Reféns do medo
Oito escolas fecharam por violência em Porto Alegre neste ano
Levantamento do DG mostra que aulas foram suspensas ou interrompidas em 20 dias, afetando cerca de 2 mil estudantes
A guerra do tráfico e os crimes contra o patrimônio não perdoam nem aqueles espaços voltados ao aprendizado e ao crescimento. Neste ano, pelo menos oito escolas da Capital e cerca de 2 mil alunos tiveram aulas suspensas ou interrompidas pela violência.
O levantamento foi feito pelo DG em 41 colégios localizados em regiões de grande vulnerabilidade social: Arquipélago, Bom Jesus, Mario Quintana, Restinga, Rubem Berta e Santa Teresa. No total, foram 20 dias em que algum dos locais mudou sua rotina por toque de recolher, informação de tiroteio, arrombamento ou incêndio. A questão extrapola o "ficar sem aula": a insegurança toma parte do cotidiano.
Um dos exemplos vem da Escola Estadual de Ensino Médio Santa Rosa. Localizada na Avenida Bernardino Oliveira Paim, no Rubem Berta, a instituição suspendeu as aulas por três noites.
- Alguém estava ligando e avisando para não abrir. Alunos perderam aula, vão ter de recuperar durante final de semana ou férias. Isso que prejudicou, a falta de aulas por uma coisa que não estaria acontecendo na escola, mas no bairro - relata o estudante Willian Vargas, 19 anos.
Uma professora, que pede para não ser identificada, afirma que a sensação é de impotência:
- Não sabemos o que fazer com as crianças menores. Alguns pais vêm buscar antes.
No lado oposto da cidade, na Restinga, a Escola Municipal de Educação Infantil Dom Luiz de Nadal não chegou a cerrar os portões em 2015 por situação semelhante. Mas não significa que sua rotina não tenha sido alterada por conflitos.
- O que acontece fora dos muros da escola nos afeta, como as crianças não poderem ir para o pátio. A gente fica tensa, abala a parte psicológica. Os pais ligam e perguntam se podem vir buscar - relata a diretora Maria do Carmo Souza.
Quando chega a notícia de que pode haver tiroteio em determinada região, pais e alunos lançam mão dos telefones. A pergunta é: buscar ou não as crianças? As decisões dependem de cada escola. Alunos podem ir embora mais cedo ou mais tarde. Nesses territórios, o colégio abraça uma função que não é sua - cuidar dos alunos longe de seus muros.
Colégio Paraná, na Zona Sul, sofreu incêndio criminoso | Foto: Carlos Macedo
"Problema é muito mais complexo", afirma sociólogo
O sociólogo e professor da Unisinos Carlos Gadea analisa que fechar as portas por questões de violência é reflexo do que acontece onde está o colégio.
- A escola é a instituição onde mais repercutem as coisas que acontecem ao seu redor. Depende muito do contexto do bairro. Não é problema tanto da escola enquanto local, é muito mais geral e complexo - afirma.
O pesquisador cita Medellín, na Colômbia, como exemplo de mudança na segurança. Ele aponta como positivas ações como proporcionar bibliotecas, esporte, lazer e acesso à internet para as populações:
- Muitos jovens que poderiam entrar no narcotráfico, quando crianças começaram a ir a esses lugares. Aos 14, 15 anos, já tinham passado anos lá aprendendo alguma coisa.
Estado aposta na prevenção
A Secretaria da Educação do Estado elegeu como um dos programas prioritários para a área a criação de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipaves) - a meta é instalar pelo menos cem nas regiões com maiores índices de violência. O desdobramento, conta o titular da pasta, Vieira da Cunha, é a participação de outras secretarias, sob a coordenação da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos.
- A escola pode estar isenta do problema de violência, mas a comunidade está inserida nessa situação. Então, os problemas sempre acabam refletindo na educação - afirma a gerente do projeto, Luciane Manfro.
Vieira vê no ensino de tempo integral uma medida capaz de mudar a realidade de comunidades conflagradas. O secretário quer terminar a gestão com 300 instituições nessa modalidade:
- É uma importante ferramenta. A criança fica o dia inteiro em atividades educativas e prazerosas. É retirada daquele ambiente, fazemos um resgate social.
Na Santa Rosa, aulas foram suspensas em três noites | Foto: Luiz Armando Vaz
Município busca a integração
Integrante da Assessoria Técnica e Articulação em Rede (Atar), da Secretaria Municipal da Educação (Smed), a assistente social Joice Lopes da Silva explica que fechar ou não uma escola depende da tensão na qual a comunidade vive. Isso é avaliado por diretores e secretaria. Depois, as horas têm de ser recuperadas.
- O trabalho da escola passa muito por ter vínculo com alunos e famílias e conseguir entender as questões do território. Se a escola entrasse num enfrentamento, não conseguiria se manter - conta.
Para ela, os momentos mais tensos precisam ser usados para se fazer uma reflexão da violência com alunos e pais e, a partir daí, repensar algumas escolhas e valores.
- Conflitos fazem parte de uma realidade social. Tem se tentado conviver e lidar com essas questões. Não tem como ir contra, a escola aprende a lidar - diz Joice.
A Smed trabalha em rede integrada, com assistência social, Conselho Tutelar e saúde, na qual é discutida a situação do território e de cada aluno.
*Diário Gaúcho