Sentindo na pele
Jornalista vive dia de jornaleira
No Dia do Jornaleiro, repórter conta como é a rotina desses profissionais após trabalhar vendendo o Diário Gaúcho no Terminal Triângulo.
Na madrugada, damos a partida
Usando o uniforme amarelo e inconfundível de jornaleira do Diário Gaúcho, madruguei para chegar à tempo do começo da distribuição dos jornais a partir do Parque Gráfico Jayme Sirotsky, na Zona Norte da Capital. Pouco depois das 4h, saímos com uma van carregada de 7,2 mil exemplares, incluindo os de Zero Hora, que seriam vendidos pela equipe de jornaleiros da Zona Norte. A primeira parada foi na Estação Farrapos. Os jornais foram distribuídos para dois jornaleiros. Na sequência, paramos na Avenida Farrapos, onde mais quatro jornaleiros foram abastecidos. Na terceira parada encontramos Felipe Castro Azevedo, 29 anos, o jornaleiro que me acompanhou na manhã de trabalho.
No ônibus, equilibrismo com os jornais
Morador do Bairro Sarandi, Felipe chegou à Farrapos por volta das 4h30min. Há dez anos no ofício, Felipe vende, em média, de 650 a 700 jornais por manhã. Já foi garçom e pedreiro, mas diz que gosta mesmo é do contato com as pessoas. Assim que ele pegou as "malas de jornais", passei a acompanhá-lo. Antes de partir, o grupo tomou café feito diariamente pela jornaleira Vanda Beatriz Soares da Silva, 34 anos. De ônibus, fomos juntos até o Terminal Triângulo. Durante o trajeto, Felipe vendeu um ou outro exemplar e equilibrou com a minha ajuda nada menos do que 750 jornais. A pilha batia na minha cintura e balançava com a velocidade do ônibus. Achei que mantê-la intacta até o desembarque seria quase impossível. Felipe sequer se preocupou.
Com as moedas na mão
O dia ainda não havia amanhecido quando chegamos no Terminal Triângulo, por volta das 5h20min. No colete, acomodei um exemplar do Diário Gaúcho nas costas. Peguei outros cinco e juntei debaixo do braço, imitando Felipe. Os primeiros clientes começam a aparecer. Ainda sem troco, tratei de abastecer minha pochete com moedas de R$ 0,10, R$ 0,50 e R$ 1. Felipe sempre está com os trocados com ele. As moedas de baixo valor ficam no bolso esquerdo e a notas de papel na pochete. Eu, com pouca habilidade, preferi segurá-las na mão. Com moedas de R$ 0,10 e R$ 1 em punho, ganhei agilidade.
Pressa acelera as vendas
A menos que não esteja na hora do ônibus, quem passa pelo Terminal Triângulo tem pressa. A clientela começou a nos cercar em busca do jornal. Nas primeiras vendas me atrapalhei, alguns estranharam minha dificuldade e até desistiram do troco quando percebiam a pouca experiência.
- Tem que ser rápido, os clientes estão sempre correndo, se não perdem o ônibus - avisa Felipe.
Quando começo a me familiarizar, percebo que as moedas de R$ 0,10 estão acabando. Só quem vende um jornal que custa R$ 0,90 consegue entender como isso é angustiante. Fui socorrida por Felipe e continuei.
DG acompanhou cotidiano dos jornaleiro
Foto: Ronaldo Bernardi, Agência RBS
Dono do campinho
Felipe está há quatro anos vendendo no Terminal Triângulo. Por ali, ele é o dono do campinho. Olho no olho, sorriso no rosto e um "bom-dia" cheio de simpatia são a sua receita de sucesso.
- Força de vontade e um papo com o cliente são o principal. Nem todos os dias eles querem conversar, mas sempre é bom saber como eles estão - conta.
Não à toa, os clientes lhe chamam pelo nome - há quem o trate apenas por Fê -, perguntam como foi o final de semana, como está a pintura da casa... como se fossem da família. E para Felipe, são mesmo.
- Eu trabalho sozinho mas nunca estou sozinho.
- Ele está sempre rodeado de gente. Eu chego, ele pergunta como estou, como está a família. O Fê é nota 10 - conta a chefe de cozinha Maria Isabel Bosch, 53 anos, de Cachoeirinha.
A cuidadora Maria José Nunes da Silva, 55 anos, conta que ficaram amigos apenas da convivência no terminal.
- Todo mundo adora ele aqui.
Tão acostumados com Felipe, muitos faziam questão de ser atendidos por ele e dispensavam minha oferta. Não queriam ser infiéis. Outros, questionavam se ele iria embora ou entraria de férias, por estar "treinando uma assistente".
Meu DG
Estrategicamente, ficamos próximos do desembarque dos passageiros. Muitos saem do ônibus com as moedinhas contadas em mão, vêm em nossa direção sorrindo, pedindo "o meu DG".
- As pessoas têm um carinho com o jornal. Gostam de ler, de comentar, compram todo dia - comenta Felipe.
Ontem, com a vitória da dupla Gre-Nal no fim de semana, o clima de bom humor era ainda maior. Gremistas e colorados compravam o jornal satisfeitos com a manchete.
Na quinta-feira passada, com os bons resultados da dupla no Brasileirão, todos os exemplares foram vendidos bem antes do previsto, e Felipe encerrou o trabalhou mais cedo. Ainda ontem, os leitores cobravam o "sumiço de Felipe".
- Por que tu não estava aqui na quinta? - questionavam.
A todos eles, Felipe explicava o motivo.
Repórter Jeniffer Gularte viveu um dia na profissão
Foto: Ronaldo Bernardi, Agência RBS
Depois da correria, o cansaço
Até as 8h, já tínhamos vendido cerca de 400 jornais que tínhamos ali. Às 9h15min, havia menos de cem. Com minha ajuda, - que certamente não fez muita diferença -, Felipe fechou o dia com 700 exemplares vendidos.
Quando baixou o movimento, comecei a sentir dores nas costas, peso nas pernas e cansaço. Quanto menos clientes apareciam, mais o sono pesava. Felipe ainda estava firme. No fim da jornada, foi até um ponto de encontro e fez o acerto do dinheiro das vendas junto com os outros colegas e, até meio-dia, estava liberado. A tarde é sempre de descanso.
Profissão para poucos
Em Porto Alegre, há cerca de 75 jornaleiros na ativa. Outros 50 estão espalhados no interior do Estado. De acordo com o presidente do Sindijor/RS, Volmir Helio Sauer, há uma década, havia pelo menos 400 jornaleiros apenas na Capital.
O piso da categoria é de R$ 782,35. A jornada na Capital é de seis horas. No Interior, onde a rotatividade dos profissionais é maior, costuma ser de duas horas.
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