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Mãe do menino executado na Restinga: "Ele estava na Fase e não queria sair de lá"
Diário Gaúcho conversou com Jocelaine Gonçalves Rocha, 40 anos, mãe de Emanuel, 12 anos, executado a tiros na Restinga durante a madrugada de quarta-feira, dia 29
A mãe do menino Emanuel Vinícius Gonçalves Rocha, 12 anos, executado a tiros na Restinga na madrugada de quarta-feira, dia 29, conversou com exclusividade com o Diário Gaúcho. Localizada no final da tarde de quarta, 29, ao chegar em casa após a jornada de trabalho, em São Leopoldo, Jocelaine Gonçalves Rocha, 40 anos, foi levada à 4ª DHPP para prestar depoimento.
À reportagem, ela fez um desabafo:
"Ele estava na Fase e não queria sair de lá. Ele até estava querendo estudar. Foi o único lugar que ele achou que estava melhor. Mas a juíza disse que ele não tinha cometido um delito grave e que não poderia ficar lá. Então, decidiram transferi-lo para um abrigo lá de São Leopoldo (referência à última internação de Emanuel). Eu pedi para o Conselho (Tutelar), pedi para o juiz, mas nada adiantou. Ninguém me ajudou. Eu sabia que não iria ver mais o meu filho se eles o transferissem. E eles também sabiam que ele iria acabar fugindo.
Faz umas duas semanas que minha sobrinha ligou para o abrigo para falar com ele. A pessoa que atendeu disse que ele tinha evadido. E nem tinham nos avisado. Desde aquele dia, a gente vinha procurando ele. O Ação Rua (serviço da Fasc, na Capital, que aborda e identifica crianças e adolescentes em situação de rua) estava me ajudando bastante.
Eu passei três anos trabalhando sem carteira assinada, catando lixo, para não deixar meus filhos passarem fome (além de Emanuel, ela tem mais dois, de 14 e quatro anos, e os cria sozinha). E agora eu venho aqui para buscá-lo nessa situação."
Foto: Reprodução
Aos 12 anos, executado pelo crime
De dentro das suas casas, os moradores ao redor da Avenida Doutor João Dentice, Bairro Restinga, só ouviram os tiros. Foram cinco, que quebraram o silêncio do começo da madrugada de quarta-feira. Os poucos que foram à rua encontraram o corpo franzino, com jeito e rosto de criança, cabelos descoloridos, vestido com uma bermuda de surfe, camiseta Nike e chinelos de dedo, caído no meio da rua. Ali, ninguém o conhecia.
- Era uma criança mesmo, pequeninho. Não consegui dormir o resto da noite, só lembrando do meu filho que já foi morto aqui no bairro há dois anos - disse uma moradora, de 60 anos.
Só no começo da tarde de ontem, a polícia confirmou que se tratava de Emanuel Vinícius Gonçalves Rocha, com apenas 12 anos e um já longo histórico de andanças, abandono e violência. Fazia duas semanas que havia fugido de uma unidade da Fase, no Vale do Sinos, onde cumpria medida socioeducativa em regime semiprivativo, depois de ter sido pego no Centro da Capital por roubo. O que a polícia tenta entender agora é como ele foi parar na Restinga.
- Temos uma suspeita de que ele tenha sido levado para a Restinga com o objetivo de traficar, mas infelizmente era um menino sem um local fixo, que, aparentemente, andava vagando pelas ruas da cidade - afirma o delegado Adriano Melgaço, responsável pela investigação na 4ª DHPP.
Ele era natural de Alvorada mas a mãe mora em São Leopoldo. No final da tarde de ontem, Jocelaine Gonçalves Rocha, 40 anos, foi localizada pela polícia. Ela identificou o corpo do filho no DML e prestou depoimento na 4ª DHPP.
Nos últimos três anos, Emanuel colecionou um histórico de nove ocorrências de fugas e desaparecimentos de casa, de abrigos, de assistentes sociais que tentavam ajudá-lo e até da escola. Há casos registrados em praticamente todas as regiões de Porto Alegre.
Foi no município do Vale do Sinos que aconteceu a última tentativa de recuperar Emanuel, depois de ter sido apreendido no dia 9 de fevereiro, no Centro da Capital, por tráfico. No mês anterior, ele já havia sido pego por roubo a pedestre na mesma região.
Em agosto, Emanuel completaria 13 anos.
À tarde, estava na Praça da Alfândega
O menino já era figurinha conhecida pelos assistentes sociais que atuam na região central de Porto Alegre. Incontáveis vezes, eles tentaram convencê-lo a sair da rua. Mas era uma missão quase impossível, como registrou uma assistente social no dia 4 de fevereiro, em ocorrência da 14ª DP, na Zona Norte.
Na tarde de terça, a equipe da Associação Intercomunitária de Atendimento Social (Aicas), entidade ligada à Fasc, o abordou novamente na Praça da Alfândega, Centro. Arredio, Emanuel saiu dali sem lhes dar atenção. E é deste ponto que a investigação policial começa a apurar como ele foi parar na Zona Sul de Porto Alegre.
De acordo com o delegado Adriano Melgaço, já há algumas suspeitas do aliciamento do menino para, possivelmente, vender drogas na Restinga.
O histórico do Emanuel:
-> Aos 9 anos, em fevereiro de 2012, ele fugiu da Casa Lar do município no Bairro Santo Antônio, Zona Leste da Capital.
-> Aos dez anos, em agosto de 2012, de volta aos pais, ele fugiu de casa, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da cidade.
-> Em novembro do mesmo ano, já morando na Zona Sul de Porto Alegre, foi levado à escola pelos pais e fugiu da sala de aula.
-> Em maio de 2013, ainda na Zona Sul, fugiu de casa novamente.
-> Acabou acolhido outra vez, mas voltou a fugir em julho de 2013.
-> Em fevereiro de 2014, aos 11 anos, de volta a uma Casa Lar do município, escapou outra vez.
-> Aos 12 anos, em janeiro deste ano, ele fugiu de outro abrigo do município.
-> Dias depois, foi apreendido pela Brigada Militar depois de roubar um pedestre no Centro. Acabou entregue aos pais.
-> No mês seguinte, dia 4 de fevereiro, de volta às ruas, foi abordado por uma assistente social e escapou.
-> Cinco dias depois, foi flagrado pela Brigada Militar outra vez, agora traficando no Centro.
-> Acabou encaminhado à Fase para cumprir medida socioeducativa em São Leopoldo, para onde a família se mudou.
-> Segundo a mãe do menino, ele foi transferido para um abrigo, de onde fugiu.