Preconceito
Com 600 mortes em seis anos, Brasil é o que mais mata travestis e transexuais
Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes no país
O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes no país, segundo pesquisa da organização não governamental (ONG) Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero.
- Infelizmente, são pouquíssimas [transexuais e travestis] que conseguem passar dos 35 anos de idade e envelhecer. Quando não são assassinadas, geralmente acontece alguma outra fatalidade - conta Rafaela Damasceno, transexual que luta pelos direitos dessa população.
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Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, publicado, em 2012, pela Secretaria de Direitos Humanos (hoje Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos) apontou o recebimento, pelo Disque 100, de 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros), envolvendo 4.851 vítimas. Em relação ao ano anterior, houve um aumento de 166% no número de denúncias - em 2011, foram contabilizadas 1.159 denúncias envolvendo 1.713 vítimas.
Segundo o relatório, esses números apontam para um grave quadro de violência homofóbica no Brasil.
"Foram reportadas 27,34 violações de direitos humanos de caráter homofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2012, 13,29 pessoas foram vítimas de violência homofóbica", diz o documento.
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O relatório mostra que, em 2012, 71% das vítimas eram do sexo masculino e 20% do sexo feminino. Algumas vítimas não declararam sexo.
As violências psicológicas foram as mais reportadas, com 83,2% do total, seguidas de discriminação, com 74,01%; e violências físicas, com 32,68%.
Entre as violências físicas, as lesões corporais foram as mais reportadas, com 59,35%, seguidas por maus-tratos, com 33,54%. As tentativas de homicídios totalizaram 3,1%, com 41 ocorrências, enquanto assassinatos contabilizaram 1,44% das denúncias, com 19 ocorrências.
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Além dos dados coletados no Disque Direitos Humanos (Disque 100), o relatório também incluiu informações sobre violações publicadas em veículos de comunicação.
Em 2012, foram divulgadas na mídia 511 violações contra a população LGBT, destas 310 foram homicídios. De acordo com o documento, as travestis foram as maiores vítimas de violência homofóbica, sendo 51,68% do total; seguidas por gays (36,79%), lésbicas (9,78%), heterossexuais e bissexuais (1,17% e 0,39% respectivamente).
"A invisibilização e o desconhecimento das transexuais espelha se também na subnotificação nos meios midiáticos, onde não se encontraram notícias relacionadas a essa parcela da população", diz o relatório.
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Na imprensa, a violência física à população LGBT é a mais relatada, com 74,56%; seguida pelas discriminações (8,02%), violências psicológicas (7,63%) e violência sexual (3,72%).
Entre as violências físicas, os homicídios são os mais noticiados, com 74,54%, seguidos por lesões corporais (10,76%), latrocínios (6,82%) e tentativas de homicídio (7,87%).
De acordo com o documento, 54,19% das vítimas eram do sexo masculino e 40% eram travestis.
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Subnotificação
Para a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), Cris Stefanny, os casos de violência contra essa população são subnotificados.
- Grande parte das mulheres trans e travestis não têm acesso à informação e aos meios de comunicação. E elas não denunciam. Há poucos dados reais sobre essa violência, que é velada - afirma.
Para a ativista Chopelly Glaudystton, mulheres transexuais são assassinadas por estimular o machismo nos homens.
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- Uma mulher transexual é assassinada porque ela estimula o ódio no homem, no machismo do homem, porque na concepção dele você saiu do ser superior e optou pelo ser inferior. Para eles, você merece ser castigada, você merece morrer. Então seu corpo é violado, é assassinado.
Além da violência física, Chopelly destaca que as transexuais são alvo de violência psicológica constantemente.
- Quando uma pessoa olha para você, vê toda a sua transformação, a sua construção e ainda assim o chama de senhor ou não respeita o nome social. O não reconhecimento do gênero que você construiu ao longo dos anos, isso machuca -conta.
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Sociedade
Symmy Larrat, primeira travesti a ocupar a função de coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) da Secretaria Especial de Direitos Humanos, considera incompreensível o modo como as travestis e transexuais são tratadas na sociedade brasileira.
- Eu tive uma educação pautada no amor, no respeito ao próximo. Me traz estranheza viver num mundo em que as pessoas se olham com esses olhares diferentes, que elas se categorizam a partir de uma genitália, a partir de uma cor, de uma estrutura corporal, a partir de uma maneira de falar.
A Argentina, por exemplo, tem uma legislação mais avançada e garante a transexuais e transgêneros facilidades na obtenção e troca de documentos - no Brasil para obter uma identidade com nome e gênero com o qual se identifica, transexuais precisam recorrer à Justiça e esperar alguns anos para obter decisão favorável.
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Presidente do Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais (Gretas), organização não governamental de São Paulo, Aline Marques afirma que não busca privilégios, mas que quer ser tratada com respeito e dignidade.
- Eu sempre carrego a palavra gentileza. Isso é uma coisa tão simples de se fazer, ser gentil com o próximo. O preconceito não nos mata. O que nos mata é o ódio da pessoa que não entende que somos mulheres trans.
Violência doméstica
As transexuais também querem encontrar mecanismos para que a violência doméstica contra essa população não fique impune. Para isso, elas reivindicam o amparo da Lei Maria da Penha. Na avaliação delas, esse é um passo importante na conquista da igualdade de condições e de direitos.
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- A lei, por si só, já garante o respeito ao gênero feminino. Só que quando chega na base, o profissional que está lá, o delegado, a delegada, o juiz, podem não ter a interpretação de reconhecer você como do gênero feminino. E não aplicar a lei. É preciso discutir como isso vai valer na base - afirma Chopelly Glaudystton, 33 anos.
Um projeto de lei (PL 8032/2014) de autoria da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) tenta deixar a legislação mais clara e ampliar a proteção da Lei Maria da Penha para transexuais e transgêneros que se identifiquem como mulheres.
No mês de agosto, a relatora da proposta na Comissão de Direitos Humanos, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), apresentou parecer favorável ao projeto.
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*Agência Brasil