Triplex no Guarujá
Ministério Público de São Paulo denuncia ex-presidente Lula por lavagem de dinheiro
Promotoria argumenta que político teria ocultado propriedade de imóvel
O Ministério Público de São Paulo denunciou criminalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, no caso do triplex 164-A, no Condomínio Solaris, no Guarujá, litoral paulista. A denúncia foi protocolada na Justiça de São Paulo nesta quarta-feira.
A argumentação da promotoria é de que o petista praticou lavagem de dinheiro ao ter, supostamente, ocultado a propriedade do imóvel. Oficialmente, o triplex está registrado no nome da empreiteira OAS. A acusação tem como base a investigação realizada pelos promotores Cássio Conserino e José Carlos Blat.
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Conforme os promotores, há indícios de que houve tentativa de esconder a identidade do verdadeiro dono do imóvel, o que pode caracterizar o crime de lavagem de dinheiro. O ex-presidente chegou a admitir que visitou o triplex uma única vez, acompanhado de um dos sócios da empreiteira, Léo Pinheiro.
A reforma, contratada pela empreiteira OAS, que também é alvo da Operação Lava-Jato, custou R$ 777 mil, segundo o engenheiro Armando Dagre, sócio-administrador da Talento Construtora. Os trabalhos foram realizados entre abril e setembro de 2014.
Em 2006, quando se reelegeu presidente, Lula declarou à Justiça Eleitoral possuir uma participação em cooperativa habitacional no valor de R$ 47 mil. A cooperativa é a Bancoop, que, com graves problemas de caixa, repassou o empreendimento para a OAS. A Polícia Federal e a Procuradoria da República suspeitam que a empreiteira tenha pago propinas a agentes públicos em troca de contratos fraudados na Petrobras.
Em janeiro, o promotor Cássio Conserino disse à revista Veja que havia "fortes elementos, provas documentais e testemunhais" que comprovavam que o ex-presidente Lula e sua mulher, Marisa Letícia, foram, de fato, contemplados com o apartamento reformado pela OAS. Na oportunidade, Conserino já havia adiantado que denunciaria o casal.
Depois das declarações, a promotoria tentou por duas vezes obter os depoimentos de Lula e de sua mulher. Na primeira, em 17 de fevereiro, uma liminar do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu o depoimento. Na outra tentativa, em 29 de fevereiro, os advogados de Lula afirmaram que o casal não iria depor porque já havia prestado os esclarecimentos por escrito.
Filho de Lula, Vaccari e Léo Pinheiro também são denunciados
O promotor Cássio Conserino confirmou que o filho mais velho de Lula, Fábio Luiz Lula da Silva (Lulinha), o ex-tesoureiro do PT João Vaccari e o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro também foram denunciados pelo MP paulista. A peça contempla mais de uma dezena de denunciados, entre eles ex-dirigentes da Bancoop.
Lula apresentou sua defesa por escrito no inquérito da promotoria. O petista se recusou a comparecer pessoalmente ao Ministério Público de São Paulo, na quinta-feira, dia 3. A audiência havia sido remarcada.
Instituto Lula questiona competência legal e imparcialidade de promotor
O Instituto Lula voltou a questionar a competência legal e a imparcialidade do promotor Cássio Conserino, autor da denúncia apresentada nesta quarta-feira. Segundo o instituto, a decisão de Conserino reforça o pedido encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para determinar se as investigações devem ficar a cargo do Ministério Público Federal, que apura o caso no âmbito da Operação Lava-Jato, ou do Ministério Público Estadual.
"O promotor Cássio Conserino já tinha antecipado a decisão no dia 22 de janeiro à revista Veja, muito antes de encerrar a investigação. Conserino não é o promotor natural do caso, não é imparcial e o fato de ele fazer esta denúncia reforça a necessidade de o STF apreciar onde ficará esta investigação. Se no MPF, que cometeu uma condução coercitiva arbitrária contra o ex-presidente na sexta-feira, ou no MPE", diz o instituto.
A defesa de Lula alega que o caso não deveria estar com Conserino, mas com outro promotor. Teria sido violado o princípio do "promotor natural", norma que obriga novas investigações a serem iniciadas por "livre distribuição". O tema foi analisado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Em decisão liminar, um conselheiro deu razão aos advogados do petista, o que levou ao adiamento do depoimento de Lula e Marisa marcado para 17 de fevereiro. Mas quando o caso chegou a plenário, Conserino foi mantido na condução do processo.
Entenda o caso do triplex
- A Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) iniciou a construção de um condomínio no Guarujá, litoral de São Paulo, mas, endividada, não teve mais condições de prosseguir com os trabalhos. Alguns projetos foram transferidos à OAS, que concluiu as obras. Foi o caso do Solaris, assumido em 2010 pela empreiteira.
- A ex-primeira-dama Marisa Letícia tinha uma cota da Bancoop no valor de R$ 47 mil, adquirida em 2005, segundo o Instituto Lula. A informação aparece na declaração de bens entregue por Lula à Justiça Eleitoral em 2006.
- Investigadores obtiveram documentos que indicam que a OAS pagou pela mobília da cozinha do triplex 164A.
- Em depoimento, o engenheiro Armando Dagre, da Talento Construtora, declarou ao MP-SP que "praticamente" refez o apartamento, com reformas contratadas pela empreiteira ao custo de R$ 777 mil, incluindo instalação de elevador privativo e nova piscina. Notas fiscais foram apreendidas. Esses trabalhos aconteceram entre abril e setembro de 2014.
- Dagre disse que, certo dia, estava reunido com um representante da OAS no apartamento quando Marisa Letícia entrou no local acompanhada por três homens: Fábio Luiz, filho do casal, um engenheiro e Léo Pinheiro, então presidente da OAS. Marisa teria ido supervisionar a obra. Lula reconhece ter visitado o imóvel uma vez.
- O MP-SP entende que, ao comprar a cota, Lula e a mulher tornaram-se donos do triplex. Para a promotoria, a Bancoop vendia "coisas concretas" e não meras cotas.
- O casal diz que o fato de ter uma cota não os tornou proprietários de apartamento. Apenas foi assegurada a eles a opção de compra. A família de Lula informa que, em novembro de 2015, abriu mão do imóvel. A desistência foi oficializada depois de as informações sobre o apartamento se tornarem públicas.
- A propriedade do apartamento também é investigada pela Lava-Jato – a 22ª fase da operação, batizada de Triplo X, trata do condomínio Solaris, envolvendo, além do imóvel ligado a Lula, outros apartamentos relacionados à construtora OAS.
Em Brasília
O ex-presidente desembarcou em Brasília disposto a salvar o governo, o PT e o seu legado político. Em paralelo, desmoralizar a Operação Lava-Jato está no seu horizonte. Essas estratégias foram colocadas em prática em café da manhã que teve com Renan Calheiros (PMDB-AL) como anfitrião nesta quarta-feira. O líder petista prometeu que, a partir de agora, irá mais à capital federal.
O ex-presidente chegou a Brasília na terça-feira. Jantou no Palácio da Alvorada com Dilma, o governador mineiro, Fernando Pimentel, e os ministros Jaques Wagner (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo). Enquanto degustavam pratos, pelo WhatsApp a bancada petista estava sendo convocada para o café na manhã seguinte na residência oficial da presidência do Senado.
A ideia inicial era reunir um grupo mais seleto, de lideranças decisivas, para que fosse possível traçar uma estratégia para barrar o crescimento do impeachment de Dilma. Encontrar-se com os velhos caciques do PMDB e alguns petistas era o desejo de Lula – até o ex-senador José Sarney (PMDB-AP) foi convidado, mas não compareceu. Contudo, a lista de convidados engordou, quase metade do Senado passou pelo café, que se converteu em palanque para discurso do ex-presidente. Em determinado momento, com a presença de vários investigados, o encontro virou uma espécie de ato de protesto contra a Operação Lava-Jato.
Na reunião, entre rodadas de suco de laranja, café e bolo, Lula repetiu o receituário sugerido desde sempre para a superação da grave crise: ampliar o diálogo com o Congresso e a base social e mudar o rumo da política econômica.
– Tem de apostar no mercado interno – disse o ex-presidente. – Ele (Lula) falou que tem de facilitar o crédito para a população e empresas – relatou Humberto Costa (PT-PE), líder do governo no Senado.
Das dezenas de senadores que passaram pela residência oficial de Renan, grande parte contribuiu para esquentar as orelhas da presidente. Foram generalizadas as reclamações de que Dilma é fechada, avessa ao debate, excessivamente reclusa no Palácio do Planalto e de pouca capacidade de articulação política.
Essa, aliás, foi outra receita apresentada por Lula. Para ele, a petista precisa ampliar o diálogo e fazer até mesmo alguns gestos de boa vontade à oposição, como forma de tentar aplacar a crise. Lula reforçou que pretende aglutinar a esquerda e os movimentos sociais, ajudando a manter certa sustentação ao governo.
Também se discutiu a possibilidade de Lula assumir um ministério. A ideia circula há meses dentro do PT e ganhou força depois de o ex-presidente ter sido conduzido coercitivamente pela Polícia Federal para prestar depoimento, já que ele é investigado pela força-tarefa da Lava-Jato por supostamente ter recebido vantagens e pagamentos ilícitos de empreiteiras. Setores do PT pressionam para que ele aceite, e Dilma concordou com a sugestão. Já há, inclusive, discussão sobre qual seria a pasta adequada. Uma das citadas é o Ministério das Relações Exteriores.
A presença de Lula na Esplanada seria reforço para um governo carente de popularidade e, sobretudo, devolveria a ele o foro privilegiado. O ex-presidente escaparia das investigações da Lava-Jato em Curitiba e também da caneta do juiz federal Sergio Moro. Passaria a responder somente à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Há receio de que a estratégia amplie o desgaste de Lula, soando como uma manobra para evitar a sua eventual prisão.
– Pelo que percebi e pelo que conheço do ex-presidente Lula, não tem nenhuma chance de ele ser ministro. Ele se dispôs a ajudar fora do governo – comentou o senador Paulo Paim (PT-RS).
Lula voltou a se defender, disse que as acusações sobre o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia são infundadas, declarou-se perseguido pela PF, mas não explicou os motivos de as reformas terem ocorrido. Ele negou ser o dono dos imóveis e ironizou:
– No final, vão ter de me dar o sítio.
Apesar da aparente confiança, os relatos são de que Lula "não estava irritado, estava sereno, mas também não estava feliz". Não foram ouvidas suas piadas e metáforas. Por outro lado, há quem tenha ficado com a sensação de que "ele é candidatíssimo para 2018".
Na saída da residência oficial, Renan fez um gesto público de crítica às apurações da Lava-Jato. Ele, que é um dos investigados por suposto recebimento de propina, entregou uma Constituição a Lula.
– É preciso que as investigações avancem, mas no devido processo legal, com liberdade de expressão, com direito de defesa, com presunção de inocência, como diz a Constituição Federal – disse o peemedebista.
*Zero Hora com agências