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O ano em que o Brasil andou para trás

A crise econômica, somada à política, levou quase todos os indicadores do país a retrocederem em 2015. Retomar o crescimento é o desafio para 2016

26/12/2015 - 15h03min

Atualizada em: 26/12/2015 - 15h03min


Lauro Alves / Agencia RBS
Desemprego voltou a crescer e preocupa principalmente no setor industrial

Quando 2015 ficar para trás e fizer parte dos livros de História, é bem provável que a crise vivida hoje ocupe um bom número de páginas. Poucas vezes o Brasil passou por um período tão turbulento na economia, com recessão forte e inflação alta. Mas não foi só isso. Praticamente todos os indicadores mostram que neste ano o país engatou marcha a ré e pisou no acelerador: indústrias produziram menos, famílias consumiram menos, empresas contrataram menos e trabalhadores ganharam menos, voltando atrás vários dos quilômetros socioeconômicos avançados na última década.

Em alguns casos, o retrocesso leva a resultados semelhantes aos do início dos anos 2000. Os preços subiram a um ritmo não visto desde 2002. O peso da dívida pública voltou aos patamares de 2004. Combinados com o recuo expressivo do Produto Interno Bruto (PIB) e a instabilidade política gerada pela crise em Brasília, os indicadores dão a impressão de que estamos de volta à década de 1980.

O temor de economistas é que o passo atrás dado em 2015, e que deve ser repetido, pelo menos em parte, em 2016, coloque em risco conquistas sociais dos últimos anos. A preocupação foi expressa por Flávio Comim no discurso de agradecimento por ter sido escolhido Economista do Ano pelo Conselho Regional de Economia (Corecon-RS). Doutor em Cambridge e com passagem pela Organização das Nações Unidas (ONU), Comim manifestou o risco de que a população das classes D e E, que levou sete ou oito anos para passar para a classe C, retorne à situação anterior em apenas dois anos.

- Estamos jogando fora nosso bônus demográfico, já que a riqueza de um país é a formação da inteligência e da capacidade do jovem - diz Comim.

A inquietação também é de economistas de linha mais liberal, como Monica de Bolle, com passagem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington (EUA).

- Se nada fizermos, teremos um processo muito danoso para a economia brasileira e, principalmente, para aquelas pessoas que ascenderam à classe média nos últimos 10 anos. Sabe essa história do PT de que foram capazes de tirar 35 milhões de brasileiros da pobreza e levá-los à classe média? São exatamente essas as pessoas que mais sofrem com o avanço do desemprego de um lado e o aumento desenfreado da inflação de outro - afirma Monica.

A redução da meta de superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública) e o esperado rebaixamento do Brasil por mais uma agência de classificação de risco, no caso, a Fitch, em dezembro, fecham o ano marcado por retrocessos e reforçam os desafios para os próximos anos.

Para a guinada ocorrer, é preciso que o governo recupere a credibilidade frente à iniciativa privada e investidores - missão agora que cai sobre as mãos de Nelson Barbosa, recém-empossado ministro da Fazenda no lugar de Joaquim Levy. Recebido com desconfiança pelo mercado, que vê nele um ministro menos preocupado com o ajuste nas contas públicas do que o antecessor, Barbosa tem o desafio de convencer o Congresso a aprovar medidas de ajuste fiscal em meio a um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Economistas divergem sobre a capacidade do novo ministro em realizar mudanças necessárias.

Nenhum indicador refletiu tão bem o cenário turbulento deste ano quanto o câmbio, que avançou 48,5% em 2015 e atingiu o patamar histórico de R$ 4,24 em setembro passado - nas casas de câmbio, o dólar turismo chegou a ser vendido a R$ 4,45. Apesar de prejudicar quem pensava passar férias no Exterior, a alta do dólar por si só não pode ser considerada um retrocesso porque também traz benefícios para a economia - incentiva a produção industrial e favorece a balança de pagamentos do país, por exemplo. A oscilação expressiva, no entanto, deixa marcas do agravamento da saúde da economia brasileira ao longo dos meses. O câmbio flutuante e as intervenções diárias do Banco Central impediram que a moeda americana disparasse, como ocorreu em 1999 ou logo após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, mas não impediram que o câmbio atingisse o maior valor nominal já visto.

- A tendência é de que esse quadro absolutamente desfavorável se reflita ainda mais no dólar, que logo no início do ano pode ir a patamares elevados. O Banco Central detém instrumentos limitados para conter pressões maiores e consistentes. Não se pode descartar até a ocorrência de movimentos especulativos sobre o real - afirma Sidnei Moura Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora e especialista em câmbio.

A expectativa de analistas é de que 2016 seja ainda ruim, mas menos pior do que foi 2015. O mais recente relatório Focus, divulgado no início da semana passada, prevê recessão de 2,8% no próximo ano. O começo da recuperação depende da agilidade dos parlamentares em encontrar uma solução rápida para o impasse político instalado no Congresso. Se o embate entre governo e oposição se estender por muitos meses na Câmara e no Senado, corre-se o risco de o país ficar mais um ano preso ao passado. Mesmo que a moda seja cíclica e possamos voltar a usar mangas bufantes e penteados volumosos, não se deseja o retorno da década perdida.

 

ENTREVISTA: Marcelo Portugal, economista e professor da UFRGS

"O pior problema do país é o aumento da dívida pública"

Em dezembro de 2014, o economista e professor da UFRGS Marcelo Portugal já alertava que o gasto público era difícil de cortar, mas, apostando em mudanças na política econômica do Palácio do Planalto, projetava um 2015 de crescimento do PIB de 1%, inflação de 6,3% e dólar a R$ 2,68. Agora, volta a alertar para o descontrole fiscal do país.

Este foi um ano em que os principais indicadores econômicos do país andaram para trás. Qual desses retrocessos é o mais preocupante?
É o tamanho da dívida pública, porque é o mais difícil de ser corrigido. Queda na renda do trabalhador, sendo a inflação controlada, é possível de ser revertida em um ano, um ano e meio. Se o Banco Central subir o juro e o governo reduzir um pouco do gasto público, é possível conter a alta dos preços. Ano que vem já tende a ser um pouco melhor. Consertar o tamanho da dívida pública leva cinco, seis, sete anos. É difícil mexer nos gastos públicos e mudar a trajetória de aumento da dívida. É como um navio. Não dá para dar um cavalo de pau, é preciso ir virando o leme devagarinho. Além disso, gera muitos desdobramentos na economia.

Quais, por exemplo?
Foi o aumento da dívida que nos fez perder o grau de investimento, que gerou a desvalorização excessiva do câmbio, que por sua vez aumentou a inflação e corroeu a renda das pessoas. Na origem, o nosso problema é fiscal. Por isso, o pior problema é o aumento da dívida pública, os outros são decorrentes.

Alguma coisa avançou?
Sim, o ajuste das contas externas. O tamanho do déficit em transações correntes em dezembro caiu cerca de 30% em relação ao mesmo mês de 2014. Esse déficit gera um passivo, você fica devendo cada vez mais ao Exterior. É uma dívida que precisa ser financiada, é necessário pegar dinheiro emprestado, atrair investimentos. A balança comercial é outra boa notícia: vai terminar o ano bastante positiva.

A entrada de um novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, com perfil bem mais desenvolvimentista que o anterior, ajuda ou atrapalha?
Se ele for ele mesmo, atrapalha. Se fizer o que ele sempre fez, atrapalha. Mas no discurso de posse, Barbosa disse que era outra pessoa. Se acreditarmos no novo discurso, vamos ficar exatamente onde estávamos antes.

No início do ano, nem os analistas mais pessimistas projetavam retração tão forte. A crise econômica foi alimentada pela crise política ou o problema foi subestimado?
Tem um pouco das duas coisas, mas principalmente houve uma subestimação do problema. Os analistas acertaram, eu inclusive, na direção: todo mundo dizia que 2015 seria ruim, de inflação alta e baixo crescimento. Mas erramos na intensidade. Essa surpresa ocorreu porque nunca tínhamos observado uma queda tão grande na produção. Os modelos matemáticos têm dificuldade de projetar um resultado nunca visto. A rigor, o que está acontecendo agora só ocorreu uma vez na história do Brasil, em 1930 e 1931. Mas essas coisas são tão velhas que não entram nos modelos que usamos. Vamos ter em 2015 e 2016 a recessão mais forte em 85 anos. Além dos erros do governo.

Quais erros, especificamente?
No início do ano, achávamos que o ministro Joaquim Levy conseguiria restabelecer a confiança no país. Mas o governo não quis deixar o ministro trabalhar. Trouxe o Levy e fez um marketing de que tinha mudado a política econômica, mas quando se olha os números, percebe-se que os déficits são muito parecidos. Parte do otimismo contido que existia no início do ano é porque olhávamos a mudança de Guido Mantega para Levy e nos entusiasmávamos, era da água para o vinho. Mas, no final, quando fomos tomar, era água pintada de vermelho.

Temos risco de ter um 2016 pior do que foi 2015?
Pode piorar. O problema central do Brasil é o descontrole fiscal. Estamos em meio a um processo de impeachment. Até quando irá se arrastar? Enquanto não tiver desfecho, a tendência é de que a presidente Dilma (Rousseff) torre dinheiro para tentar conquistar o apoio do Congresso. A situação fiscal vai piorar. A mudança de Levy para Barbosa quem sabe indique justamente isso: talvez o anterior não compactuasse com a bondade fiscal com objetivo político. Quando seu mandato está em risco, você quer alguém que faça todo o necessário para garantir sua permanência. E quanto pior ficarem as contas, pior pode ser o próximo ano.

ENTREVISTA: Adalmir Marquetti, economista e professor da PUCRS

"O fator mais preocupante é a queda nos investimentos"

Ex-presidente da Fundação de Economia e Estatística na gestão de Tarso Genro (PT) no governo gaúcho, o economista e professor da PUCRS Adalmir Marquetti aponta o déficit fiscal como um dos principais desafios do novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, mas cita também a retomada dos investimentos como prioridade.

Este foi um ano em que os principais indicadores econômicos andaram para trás. Qual retrocesso é o mais preocupante?
O fator mais preocupante é a queda nos investimentos. Tem dois efeitos importantes. O primeiro, é que reduz gastos na economia. Fazendo isso, puxa o PIB mais para baixo no curto prazo e mina a capacidade produtiva no médio e longo prazo. Tivemos um declínio muito forte em 2015 e não vejo perspectiva de retomada. Se o governo tem uma variável que precisa de atenção no ano que vem seria essa: como retomar o investimento. A própria Lava-Jato teve papel importante nisso, visto que as empresas envolvidas eram responsáveis por grande parte do que era feito no país.

Alguma coisa avançou?
Tem um aspecto que é positivo. A desvalorização cambial tem tido um efeito importante na redução do déficit na conta corrente da balança de pagamentos. Nos últimos anos, o déficit cresceu muito e preocupava. Agora, temos uma melhora do quadro. Talvez em 2016 continuemos a ver melhoras nesse cenário.

A entrada de um novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, com perfil bem mais desenvolvimentista do que o anterior, ajuda ou atrapalha?
O ministro Joaquim Levy teve um problema que foi a incapacidade de entregar aquilo que prometeu. Ele propôs um ajuste rápido e indolor e não foi capaz de fazer, e isso acabou sendo um dos fatores que levaram à saída dele. O ministro Levy não foi muito hábil nas negociações com o Congresso em um momento político difícil. A substituição por outro ministro traz implicações, mas não aquelas que seriam óbvias. Independentemente das questões teóricas, o ministro tem pouca margem de manobra em relação ao que precisa ser feito. Um exemplo são as contas públicas. Há um problema e medidas precisarão ser tomadas. O diagnóstico é o mesmo, e não existem muitas opções de políticas econômicas que Nelson Barbosa e equipe possam tomar. Nada muito diferente do Levy.

Quais são os desafios de Barbosa?
Um deles já está sendo resolvido, que é o déficit em conta corrente. O outro é o déficit fiscal. O Ministério da Fazenda tem pouca margem de manobra para resolver esse problema hoje.

O ministro Levy tinha o ajuste fiscal como mantra e o mercado agora está desconfiado em relação a Barbosa manter o compromisso. É justificável esse temor?
Isso ocorre porque Barbosa participou do governo, com cargos importantes, no segundo mandato de Lula. Mas acho que ele vai ser um ministro melhor do que Levy, justamente pela capacidade técnica. Ele sabe mais de economia do que o Levy. Mas tem uma questão que é um problema comum a ambos: a capacidade política. Barbosa é extremamente competente do ponto de vista técnico, mas nesse momento um ministro com capacidade de negociar com o Congresso não seria mais adequado? O próprio Fernando Henrique foi um ministro político e que deu resposta positiva para solucionar o embate político que acontecia na época. O Levy não teve essa capacidade, e espero que o Barbosa consiga, apesar de não ser o ponto forte dele.

No início do ano, nem os analistas mais pessimistas projetavam retração tão forte. A crise econômica foi alimentada pela crise política ou o problema foi subestimado?
Em certa medida, as duas coisas aconteceram. A crise política e a econômica alimentaram-se uma à outra. Mas a Lava-Jato, ao atingir em cheio a Petrobras e as empreiteiras, teve um papel importante para distorcer a projeção inicial. A recessão é muito forte, e a queda nos investimentos impressiona.

Temos risco de ter um 2016 pior do que foi 2015?
Ano que vem começa pior do que foi 2015 do ponto de vista econômico. Mas, se tivermos tranquilidade no campo político, se a questão do impeachment for superada, se o ministro Nelson Barbosa mostrar habilidade de negociação, podemos terminar 2016 mais otimistas do que estamos hoje. Podemos terminar o próximo ano com uma retomada da economia, mesmo que do ponto de vista estrito da produção ainda estejamos patinando. Talvez a esperança deixe 2017, aí sim, com crescimento positivo.


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