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Doações e voluntariado

À procura da solidariedade

Ongs e entidades assistenciais observam a queda de doadores e do envolvimento da população.

02/10/2014 - 09h02min

Atualizada em: 02/10/2014 - 09h02min


Fernando Gomes / Agencia RBS

Foram exatos 27 minutos até secarem os 500 litros dos panelões da Casa da Sopa, no Bairro Restinga, em Porto Alegre, na manhã de ontem. Por falta de alimentos, os voluntários não produziram mais. E a fila de quem ainda aguardava precisou ser desfeita às pressas. No mesmo horário, no Banco de Leite Humano do Hospital Fêmina, as funcionárias precisaram escolher quais dos dez bebês receberiam o estoque final de leite que ainda restava nos freezers da instituição. Os demais seriam alimentados com fórmula especial. Em ambos os casos, a situação foi a mesma: faltaram doações.
No final do mês de julho, o Diário Gaúcho constatou que somente quatro de 14 instituições voluntárias que ofertavam almoço para os carentes na Capital e na Região Metropolitana seguiam atuantes. Por falta de doadores de alimentos, as demais acabaram fechando nos últimos 12 meses. Não há dados que confirmem se as doações em geral diminuíram, o certo é que quem atua em entidades e órgãos da área relata a diminuição da solidariedade alheia.
- Poderíamos atender muitas outras famílias. Mas de uns tempos para cá, as doações espontâneas diminuíram. Parece que as pessoas deixaram de acreditar que ao ajudar o próximo estará ajudando o mundo - constata o microempresário Rogério Fraga da Silva, 54 anos, que há seis anos, nas terças e quartas-feiras, se dedica a preparar o sopão dos necessitados da Tinga.
A mesma observação faz a dona de casa Maria Elaine da Silva, 55 anos, que há 16 anos oferece 120 litros de sopa a crianças e adultos carentes da Vila Americana, em Alvorada. Sem doadores, ela deixou de fazer o sopão nas quartas-feiras.
- Já pensei em parar porque as contribuições diminuíram. Tem semanas que preciso tirar do próprio bolso. Parece que as pessoas deixaram de acreditar nas obras sociais - suspeita.

"Há uma desmobilização da cidadania"

Mas não são apenas as doações de alimentos que andam escassas. Um levantamento da Central de Transplantes do Estado constatou que metade das famílias gaúchas ainda se negam a doar órgãos de pacientes com morte encefálica confirmada. A coordenadora da Central de Transplantes, Rosana Nothen, é taxativa na explicação para a negativa:
- Há uma desmobilização da cidadania. Se houver qualquer dúvida ou falta de informação, o não sempre vence.
No Hemocentro, a psicóloga e responsável pelo Núcleo do Doador, Sandra Garcia Bueno, relata que o órgão não consegue atingir a meta ideal de cem doadores de sangue diários. No máximo, as doações chegam a 70 por dia. Para mantê-las, é necessário um constante estímulo por meio de campanhas de mobilização.

Doações caíram. Voluntariado aumentou

Presidente da Parceiros Voluntários, uma das entidades mais atuantes no voluntariado no Estado, Maria Elena Johannpeter ressalta que ao contrário das doações, cada vez mais aumenta o número de pessoas que buscam o trabalho voluntário. Há, por exemplo, fila de espera na Parceiros.
Um dos argumentos para o aumento de voluntários estaria no esclarecimento da atuação da entidade para a sociedade em geral. A divulgação ocorre na mídia e nas escolas. Segundo ela, o voluntariado exige dedicação de tempo, de investimento e de emoção.
- Solidariedade não pode ter nível social. São pessoas ajudando pessoas - afirma.

Passivo e negativo

O psicólogo e professor da Unisinos Fábio Alexandre Moraes, que atua na área de psicologia social, percebe a desmobilização da cidadania como um sintoma da sociedade atual. Para ele, o crescimento do individualismo no ser humano pode ser uma das explicações para a questão:
- Na sociedade atual, as pessoas cada vez mais se relacionam de forma menos profunda. O compromisso com o próximo acaba sendo esquecido.
Outra situação levantada pelo professor é com relação ao negativismo aparente. Um exemplo ocorreu no ano passado, durante as manifestações de junho, quando as ruas mostraram a insatisfação da população.
- O ser humano está numa posição mais passiva. Quase um "não importa o que eu faça, nada vai mudar" - completa.
Mas o psicólogo alerta para uma saída positiva:
- É preciso que o ser humano saiba que participar de uma iniciativa comunitária faz bem para a saúde dele e de toda a sociedade.


Falta massa para o sopão

Com baldes de dois litros nas mãos, a dona de casa Lorena Fátima Soares de Lima, 60 anos, da Vila 5ª Unidade, no Bairro Restinga, foi cedo para a fila da Casa da Sopa, ontem. Junto com os filhos dos vizinhos, garantiu alimento para 15 pessoas. 
- A gente só vem porque precisa mesmo. Pode faltar comida em outros dias, mas sabemos que o almoço e a janta de quarta-feira estão garantidos - afirmou.
Voluntária na ação desde o início do projeto, a auxiliar de laboratório Marlene Ferrari, 54 anos, moradora do Bairro Bom Fim, lamenta a falta de mais doações. Há dois meses, por exemplo, a sopa é feita sem massa. 
- Duas situações estão contribuindo para a diminuição das doações na Casa: as pessoas dizem que a situação econômica piorou e a descrença das pessoas na ação social. Elas não querem doar sem ver para quem estão doando - constata Marlene. 


Leite em falta

Vazio, um dos dois freezers usados para guardar o leite materno doado está desligado há dois meses. No outro, ontem, apenas uma gaveta de cinco tinha ainda o principal alimento para os recém-nascidos. Segundo a nutricionista Beatriz Streppel, para que o hospital tivesse estoque seriam necessárias pelo menos 20 doadoras.
- Hoje, temos seis. Algumas se oferecem para doar, mas não querem vir até o Banco para uma entrevista. A visita é só na primeira vez. Depois, buscamos o leite na casa da doadora. Mesmo assim, poucas aceitam a condição - lamenta.
Bruna Cibele Borges da Silva, 16 anos, que deu à luz no sábado passado, doou 200ml ontem para a filha Emanuelly. Mas garantiu, se somando à corrente de doações:
- Se recebermos alta, vou deixar o meu leite para outros bebês.


Como ajudar as instituições

Associação Amigos Voluntários Casa da Sopa: quartas-feiras, a partir das 11h30min
Precisa de doações de massa, carne de gado e de frango, arroz, todos os tipos de verduras e de alguém que conserte uma das panelas industriais usadas para o sopão.
Contatos: Alaor, 9976-9657, e Roni, 8166-0808


Sopão da Associação Beneficente Casa da Sopa: sábados, a partir das 11h30min
Precisa de doações de massa, carne de gado e de frango, arroz, todos os tipos de verduras e de alguém que conserte uma das panelas industriais usadas para o sopão.
Contatos: 3411-2525, 9169-8355 e 8582-6067, com Maria Elaine da Silva

Banco de Leite Humano do Hospital Fêmina: segunda à sexta, 7h às 12h30min e das 13h às 23h. Sábados, das 10h às 18h. Domingos e feriados, das 7h às 12h e das 13h às 18h. Precisa de doadoras saudáveis, que estejam amamentando e que possam doar o leite excedente. A primeira doação ocorre no hospital. Nas demais, o Corpo de Bombeiros busca na casa uma vez por semana. Contatos: 3314-5362 e 3314-5353

Hemocentro: segunda a sexta- 8h às 18h, na Bento, 3722.
Precisa de doadores de todos os tipos de sangue. Com documento com foto, bem de saúde, não pode estar grávida ou amamentando. De 16 (com autorização dos pais) a 70 anos incompletos. Contatos: 3336-6755


 


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