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Lideranças comunitárias de Porto Alegre estão em transformação

Não é apenas a forma de atuar do líder que está mudando, as solicitações da comunidade também começam a se transformar

16/07/2016 - 07h04min

Atualizada em: 16/07/2016 - 07h04min


Aline Custódio
Aline Custódio
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"O futuro é ação coletiva"

Prédio abandonado no Rubem Berta foi retomado pelos moradores a partir de uma decisão conjunta

A imagem do líder comunitário que lutava sozinho está se dissipando em Porto Alegre. Surge uma nova geração que se recicla ou se renova para ser uma entre tantas outras vozes da comunidade onde a liderança está inserida. Presidente da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa), Bruna Rodrigues, 28 anos, reconhece que desde 2011 a entidade – com 580 associações da Capital filiadas – discute a renovação no movimento comunitário.

– Não há necessidade de uma única pessoa ser a voz de um determinado grupo.
Na Uampa, conseguimos fazer com que todos os 53 membros da diretoria tenham responsabilidades compartilhadas – explica, ressaltando que a coletividade precisa de mobilização e organização.

Para o sociólogo e cientista político Léo Voight, o modelo de liderança centralizada está desgastado, é oportunista e alvo de questionamentos por parte dos liderados. Mas, segundo Léo, ainda é cedo para afirmar como as comunidades se organizarão para discutir questões de interesse da região:

– As decisões comunitárias estão mais horizontais. Movimentos criados fora das associações e as redes sociais ganham força entre os líderes que estão surgindo.

Mas não é apenas a forma de atuar do líder que está mudando, as solicitações da comunidade também começam a se transformar. Junto com o pedido de asfalto e com a colocação de rede de esgoto, tradicionais solicitações que apareciam no Orçamento Participativo, surgem pedidos como eventos culturais para a comunidade e castração de animais nas vilas.

– As comunidades não querem mais ser coadjuvantes dos líderes, exigem o protagonismo – completa Bruna.

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O secretário municipal de Governança Local, Cezar Busatto, ressalta que a implantação do Orçamento Participativo - programa onde representantes das comunidades definem as prioridades da região -, há 27 anos, foi um marco de fortalecimento das lideraças locais. Mas hoje, acredita, os moradores precisam cobrar e também fazer a parte deles.

– Incluímos as ações colaborativas, onde cada um dos 17 Cars da cidade fazem um mutirão mensal para melhorias da região. Governo e moradores trabalham juntos na melhoria da praça, na limpeza do valão. Cada um ajuda como pode –explica.

Outra ação da prefeitura que visa a reciclagem e a renovação de líderes na Capital são os cursos de capacitação, como o Porto Alegre Resiliente, feito em parceria com o Senac. Eles aprendem a formular projetos comunitários em parceria com os moradores e a oferecê-los, por exemplo, a entidades privadas para formação de parcerias.

– O governo precisa compreender que as determinações dever ser menos "de cima para baixo". E os moradores devem acabar com a visão de "ter alguém para me defender" – finaliza.

Lothar vê as imagens dos ex-líderes do Bairro Anchieta

"Estou cansado desta luta solitária"
Foi com as próprias mãos que o presidente da Associação Comunitária de Moradores do Bairro Anchieta, Lothar Adalberto Markus, 69 anos, construiu o prédio que há 35 anos abriga a entidade. Hoje, na frente de batalha pela sexta vez, ele desabafa:

– Estou cansado desta luta solitária. Estou desde o ano passado exigindo melhorias na questão do esgoto pluvial, mas o DEP não toma uma solução.

Lothar é a voz ativa dentro da Associação. Até por isso, acredita, não encontra interessados em assumir a função. Aposentado, passa os dias em reuniões para mobilizar os moradores e reforçar as parcerias entre as empresas que ocupam mais da metade da extensão do bairro. Este, inclusive, acaba sendo um dos maiores problemas enfrentados pela entidade: está localizada no menor bairro de Porto Alegre, que desde a década de 1980 vem se tornando uma área industrial. Conforme o Censo do IBGE de 2010, o Anchieta tinha 147 moradores. Apesar das dificuldades, a sede da associação oferece quadra de bocha aos frequentadores, espaço para festas comunitárias e área de lazer.

Lothar na frente do prédio que construiu

Sentença
Ao longo das três últimas décadas, Lothar viu irmãos e outros parentes na liderança da associação. Os quadros com as fotografias dos antigos presidentes estão expostos na parede de entrada do prédio. É ali que o atual recorda os bons momentos de atuação da entidade. Orgulha-se em dizer que conquistou a reforma da casa de bombas em 1992 e o encanamento de esgoto do bairro, com o apoio de um abaixo-assinados repletos de assinaturas. Pelos corredores vazios do prédio, o presidente reconhece as dificuldades. Lothar, depois de um longo suspiro, sentencia:

– Nosso bairro está envelhecendo e, sinceramente, não vejo perspectiva de novas lideranças surgirem aqui.

Rose mostra a praça que deverá receber melhorias

"Foi preciso me reciclar"
Presidente da Associação de Moradores do Loteamento Cristiano Kraemer, desde a fundação há oito anos, Roselaine Marques Netto, 52 anos, percebeu que se não mudasse a forma de atuar perderia a voz entre as 142 famílias que compõem a comunidade.

– Comecei na liderança visando o meu próprio umbigo: queria melhorar a minha rua. Ao participar das reuniões, percebi que havia problemas muito maiores e era preciso lutar em conjunto com todos – explica.

Técnica em Administração, Rose, como é conhecida, se inscreveu em 2015 – via Orçamento Participativo – no curso Porto Alegre Resiliente, oferecido pela prefeitura em parceria com o Senac Comunidades. Durante um mês, o curso capacitou lideranças comunitárias para elaboração de projetos. Inspirada, Rose saiu das aulas com três projetos elaborados. Um deles, que solicitava a castração de animais na comunidade, já foi executado pela Seda. Os outros dois, a criação de um jardim de pneus na praça e a colocação de uma academia ao ar-livre, estão em avaliação na prefeitura.

Entusiasmada, Rose fez mais um curso focado em dicção e oratória. Ela percebeu a necessidade de aprender a se comunicar com dois públicos distintos: os moradores e os órgãos públicos.

– As pessoas perderam a credibilidade em vereadores, deputados e representantes políticos. O vereador que promete, passa. E nós continuamos na vila. Foi preciso me reciclar. Quero descentralizar o meu conhecimento e reparti-lo com todos para cobrarmos juntos – explica.

Pelas redes sociais, Tity recebe solicitações dos moradores

"É necessário desengessar o estatuto"
É pelo Facebook e pelo Whats App que o rapper Leandro Seré, mais conhecido como Tiry, 34 anos, recebe parte das solicitações dos inscritos na Associação de Moradores do Bairro Rubem Berta (Amorb). A tradicional entidade, que se mantem com a contribuição dos moradores dos 130 condomínios com mais de 80 mil pessoas, se renova para seguir viva.

Filho de um dos líderes da ocupação do loteamento Rubem Berta, ocorrida na década de 1980, Tiry percebeu que os moradores se afastaram da entidade ao longo das duas décadas em que ela ficou mãos de um mesmo presidente. Para reconquistá-los, ele, que hoje é coordenador-geral da Amorb, e a gestão decidiram fazer mudanças.

– Foi preciso desengessar o estatuto, tornando a associação mais aberta e menos dependente das mãos de uma única pessoa. Estreitamos os laços com os moradores pelas redes sociais. Eles se comunicam comigo na mesma hora, sem precisar vir até aqui – conta.

Leandro destaca que a juventude do Rubem Berta não acredita em modelos tradicionais de liderança, eles pedem protagonismo. Eventos como o Colorindo a Cohab, onde a comunidade e grafiteiros pintam os blocos de moradia, e o festival de rap são formas de atrair novos interessados em colaborar com a comunidade.

Entre as conquistas realizadas nestes novos tempos de associação, Tiry celebra a retomada do antigo prédio da Brigada Militar - abandonado desde a saída da instituição. A área – construída pelos moradores e oferecida à BM – está localizada próxima a uma escola e a um posto de saúde. Ela foi ocupada pela entidade antes mesmo das negociações finais com o Estado. No local, está sendo criado o Centro Cultural Rubem Berta – espaço pedido pelos moradores há mais de duas décadas.

– Os moradores do entorno farão a segurança e a associação fará a revitalização. Quem ganha somos todos nós – comemora Tiry.

Gabriel luta para ver duplicada avenida da região onde mora

Estudante de Direito, na Uniritter, e de Políticas Públicas, na Ufrgs, Gabriel de Bem, 19 anos, do Bairro Vila Nova, tornou-se protagonista no ano passado de uma luta que prefere compartilhar com os mais de 2 mil inscritos no evento criado por ele no Facebook – Duplicação da Av. Vicente Monteggia.

– A meta é chamar a atenção dos moradores locais e da sociedade para a situação que vivemos. Por dia, passam 22 mil veículos por esta via repleta de curvas e com histórico de acidentes – explica.

Animado com a repercussão – mais de 800 curtidas em menos de 24 horas, Gabriel organizou mobilizações na via e fez uma ação considerada ainda tradicional: arrecadou cinco mil assinaturas solicitando a obra. Elas foram entregues ao secretário de Governança, César Busatto.

– Queremos levantar a discussão para que o assunto volte à pauta –reforça.

Para Gabriel, que não faz parte da associação de moradores local, mais do que presidir um grupo, seu trabalho é motivar os que estão ao redor para seguirem exigindo melhorias. Confiante, ele se considera um líder, mas parte de algo maior:

– Não adianta apenas uma cabeça pensar. Ninguém faz nada sozinho. O futuro das associações é a ação coletiva, construindo juntos algo bom para todos.



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