeto piloto: a entrada é controlada mediante identificação, o que ainda não acontece nos outros hospitais. Também não há uma limitação quanto ao número de visitantes.
Com as mudanças - previstas para agosto, mas que devem ser adiantadas para a metade de julho -, todo acompanhante deverá apresentar documento de identidade, que será registrado em um sistema integrado. Em seguida, receberá um crachá. Procedimento semelhante será feito com os visitantes, no limite máximo de dois por paciente.

* Participaram desta cobertura Adriana Irion, Cristiane Bazílio, Jeniffer Gularte e Humberto Trezzi



MAIS SOBRE

Últimas Notícias